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porto velho, domingo 24 de novembro de 2024
Aos 72 anos de idade, Tony Ramos é um dos grandes destaques nos 70 anos de TV no Brasil. Atualmente no ar como Miguel de Laços de Família (2000), no Vale a Pena Ver de Novo, da Globo, como Téo de Mulheres Apaixonadas (2002), no Viva, e como José Clementino de Torre de Babel (1998), disponível no Globoplay, o ator fala do apreço pela carreira em conversa Quem. Realizada por chamada de vídeo - assim como a sessão de fotos -, por conta das medidas de distanciamento social, a entrevista durou quase duas horas – uma hora e 47 minutos, para ser precisa – e o ator contou diferentes momentos da carreira, iniciada em 1964, na extinta TV Tupi.
“Na minha vida, eu nunca fiquei desejando personagem Y. Deixei acontecer. Posso citar uma dezena deles. O Riobaldo, de Grande Sertão Veredas, é um clássico, um ícone da televisão brasileira e aconteceu na minha vida por acaso. Estava na fila do banco e o diretor Walter Avancini me encontrou e falou: 'Quando acabar o que estiver fazendo aí, vem falar comigo. Estou há dois dias para te ligar. Você é o meu Riobaldo’. Levei um susto”, conta o ator, que é paranaense, criado em São Paulo, mas vive no Rio de Janeiro há mais de 40 anos.
Sempre citado como um dos atores mais cordiais e educados do meio artístico, Tony é do tipo que gosta de uma boa prosa. “Tenho um celular que é para falar com a minha mãe, meus filhos, meus netos e, claro, minha companheira. Esse número nem a TV Globo tem (risos). É um número realmente muito pessoal. Às vezes, a gente fica horas conversando, usamos o Facetime para falar com os netos e ver como eles estão”, afirma ele, que mora em uma casa na companhia da mulher, Lidiane Barbosa, e da sogra, e tem Fátima Bernardes como vizinha de condomínio no Rio. Durante a quarentena, os encontros familiares mudaram. “Estou longe dos meus netos. A última vez que eu os vi foi pelo portão. Eles encostaram o carro, desceram e ficaram pulando… Depois, eles foram embora e tudo bem, paciência. É a vida, é o momento”, afirma o ator, casado com Lidiane há 51 anos, pai de Rodrigo, médico, e Andréa, advogada, e avô de Henrique, de 20, e Gabriela, 16, estudantes.
Embora não rejeite a tecnologia, Tony não se imagina com um perfil nas redes sociais. “Respeito, mas não é minha praia. Não vou fotografar um prato de comida para colocar no Instagram”, diz. Na opinião dele, os meios de comunicação tradicionais não deixarão de existir. “A TV aberta é popular e democrática. Quando o 5G aparecer, vai ser revolucionário e pode mudar a forma como vemos TV. Eu não assisto à TV pelo celular, não aguento ver um filme assim. A não ser como um quebra-galho, como na antessala do médico ou do dentista. Quando quero ler textos com fontes maiores, é no iPad que vou buscar. Para ler meus e-mails, abro pelo iPad que as letrinhas já estão maiores, mas é evidente que a TV vai se reinventando”, diz ele, também assíduo ouvinte de rádios. “Quando TV chegou ao Brasil há 70 anos, disseram que o rádio acabaria. O rádio está firme até hoje e se reinventado.”
Durante a conversa, Tony estava na companhia da cadela, a labradora Mel, em seu escritório. É lá que conserva seus livros, guarda os DVDs com trabalhos em novelas e prêmios e troféus, como o Kikito de melhor ator do Festival de Cinema de Gramado, conquistado pelo trabalho no filme Bufo & Spallanzani (2001).
