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porto velho, quinta-feira 28 de novembro de 2024
BRASIL - Em terra, um país com pane seca. Nos céus, autoridades queimando querosene e o dinheiro do contribuinte em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB). Longe dos aeroportos com voos suspensos, hospitais com fornecimento interrompido, pessoas e animais morrendo. Na semana em que o Brasil parou por falta de combustível, diversos ministros das mais variadas pastas, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e o presidente do Banco Central cruzaram os céus nas asas da FAB. Foram 54 viagens entre o domingo (20), quando a greve dos caminhoneiros teve início, até o dia 27.
Em alguns casos, voos solitários, um avião inteiro queimando querosene para um único passageiro, como o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, ou para o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, que foi de Brasília a São Paulo para ministrar palestra para um grupo privado, na abertura do “Pátria Annual Meeting 2018”, organizado pela Pátria Investimentos.
Em resposta à Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo, Ilan Goldfajn afirmou, por meio da assessoria de imprensa do Banco Central, que iria participar de outros eventos na capital paulista e que “o cumprimento das agendas em São Paulo não eram compatíveis com a utilização de voo comercial naquela data, razão pela qual optou extraordinariamente pelo avião da FAB”.
Em outros voos, dois ocupantes. Como a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carmén Lúcia, que aproveitou o domingo para seguir de Belo Horizonte a Brasília. A capital mineira é o domicílio da ministra. Mas, de acordo com a assessoria de imprensa do STF, em resposta à Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo, a ministra esteve em Belo Horizonte para reunião com o presidente do TJ-MG.
Na agenda oficial da presidência do STF, consta para o sábado, 19 de maio, “reunião com o presidente do TJ-MG, desembargador Geraldo Augusto”, tendo como pauta o cadastro nacional de presos. A volta foi no dia seguinte, em avião da FAB, tendo a ministra e mais um passageiro.
Já no dia 25, a última sexta-feira, no auge da falta de combustível, a ministra voou de Brasília a Maceió, para o “Encontro Nacional de Juízes”, no qual, de acordo com a resposta da assessoria, “ela dividiu o voo com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e mais quatro assessores. Foi e voltou no mesmo dia. Ela usou o avião da FAB justamente por ter de voltar a Brasília no mesmo dia”.
De acordo com o decreto 2.244, de 22 de maio de 2002, tem direito ao uso de aeronaves da FAB o vice-presidente da República, os presidentes do Senado, da Câmara e do STF, ministros de estado e demais ocupantes de cargo público com prerrogativas de ministro de estado e o comandante das forças armadas e o chefe do estado-maior conjunto das forças armadas. A FAB não tem por lei obrigação de apurar se os motivos da solicitação de aeronave são cumpridos efetivamente.
Também no domingo, 20 de maio, considerado o dia do início da greve dos caminhoneiros, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, voava de Porto Alegre para Brasília, às 14h15. Sozinho no avião, de acordo com os dados da FAB. Um único passageiro. Desembarcando na capital federal às 16h35. A razão alegada para o uso do voo da FAB foi “segurança”.
Porto Alegre é o domicílio de Eliseu Padilha, nascido em Canela (RS) e eleito sempre pelo Rio Grande do Sul. De acordo com a lei, ministros de estado não podem solicitar voo da FAB para o local de residência.
Em 9 de abril de 2015 a lei sofreu alteração e o decreto 8.432 restringiu o direito de solicitar voo da FAB para o local de residência permanente apenas para o vice-presidente, e os presidentes do Senado, Câmara e STF.
Ministros e demais ocupantes de cargo público com prerrogativas de ministro e o comandante das forças armadas e o chefe do estado-maior conjunto das forças armadas seguem podendo solicitar voos da FAB para serviço mas não para voltar até a cidade de origem em dia de folga e o retorno para Brasília.
Já o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, foi e voltou no domingo que marca o início da greve. No mesmo fim de domingo, dia 20, fez um bate-volta São Paulo/Brasília, saindo em voo da FAB com apenas mais um passageiro às 15h45, chegando à capital federal às 17h20, para retornar de Brasília até São Paulo na noite do próprio domingo, às 20h10. Às 21h35 estava de volta em São Paulo.
São Paulo também foi o destino da Advogada Geral da União (AGU), Grace Maria Fernandes Mendonça, onde participou do “XIV Congresso Nacional do Direito do Consumidor São Paulo/SP”. Pegou um voo da FAB no dia 21, de Brasília para São Paulo, às 14h20, e voltou às 21h35.
Na quinta-feira, 24, ápice da crise e da temperatura política, o presidente do Congresso Nacional, senador Eunício Oliveira (MDB-CE), não dimensionou o tamanho do caos. Ás 10h45 da manhã, tomou um avião da FAB para Fortaleza, seu domicílio, com mais dois no avião. Na justificativa do requerimento para o voo, alega ida para residência. Desembarcou às 13h05 na terra natal. A falta de dimensão do tamanho e dimensão do problema que varria o país, acrescido ao pouco zelo pelo uso de combustível em meio a pane seca vigente, fez com que quatro horas (16h35) depois pegasse o mesmo avião de volta para Brasília, desembarcando às 19h05. Ou seja, entre o fim da manhã de quinta-feira e o início da noite, seu passeio de ida e volta entre Brasília e Fortaleza consumiu milhares de litros de combustível.
Na rede social “twitter”, o presidente do Congresso Nacional, embora na justificativa para a FAB conste como volta para “residência”, postou na própria quinta-feira que “decidi voltar a Brasília, suspendendo agenda c/ o governador, onde anunciaríamos investimentos p/ combater a seca no meu Ceará que já vive uma grave crise de falta d’água há 6 anos. Em Brasília, retomaremos as negociações em torno das saídas possíveis p/ a greve dos caminhoneiros”.
Presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) voou bastante nos aviões da FAB durante a crise de combustível. Na segunda-feira, 21, deixou Brasília às 8h e chegou às 10h20 em Porto Alegre. Almoçou ao meio-dia na Associação Comercial de Porto Alegre, deu coletiva às 13h e às 16h estava de volta para Brasília.
Na quinta-feira, 24, saiu de Brasília às 14h25 e às 15h45 pousou no Aeroporto de Congonhas (SP). Ás 22h45 estava deixando a capital paulista de volta para Brasília. Na agenda oficial, estão apenas compromissos em Brasília, não estando a viagem para São Paulo.
E no dia 25, de acordo com informação da assessoria de imprensa da presidência do STF nesta reportagem, compartilhou voo da FAB com a Ministra Carmén Lucia para Maceió, no “Encontro Nacional de Juízes”.
Embora a pasta de Esporte provavelmente não exija urgência de viagens em uma semana onde faltava combustível, o ministro Leandro Cruz voou bastante com a FAB. No dia 21 deixou Brasília para Boa Vista, voltando no dia seguinte. E no dia 24, auge da crise, saiu da capital federal, sempre em voo da FAB, para Cascavel(PR). Poucas horas depois saiu de lá para a capital do estado, Curitiba. Na agenda, encontros com presidente de confederações, como João Tomasini (Presidente da Confederaçao Brasileira de Canoagem) e visita ao estádio do Paraná Clube.
As horas voadas por Leandro Cruz em aviões da FAB são desproporcionais ao tempo de ministério. Assumiu a pasta em 11 de abril, no lugar do seu líder e garantidor, Leonardo Picciani, de quem foi assessor parlamentar. De acordo com reportagem de Demetrio Vecchiolli, publicada na Folha de São Paulo na ocasião da posse, Leandro Cruz foi uma imposição de Picciani ao deixar o cargo para concorrer a novo mandato.
Raul Jungman, Ministro da Segurança Pública, transitou entre Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro via FAB durante a crise. Na terça-feira, 22, deixou Brasília para São Paulo, onde ficou por cerca de quatro horas, indo para o Rio de Janeiro, onde ficou até o início da noite e voltou para Brasília.
Ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), o general Sergio Etchegoyen também usou aviões da FAB para viajar de Brasília para São Paulo e ao Paraguai.
Outro lado:
Ministra Cármen Lúcia:
A reportagem enviou para a presidência do STF a questão abaixo sobre o uso de aviões da FAB durante a semana de crise do abastecimento.
1- A presidenta do STF, Carmen Lucia, realizou três voos neste período referido de uma semana de caos no abastecimento. Gostaríamos de saber a posição da presidência deste STF em relação a tais voos em plena crise, se não poderiam ter sido evitados, inclusive um que era de deslocamento da residência para Brasília.
Resposta:“Em resposta às suas indagações esclareço que quando a ministra Cármen Lúcia foi a Belo Horizonte, para participar de reunião de trabalho com o presidente do TJ-MG, ainda não havia paralisação dos caminhoneiros. Já para o Encontro Nacional de Juízes, em Maceió, ela dividiu o voo com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, mais quatro assessores. Ela foi e voltou no mesmo dia. Ela usou o avião da FAB justamente por ter de voltar a Brasília no mesmo dia. Nos dois casos a ministra viajou para cumprir agendas de trabalho”.
Ilan Goldfajn, presidente do Banco Central:
“O presidente do Banco Central tinha compromissos confirmados há vários meses em São Paulo para o dia 22/05 (terça), conforme registrado em sua agenda pública. Na sexta-feira anterior (18/5) foi convocado para participar do evento “Lançamento da Plataforma de Adesão aos Planos Econômicos”, a ser realizado às 9:30 do dia 22/05, em Brasília. Como tinha evento em São Paulo as 13h00, a participação no evento da Presidência da República e o cumprimento das agendas em São Paulo não eram compatíveis com a utilização de voo comercial naquela data, razão pela qual optou extraordinariamente pelo avião da FAB. Importante destacar que o presidente Ilan opta por pedir apoio à FAB apenas quando não há opção em voo comercial que permita o cumprimento da agenda de trabalho. Em 2018, o Presidente usou esse transporte apenas quatro vezes. A ocupação dos voos da FAB é determinada pela Aeronáutica, sem qualquer ingerência do ministro.
Moreira Franco, Ministro das Minas e Energia:
“O ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, utilizou o voo da FAB RJ-BSB para voltar para Brasília, onde trabalha, após participar de compromissos oficiais no Rio de Janeiro”.
Leandro Cruz, Ministério do Esporte:
“A viagem do ministro do Esporte, Leandro Cruz, a Roraima já estava agendada e foi realizada no primeiro dia de bloqueios nas rodovias, sem qualquer registro de desabastecimento de combustível no país. Cruz participou da abertura do 1º Festival de Jogos Etnocultural de Roraima, que reuniu cerca de 1,5 mil atletas indígenas do Brasil e da Venezuela e contou com apoio da pasta no valor R$ 947 mil, por meio de um convênio firmado com a Prefeitura de Bonfim-RR. A presença do ministro reforça o comprometimento do Ministério do Esporte com a causa indígena. A pasta já viabilizou, por exemplo, a realização de 12 edições dos Jogos Nacionais dos Povos Indígenas e a primeira edição dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, realizado em Palmas (TO), em 2015”.