Fundado em 11/10/2001
porto velho, segunda-feira 25 de novembro de 2024
O mundo começou a quinta-feira (24) em alerta vermelho com a notícia da invasão russa à Ucrânia. Os países entraram em choque nas primeiras horas da madrugada (horário de Brasília), após semanas de tensão.
A escalada da aversão ao risco foi a reação imediata dos investidores, fazendo com que as principais bolsas de valores aprofundassem suas perdas, com destaque para a bolsa de Frankfurt, que chegou a cair 5%. Isso sem contar no índice de Moscou, principal da bolsa russa, que chegou a cair 45% mais cedo.
No Brasil, onde bolsa e câmbio vinham se beneficiando do fluxo estrangeiro atraído pelas commodities e ativos considerados baratos, não foi diferente. No fim da manhã, o dólar avançava 1,83% em relação ao real, cotado a R$ 5,096. No mesmo horário, o Ibovespa caía 2,02%, aos 109.742 pontos.
Para além do impacto no mercado financeiro, um ponto de alerta para o Brasil, agora que o conflito no leste europeu se concretizou, é inflação.
O cenário de preços mais altos e atividade estagnada é prejudicial para a economia de uma forma geral, impactando desde consumidores até integrantes das cadeias produtivas no país.
“O principal desdobramento para o Brasil pode vir por meio das commodities”, diz Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos. ” No rali histórico dos preços, isso acarreta uma inflação maior, num ambiente em que já estamos com a corda puxada”, diz.
O preço do barril de petróleo ultrapassou US$ 100 mais cedo, o que pressiona a Petrobras a reajustar os combustíveis “muito em breve”, segundo Sanchez. O item foi um dos maiores responsáveis pela inflação acima do teto da meta no ano passado, algo que não acontecia desde a última recessão pela qual o país passou.
“As pressões sobre os [preços dos] combustíveis afetam o mundo inteiro. Piora ainda mais uma inflação que já está muito elevada”, diz o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale. “Se tem mais inflação, será necessário subir mais os juros, e juros mais altos dificultam o crescimento lá na frente.”
E a pressão pode vir de todos os lados, já que Rússia e Ucrânia são grandes exportadores de commodities agrícolas, como trigo e milho, e energéticas, como petróleo.
“Esse evento traz uma pressão adicional sobre as commodities e sobre o quadro inflacionário, que já vinha sendo observado pelos investidores. A grande dúvida agora é como os bancos centrais vão agir com os resultados do que vem acontecendo”, diz Jennie Li, estrategista de ações da XP.
Os últimos acontecimentos já colocam dúvidas, por exemplo, no tamanho da alta que o Federal Reserve (BC dos EUA) pode anunciar em março, quando o mercado espera um anúncio de aperto monetário.
“A guerra efetiva deve ter impactos significativos sobre a inflação global, que já está elevada, o que colocará o Fed numa encruzilhada”, diz o economista-chefe da Órama, Alexandre Espirito Santo. Isso pode significar, segundo o economista, um anúncio de alta de 0,25 ponto na taxa de juros em vez do 0,5 ponto esperado anteriormente.
Para o economista, o comportamento do Fed se tornou a “grande pergunta nesse momento”. Na avaliação dele, o cenário de conflito no Leste Europeu pode afetar a recuperação da economia dos Estados Unidos, o que pode fazer o Fed rever a intensidade da alta nos juros, justamente, porque esse movimento frearia ainda mais a economia.
“Esse já era o dilema, pelos efeitos nas bolsas, agora piorou. Depende também do grau do conflito, tamanho e tempo”, diz.
Espirito Santo explica que uma alta nos juros americanos tende a fortalecer o dólar e atrair mais investidores aos EUA, onde a recompensa sobe. Ao mesmo tempo, esse movimento incentiva uma saída da moeda do Brasil, o que deixa o real mais desvalorizado. Ao mesmo tempo, esse movimento pode ser menor devido aos juros brasileros em alta. “Mesmo que a alta nos EUA seja pequena, o diferencial é muito forte ainda prara os nossos juros, o que ajuda o real”, diz.
De qualquer forma, não tem para onde correr. “Subir juros não vai resolver preço do petróleo, ou encerrar essa guerra. O que o BC deve fazer é monitorar a situação da economia. Se isso virar uma guerra maior, algo que se expanda com resposta de países ocidentais, vai muito provavelmente causar uma desaceleração na economia mundial, e afetar a nossa economia”, diz.
Já Simão Silber, professor da FEA-USP, acha mais provável que o cenário de novas pressões inflacionárias, em especial com altas significativas nos combustíveis, exigirá uma elevação de juros pela autarquia maior que o esperado, aumentando o potencial de desaceleração da economia.
O professor da USP vê o agronegócio brasileiro como o setor do país mais beneficiado pela situação na Ucrânia, mas também um dos mais afetados.
“Enquanto há uma série de sanções contra a Rússia e o país produz muitos grãos, vai ter que comprar em outro lugar. Particularmente para os produtos da Rússia, o mais importante para nós é o milho, usado muito mais como ração animal”, diz.
O conflito já tem feito os preços futuros de commodities agrícolas, em especial trigo e milho subir e, segundo a chefe de economia da Rico Investimentos, Rachel de Sá, a tendência é que os produtores acompanhem a alta, seja para vender no mercado externo ou interno.
Silber afirma, porém, que o agronegócio pode ter perdas dependendo do impacto das sanções do Ocidente contra a Rússia no comércio de fertilizantes. “Os fertilizantes são o produto que a gente mais compra da Rússia, com todas as sanções, particularmente no SWIFT, um sistema de pagamento de contratos, essa importação será dificultada”, avalia. O cenário, portanto, seria de encarecimento de custos de produção, afetando as margens dos produtores.
Rachel de Sá também vê benefícios para as empresas de ligadas ao petróleo, como a Petrobras, e, em menor escala, minérios, em especial o ouro, que tradicionalmente se valoriza em períodos de crise como a atual.
Para ela, as principais perdas devem vir dos setores de varejo e indústria, já que a combinação de juros altos e uma inflação ainda maior desaquecerão a atividade econômica, e o consumo, mais que o previsto, correndo o poder de compra da população.
“É algo que acaba colocando mais nuvens sobre o crescimento no Brasil. Pode ser compensado pelo crescimento de agronegócio, mas consumo, em especial varejo e indústria, pode colocar mais incertezas”.
Sá afirma que é natural que o primeiro impacto de uma crise como a da Ucrânia seja a alta do dólar, com os investidores fugindo para ativos mais seguros devido ao aumento de incertezas. Entretanto, ela acredita que esse movimento não reverterá a tendência de valorização do real nas últimas semanas.
“Temos todo o movimento de commodities e somos um grande exportador, então vai trazer um benefício. É improvável que, por esse motivo, o dólar volte aos patamares do segundo semestre de 2021”, diz.
O economista da Órama afirma que a alta do dólar também está ligado a um movimento de realização de lucros de investimentos antes do Carnaval, em que a bolsa de valores ficará fechada por quase três dias, e os investidores preferem fazer movimentos agora do que depois devido ao cenário de incerteza.
“O pano de fundo é favorável para o real, mas esse movimento de alta no curto prazo, que pode levar alguns dias, é natural. O nosso estudo de câmbio é que a moeda tem preço de equilíbrio de R$ 4,85, R$ 4,90, estava indo pra lá, e interrompeu pela questão que ocorreu, mas admitindo que o conflito não se estenda em tempo e extensão, deve voltar a cair”, afirma.