Ao falar sobre a situação do país e o cenário político atual, Tony descarta a possibilidade de vir a ocupar um cargo público e afirma que sua grande preocupação é com o setor da educação. “O sistema educacional deveria ocupar a criança das 7h30 às 16h. As escolas públicas deveriam oferecer artes, esportes, além da grade curricular acadêmica. Esse é meu sonho. Não um sonho político, um sonho de um cidadão brasileiro. Eu moro aqui, não tenho casa fora, aqui que sobrevivo, é onde criei minha família. Sou um brasileiro que ama o país. Uma nação não é nação se não começar pela educação.”
Leia a entrevista completa abaixo:
Quem: Como tem sido seu período em isolamento social. Mudou sua rotina?
Tony Ramos: Mudou totalmente, não foi um pouquinho. Antes da pandemia, andava todos os dias com minha labradora, Mel, pelo condomínio. É uma companheira para todas as horas. Quando estou no escritório lendo, ela vem e deita ao meu lado. Agora, desde 10 de março, não mais. Não circulo. O máximo onde posso ir é até a nossa casa de campo. Até poderia ir, porque é só entrar no carro, botar a máscara, pegar a estrada e descer lá na garagem, mas não fiz. Achei melhor ficar quieto e ponto final.
Como é a preocupação na sua família? Seus filhos dão ordens para que não saia de casa?
Na verdade, não existe a palavra ordem em nossa família. Tenho um filho que está no dia a dia dos hospitais. Ele é cirurgião cardiovascular e opera diariamente. Como coração não tem hora, ele opera emergências e tudo mais. Desde o começo, ele disse: “Papai, essa doença não é brincadeira”. Minha filha, que é advogada, e o marido também respeitam as determinações de isolamento. Não houve pânico, houve a palavra mágica: “escute”. Escute a ciência, tome seus cuidados.
Seu dia a dia – com caminhadas, leituras de jornais – foi alterado de que forma?
Eu tenho 72 anos. Eu não abro mão dos hábitos, como a leitura, na minha idade. A leitura digital também é bem-vinda. Todas as manhãs, por volta das 7 horas, abro o Corrieri de la Sierra, um jornal italiano, que tenho a assinatura digital há alguns anos. Antes, ia até a uma banca do Rio de Janeiro que vendia o Corrieri, mas chegava sempre com um dia de atraso. O jornal de domingo, eu recebia na segunda. Mas com o advento da internet, fiz a assinatura digital e passei a lê-lo virtualmente. Gosto de ter notícias de outros cantos. Aos domingos, leio o New York Times, especialmente pelo caderno cultural com notícias de televisão, de cinema e, principalmente, de teatro.
Ao longo da sua trajetória em frente às câmeras, seu casamento com Lidiane costuma ser referência como união sólida. É verdade que promoveu um festão para celebrar os 50 anos de casamento em 2019?
Já completei as bodas de ouro. A festa foi uma reunião a família e alguns poucos amigos. Foi um momento de reencontro com a família – muitos vieram do interior de São Paulo e outros do interior de Minas Gerais. Houve um jantar muito bonito, ficamos todos reunidos, teve uma missa como eu e a Lidiane queríamos. O padre José Luiz, responsável por celebrar a missa, foi o mesmo que celebrou nossas bodas de prata e casou nossos filhos. Teve tudo do jeito como eu e Lidiane gostamos. Foi para nós, dentro de casa. Quando usamos o termo festa, muitos pensam em festão, com banda… Não, não houve isso. Houve nós, a família se reencontrando, conversas, troca de ideias.
Seus hábitos mudaram muito ao longo do tempo?
