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porto velho, domingo 24 de novembro de 2024
BRASIL - Criado no Morro dos Macacos, comunidade da Zona Norte do Rio de Janeiro, e hoje um dos maiores humoristas e criadores da TV brasileira, Rodrigo Sant’Anna tem uma trajetória que pode servir de exemplo para muitas pessoas que sonham com uma carreira na arte. Pensando em proporcionar para mais gente a oportunidade de seguir seus passos e atingir o sucesso profissional, ele e seu marido, o roteirista Junior Figueiredo, criaram um curso de roteiro gratuito destinado a pessoas negras, transexuais e de baixa renda, que inicia sua terceira edição neste sábado.
Rodrigo conta que a ideia de criar o "Curso de Roteiro - Clube do Pensamento" surgiu a partir da percepção de que esses grupos ainda são pouco representados entre os profissionais que criam as produções audiovisuais. "Até vemos uma certa representatividade na frente das câmeras, com atores, mas, em geral, ainda são muito pouco preenchidas as vagas do campo das ideias, como os autores de novela. Então, acho que essa é uma maneira de fomentar e ampliar a quantidade dessas pessoas na área", explica.
Sua própria experiência também serviu como motivação para a iniciativa. Apesar de ter hoje uma carreira de sucesso, Rodrigo lembra que, na infância e adolescência, não tinha tanto acesso à cultura devido à sua origem social. "O subúrbio já é relacionado às regiões periféricas, que estão à margem do grande centro. O Morro dos Macacos, onde vivi, não é exatamente um lugar periférico, porque é ali ao lado da Tijuca, que é um bairro mais central, mas tenho a sensação de que na comunidade a gente vive numa periferia sob outra ótica, porque a estrutura existente naquele local é menor e acaba que o acesso a tudo é menor, não só pela questão financeira, mas porque para você chegar numa comunidade mais tarde é complicado, então você deixa, por exemplo, de ir ao teatro, porque é à noite, é mais caro".
Por mais que não tenha vindo de uma comunidade, Junior também teve barreiras semelhantes em sua trajetória profissional, o que motivou ainda mais a parceria dos dois na criação do curso. "Ele veio de interior, que é uma realidade um pouco parecida, também está ali à margem das grandes capitais E ainda é do Nordeste, baiano, uma região que também sofre muitos preconceitos", explica Rodrigo.
Para o humorista, as pessoas que vêm desses lugares têm um bloqueio até para sonhar com uma carreira no meio artístico, por parecer uma realidade muito fora do seu alcance. "Acho que no caso do Junior, que é roteirista, é ainda mais difícil, porque o ator ainda é do conhecimento geral, a galera de comunidade, de subúrbio, conhece os atores, tem neles uma referência, mas os roteiristas são pessoas que você não vê. Eu, por exemplo, quando vivia no morro, nem tinha muito contato com essa realidade do roteiro. Foi algo que comecei a adquirir justamente quando fui fazer teatro como ator", conta ele, que hoje assina ao lado do marido os roteiros dos programas de humor que estrela no Multishow, como Os Suburbanos e Tô de Graça.
O "Curso de Roteiro - Clube do Pensamento" é divido em seis aulas, com quatro horas de duração cada. Ao longo das aulas, Junior fica responsável por ensinar a parte prática da construção de um roteiro, enquanto Rodrigo orienta os alunos sobre o conteúdo e as piadas em si. "Focamos no sitcom, que é nossa maior área de atuação no mercado. Ao longo do período com o Junior, eles vão criando uma sinopse, uma escaleta e um diálogo, que são os três processos que passamos na criação de um roteiro, e depois eu vou junto com mostrando como contar uma história a partir de piadas", conta. Desde a primeira edição, cinquenta alunos já passaram pelo curso e dois deles estão trabalhando com a dupla.
"É muito gratificante começar a preencher e diversificar o mercado com essas pessoas que atendemos no curso."
Em um ano marcado por tantas dificuldades devido à pandemia da Covid-19, o humorista afirma que este projeto ganhou um significado ainda mais especial. "Sem dúvida, nesse ano o curso tem todo um caráter especial por conta do que vem acontecendo. Acho que a maneira como reflete tudo que está acontecendo na minha vida, tem uma nova ótica. E para as pessoas, que nesse momento estão vivendo uma situação meio emergencial ou sem muitas perspectivas mesmo de futuro, acho que talvez traga uma sensação de 'um novo caminho'", diz.
Mas Rodrigo e Junior têm planos ainda mais ambiciosos para o futuro do curso. "Penso em cada vez torná-lo maior, conseguir fazer com mais pessoas e buscar novos parceiros para dar aula. Por que não um dia fazer de um jeito em que eu consiga falar com o Miguel Falabella? Ou com um ator experiente que possa fazer um masterclass de maneira gratuita para essas pessoas que não têm acesso? Hoje tentamos dar um início, um primeiro olhar do que é o roteiro, mas o assunto merece algo muito mais aprofundado. Roteiro não é uma coisa simples, não se aprende em seis aulas", explica.
Tornar este movimento ainda maior é o desejo de Rodrigo e Junior. "Ainda existe um monopólio muito grande. As pessoas que determinam o que vai ao ar ainda são, em sua maioria, brancos, heteros, de classe média alta. É muito difícil para quem não tem todo esse suporte cultural. Eu, por exemplo, como vim de comunidade, a primeira vez que fui ao teatro tinha 18 anos. Às vezes, conhecia pessoas que diziam 'Quando eu tinha 5, vivia no teatro!' e ficava: 'Caramba, que inveja de não ter podido viver isso'. Porque é um tempo que você perdeu, né?".
"Quero ajudar a preencher as mesas de executivos, de autores de novelas, de grandes roteiristas, com pessoas negras e trans."