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porto velho, segunda-feira 25 de novembro de 2024
MUNDO - A inflação anual nos Estados Unidos bateu recorde em março e chegou a 8,5%, o maior índice em 41 anos. A taxa passou longe da meta de 2%. Pressionado pelos aumentos de preços, o FED (Federal Reserve), banco central do país, será obrigado a aumentar os juros, o que trará impactos para a economia mundial, inclusive a do Brasil.
Os novos juros do país devem ser definidos na próxima semana. Medidas mais agressivas são esperadas. Segundo o presidente do FED, Jerome Powell, existe a possibilidade de aumento de até 0,5 ponto percentual. O país deve ter sucessivas elevações e terminar o ano a 3%, índice alto para os padrões americanos.
A elevação da inflação nos Estados Unidos segue uma tendência global causada pela reabertura da economia após a Covid-19. Segundo Rachel de Sá, chefe de economia da Rico, os incentivos para aquecer o mercado provocaram um aumento no consumo, apesar de muitos terem sofrido financeiramente com a pandemia. O que causou, consequentemente, a aceleração nos preços.
“Houve uma política monetária muito expansionista, juros muito baixos para estimular a economia e evitar um estrago ainda maior. A gente começou a ter um desequilíbrio de oferta e demanda. Fábricas estavam fechadas e explorações de commodities (matérias-primas cotadas globalmente) com funcionamento reduzido. Com a reabertura, os serviços também voltaram a recuperar suas margens”, explica Rachel.
No começo da pandemia, também com o objetivo de diminuir perdas, R$ 1 trilhão em auxílio foi injetado na economia.
Para a analista, a “cereja do bolo” foi a guerra entre Rússia e Ucrânia. “O conflito envolve dois produtores de commodities energéticas, como o petróleo, e agrícolas, além de fertilizantes, essenciais para a produção de alimentos. Sem esses países, a oferta diminuiu mais ainda e os preços aumentaram para Estados Unidos, Brasil e o mundo todo."
Como Estados Unidos e Brasil são grandes parceiros comerciais, produtos americanos chegam aqui mais caros, já que os preços subiram no país. “Nós acabamos importando a inflação deles junto com os bens que vêm de lá, por exemplo, o trigo para o nosso pão francês, carros fabricados lá, máquinas e equipamentos, e o petróleo refinado. Somado a isso, temos a nossa inflação já elevada pelas mesmas razões”, analisa a economista da Rico.
Com o aumento dos preços se mostrando persistente, cada vez mais os Estados Unidos devem elevar os juros, o que torna o país mais atraente para os investidores. Além da taxa atraente, a economia americana apresenta menores riscos que os de países emergentes. Nesse cenário, ocorre uma fuga de capitais do Brasil.
Esse é o principal motivo para o dólar ter subido na última semana, mesmo após as quedas impulsionadas pelos investimentos que deixaram a Rússia. “Quanto mais forte for a posição do Banco Central americano em relação à inflação, mais os países emergentes sofrem com aumento de juros. A tendência é o que o dólar se valorize”, explica Rachel de Sá.
Apesar da expectativa de alta, a moeda americana não deve disparar. “Estamos em uma vantagem de juros, que ainda estão mais altos aqui, e somos exportadores de commodities, por isso, nos beneficiamos da guerra”, explica a chefe de economia da Rico. Por outro lado, o aumento da exportação é mais um fator que causa crescimento dos preços para os brasileiros.
Segundo Hugo Garbe, professor do Mackenzie e chefe de economia da G11 Financial, a previsão é que o dólar feche o ano próximo a R$ 5,00. É esperado que o câmbio seja segurado nesse patamar pela guerra na Ucrânia.
A migração de capitais provocou uma queda acentuada na bolsa de vários países, inclusive do Brasil. Na semana passada, o Ibovespa acumulou queda de mais de 4%.
Wall Street também corre um grande risco de perder força com o aperto da política monetária. Os juros elevados tornam mais atrativos os investimentos fora da Bolsa, que passam a ter maior rentabilidade e são muito mais seguros.
“O investidor mais seguro tende a comprar papéis do governo, que tem risco baixíssimo. Ele ganha um incentivo maior para sair da Bolsa, o que provoca queda em curto e médio prazo", explica Garbe.
O aumento dos juros impacta o consumo e reduz o poder de compra das famílias. “A elevação dessa taxa pode acabar trazendo uma desaceleração econômica forte. Se os Estados Unidos, eventualmente, entram em uma recessão, isso vai impactar outros países”, analisa Rachel.
“Quando você compra um carro, um apartamento, uma viagem, parcela compras ou faz um empréstimo, as taxas de juros são embutidas: quanto mais altas, mais você paga. Setores específicos são mais afetados, por exemplo, construção civil, já que os juros são um componente importante para o financiamento imobiliário, e o varejo. As pessoas vão esperar a taxa baixar para consumir”, complementa o professor.
Além do risco de uma recessão em cadeia, o aumento da própria taxa de juros para controlar a disparada de preços é outra preocupação para o Brasil. “A nossa taxa real é uma das mais altas do mundo e tem expectativa de subir mais, você mitiga o consumo e não tem um crescimento real da economia”, afirma Garbe.
Na opinião do especialista, os Estados Unidos demoraram muito para apertar sua política monetária. “Historicamente, eles não estão acostumados com inflação, diferentemente do Brasil. Nosso Banco Central começou a aumentar a taxa de juros no ano passado, os Estados Unidos agora, quando a inflação já estava altíssima para eles. Era natural que, depois dos auxílios, a inflação fosse gerada", ressalta.
Para Rachel de Sá, o problema foi mandar uma política de juros expansionista, mesmo depois da retomada do emprego e da reabertura. "Isso causou uma queda das expectativas, a longo prazo, o mercado já vê a taxa de juros próxima a 3%. O que mostra que muita gente acha que essa inflação pode não ser tão temporária.”
De acordo com Hugo Garbe, essa é uma inflação atípica que deve ser reduzida quando a demanda se igualar à oferta. A previsão é que isso aconteça no mínimo em dois anos.