Meus hábitos, como ir à banca, eram os mesmos quando casamos. Não havia assinatura. Depois, passei a assiná-los. Quando mudei para o Rio de Janeiro, transferi a assinatura dos jornais paulistas para o meu endereço daqui e passei a assinar O Globo. Até hoje, é isso. É uma rotina boa. A rotina burra, a rotina chata é fogo, mas a rotina boa é disciplinar, te dá um conforto espiritual muito interessante. Acho que esses hábitos continuarei mantendo a vida inteira. Sou uma pessoa antenada com tudo. Por exemplo, esta ferramenta que usamos agora para conversar. Na Globo, usamos o Microsoft Teams, com reuniões de elenco e aulas. Na TV Globo, há uma divisão muito interessante que propõe verdadeiras aulas. Haverá uma discussão sobre a obra de Federico Fellini. Para participar, fazemos inscrições e, assim, participa quem quer, quem pode. É uma aula digital com grandes profissionais, especialistas e estudiosos. Esse é meu cotidiano. Agradeço as ferramentas modernas, ainda mais em uma situação de quarentena, como ter acesso a esse bate-papo virtual.
Como é sua relação com a tecnologia?
Tenho um celular que é para falar com a minha mãe, meus filhos, meus netos e, claro, minha companheira. Esse número nem a TV Globo tem (risos). É um número realmente muito pessoal. Às vezes, a gente fica horas conversando, usamos o Facetime para falar com os netos e ver como eles estão. Evidentemente, nesta situação, a gente não está se vendo. Já tenho neto em faculdade e sinto saudade, claro. Nossos papos nos almoços de domingo são sempre muito interessantes, o celular não vai para mesa, o papo rola… A gente conseguiu isso. Minha filha e o marido dela também vêm, quando possível. Somos uma família normal, uma família do cotidiano, uma família como eu sempre imaginei – com dores, alegrias, tristezas e buscando cada vez mais alegrias, lidando com doenças, aflições, angústias. É uma família como tem que ser. Uma família é uma tribo. Às vezes, a família pode ser de 1 + 1. Não precisa ter uma enormidade de filhos e filhos. É normal que se imagine uma família com filhos, mas também há famílias de dois. Tudo bem não ter filhos. Há pessoas que buscam a paz de espírito ou tenham outros ideais para a vida. A vida é múltipla. O bonito da vida é a multiplicidade no comportamento, sempre respeitando o espaço alheio, o pensamento alheio. O nirvana do mundo seria assim.
Você fala sobre a família de maneira afetuosa. Como tem encarado a distância neste período?
Estou longe dos meus netos. A última vez que eu os vi foi pelo portão. Eles encostaram o carro – o mais velho tem 20; a menina, 16 – desceram do carro, ficaram ali pulando… Algo que durou entre 10 e 15 minutos. Depois, eles foram embora e tudo bem, paciência. É a vida, é o momento. A gente não pode facilitar. Sei que é difícil para muita gente que não pode estar nessa condição de isolamento. Não é confortável falar: “todo mundo fechado”. Tem gente que sobrevive comercializando itens nas ruas, como vendedor visitando clientes. Tem muita gente prejudicada, tenho absoluta consciência disso, mas é necessário haver políticas públicas. Lidar com uma pandemia e não haver cuidados, posso garantir que a situação estaria muito pior. Se tivesse sido uma liberação total desde o início, o histórico seria outro – e ainda pior – tenho certeza.
Com a pandemia, as produções de TV foram afetadas. Você está reservado para a novela do João Emanuel Carneiro, certo?
De fato, estou na novela do querido João Emanuel, mas ainda não temos oficialmente quando será o início das gravações. Tem havido muitas especulações. No meu caso, a esta altura, eu já estaria na fase de reuniões de elenco, é uma fase que antecede a pré-produção. Seria a pré-pré-produção, quando recebemos as informações iniciais. Depois, na pré-produção, entra a fase de caracterização. Aquele lance de engorda, emagrece, pinta o cabelo, deixa embranquecer… Entre agosto e setembro, eu estaria nesta fase. As gravações, propriamente, deveriam ser a partir de meados de outubro. Óbvio que tudo isso caiu por terra. Não recebi os capítulos. João Emanuel, prudentemente, segurou tudo. Ele já escreveu muito. Já deve ter escrito uns 30 capítulos, mas pelo o que foi noticiado pela imprensa, o autor reavaliará. Antes de novela do João Emanuel, terá ainda a da Lícia Manzo e a volta de Amor de Mãe. Estou louco para ver a continuação de Amor de Mãe.
Você gosta de acompanhar novelas, então?
Fiquei louco quando parou, menina. Amor de Mãe é uma novela maravilhosa, com uma Regina Casé esplendorosa, e a suspensão foi justamente quando a Adriana Esteves ia colocar as garras para fora. Adrianinha é maravilhosa. O elenco todo é fantástico e afinado: Malu Galli deslumbrante, Chay Suede em uma interpretação sensível, Murilão [Benício], Vladimir [Brichta]… Todo elenco! É tanta gente para citar que acabarei esquecendo nomes. O elenco inteiro, a história da Manuela Dias é primorosa e merece ser terminada como merece. Com a conclusão de Amor de Mãe, a novela inteira da Lícia Manzo pela frente, eu não acredito que possa começar a gravar nada, receber textos do João Emanuel ainda. Deus permita que essa tão querida e esperada vacina chegue. É difícil planejar assim lá na frente, afinal eu já falo em planejamentos para o segundo semestre de 2021. Tenho um filme pronto para ser lançado e há a dúvida: lançamos primeiro no streaming e depois colocamos no cinema? Ou já fica direto no streaming? O filme 45 do segundo tempo, com direção do Luis Villaça, é realmente um poema, lindo. Tem Louise Cardoso, Denise Fraga, Cassinho [Gabus Mendes]… É uma comédia deliciosa. É uma incógnita o lançamento. É um filme muito bom, embora seja difícil falar de um trabalho feito por nós.
Sobre a nova novela, já começaram a sair algumas notícias, como a de que você fará um vilão. O que pode contar?
João Emanuel tem uma história fantástica, um folhetim de primeira ordem. Mas existe todo um mundo pós-pandemia para ver como será tratado na novela e isso caberá ao autor. Não queria estar na pele dele para definir. O jeito é aguardar, eu sou paciente. Na hora certa, a empresa vai resolver. A TV Globo não resolve “na galega”, de qualquer jeito. A TV trabalhou por mais de 60 dias os protocolos de retomada. Desde que o isolamento começou, a direção passou a ter reuniões diárias para ver. Temos que ter calma. Frente a uma pandemia como essa, é importante escutar o “agora, sim” da empresa.
Paralelamente, podemos te ver em três novelas disponíveis para o público.
Mulheres Apaixonadas entrou no Viva um dia antes do meu aniversário. Um presentaço. É um novelão. E como é bom rever Laços de Família, no Vale a pena ver de novo. São grandes novelas do Manoel Carlos, que bom rever os textos dele. Além delas, tem Torre de Babel, disponibilizada no Globoplay, é uma novela iconográfica. Tenho ela todinha gravada em VHS. Ainda tenho muitos materiais em VHS. Tenho tudo, tudo, tudo. Alguns já foram transpostos para DVD. Tive cenas de Torre de Babel gravadas do presídio do Carandiru, tive a cabeça toda raspada para viver aquele homem sendo redimido na vida. Ele matou a mulher, o amante da mulher, queria matar um terceiro… Ele teve um surto psicótico, mas, mesmo assim, não é certo matar. Teve que ser preso. Era uma novela com uma preocupação social muito grande. Silvio [de Abreu] foi muito feliz. Há 23 anos, quando a novela foi ao ar, não havia uma pessoa no país que não perguntasse: “Quem explodiu o shopping?”. Uma coisa louca, louca, louca…. Estou feliz com as reprises. O espectador tem a chance de ver trabalhos diametralmente opostos e, depois, é aguardar o ano que vem para ver o que resolvem. Dá vontade de trabalhar. Toda hora vem aquela dúvida de “quando começa?”, afinal quero voltar a trabalhar.