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porto velho, segunda-feira 25 de novembro de 2024
Renato Mimessi*
PORTO VELHO, RONDÔNIA - Ao escrever o artigo “O auxílio-moradia e a cortina de fumaça”, eu tinha ciência de que receberia críticas, contrapontos etc, pois tenho acompanhado a campanha que tem sido feita contra o benefício do auxílio-moradia dos magistrados, que sabidamente não goza da simpatia popular.
Prezada Jornalista.
Ao escrever o artigo “O auxílio-moradia e a cortina de fumaça”, eu tinha ciência de que receberia críticas, contrapontos etc, pois tenho acompanhado a campanha que tem sido feita contra o benefício do auxílio-moradia dos magistrados, que sabidamente não goza da simpatia popular.
Até ai nada de mais, afinal temos o direito de expressar nossas ideias e, claro, quando o fazemos, permitimos que outros façam o mesmo a respeito das suas. Mas confesso que fiquei desagradavelmente surpreso por merecer uma carta nominal pública da parte de Vossa Senhoria.
Eu não a conheço pessoalmente e não teria motivo para a escolhê-la como minha correspondente.
Mas sou do tempo em que responder cartas representa educação e respeito. Por isso me senti obrigado a fazê-lo, inclusive porque, ao mesmo tempo em que Vossa Senhoria emitiu as suas ideias e opiniões, sentiu-se no direito de deturpar parte do que escrevi, conforme a sua conveniência, e ainda foi mais além na sua busca por holofotes e palanques, pois resolveu me julgar e emitiu juízos públicos ao meu respeito.
Entendo deva esclarecer alguns pontos acerca do que escrevi, que mereceram uma leitura convenientemente deturpada, conforme manifestado na sua carta.
Sobre a origem do auxílio-moradia, Vossa Senhoria afirma que eu restringi o debate à LOMAN, “uma lei complementar de 1979” e que em nenhum momento “cita esse aspecto vergonhoso da concessão do benefício”, referindo-se a concessão de auxílio-moradia feita pela decisão liminar do Ministro Fux, do STF, por meio da qual ele “concedeu não só aos autores, pois estendeu o auxílio-moradia a todos os juízes federais do país”.
Esclareço que realmente, ao defender o auxílio-moradia que recebo, eu me referi à LOMAN e mencionei que o Estado de Rondônia, por meio de leis estaduais, fez a previsão do pagamento do benefício aos seus magistrados e isso há muito tempo. O objetivo foi este mesmo: o de demonstrar que este direito, aqui em Rondônia (assim como acontece em diversos outros Estados) tem base legal sólida, o que equivale a dizer que não foi criado pela vontade administrativa ou judicial do próprio Judiciário.
Tornando mais claro: o auxílio-moradia que recebemos aqui em Rondônia, tem uma base histórica e legal totalmente diferente daquele que foi concebido pelo Ministro Fux, e a respeito deste eu não escrevi uma linha sequer. Eu defendi e defendo, a origem lícita, honesta e democrática do auxíliomoradia que me diz respeito.
O fato de Vossa Senhoria ter feito menção e dado a entender que defendi o auxílio-moradia que, segundo a sua carta, foi estabelecido com “pouca vergonha” pelo Ministro do STF, demonstra exatamente a generalização contra a qual eu me insurgi e que em parte motivou eu ter escrito aquele artigo, pois o auxílio-moradia que recebemos, assim como muitos outros magistrados do país recebem, nada tem a ver com a aquela decisão do STF. Vale dizer: assim como a maior parte da mídia, a sua carta generaliza e trata de uma mesma e única forma situações jurídicas totalmente diferentes, nivelando-as por baixo, o que vem a reforçar a validade do que escrevi.
O que disse e está claro no meu artigo, em síntese, é que o que se pretende fazer hoje, é o mesmo que mudar a regra do jogo durante a partida, pois quando conquistei, por mérito próprio, o acesso à magistratura do Estado de Rondônia, o benefício do auxílio-moradia fazia parte do que era oferecido
publicamente, como atrativo para o concurso aberto neste Estado que fora criado meses antes, em fase total de implantação, totalmente por construir.
Evidente, lógico e natural que naquela época Rondônia oferecesse vantagens pecuniárias (perfeitamente legais) para atrair candidatos capacitados para compor o Judiciário rondoniense. Nem preciso dizer dos riscos e incertezas presentes naquele momento histórico, afinal era a novidade da criação de um Estado, em plena Amazônia Legal.
Foi diante deste quadro que Rondônia fez a previsão do pagamento de auxílio-moradia. E ainda ofereceu mais: os vencimentos daqui na época eram melhores do que os da maioria dos demais Estados. Evidente que isso atraiu candidatos do Brasil todo, inclusive a mim.
Para Vossa Senhoria esse fato mereceu a seguinte leitura: “Todos sabem que procuram emprego em ‘plaga’ distante, pobre de tudo, os que não encontram oportunidade em outro lugar e os que gostam de aventuras. Vossa Excelência deixa claro que veio só pelo auxílio-moradia” (...)“é uma desgraça a qualquer jurisdicionado suportar a decisão de um juiz que insinua desprezo à comarca em que atua, enaltecendo a motivação financeira”. Numa conversa de boteco, a declaração de Vossa Excelência pode gerar até gargalhadas, mas publicada na imprensa ofende e humilha.”.
Para destilar o fel da forma como fez, Vossa Senhoria se sentiu com o poder e no direito de ler meus pensamentos e definir minha motivação para prestar concurso em Rondônia, reduzindo-a ao auxíliomoradia e, não bastasse, dando-lhe uma conotação totalmente negativa, mercenária.
Para falar a esse respeito, começo afirmando que jamais frequentaria aquele boteco onde Vossa Senhoria esperaria ouvir gargalhadas e muito menos eu declararia algo para gerá-las.
Ao escrever que muitos certamente não teríamos vindo prestar concurso aqui, se não houvesse a previsão do auxílio-moradia, expus sim uma parcela do que me motivou (e certamente a muitos outros) a virmos para cá naquela época prestar o concurso. Como estava a escrever sobre o auxílio-moradia e o fato dele compor a remuneração dos magistrados desde aquela época, esse foi o foco feito no artigo. Mas por ter abordado esse enfoque, isso não significou dizer que fosse a minha única motivação, mas sim a única pertinente naquele artigo.
Aqueles que me conhecem e me encorajaram a vir prestar aquele concurso sabem que, além do aspecto financeiro, fui atraído também pelo desafio da construção deste novo Estado, em especial do seu Judiciário e da possibilidade de poder participar ativamente desse processo. E efetivamente dele participei e me orgulho disso.
Ademais, só para argumentar, mesmo que tivesse vindo movido só pela questão financeira (não foi o meu caso), isso não lhe daria o direito de fazer a ilações maldosas que fez. Veja bem, se assim fosse, eu teria concorrido honestamente em concurso público, teria conquistado um cargo e nele sido nomeado e empossado. Bastaria desempenhar a contento as funções e obrigações desse cargo para fazer jus a remuneração legal correspondente. Não precisaria amar o Judiciário, o cargo, e nem mesmo Rondônia. Faria jus ao meu pagamento de qualquer jeito, não é verdade?
É obvio ululante que a questão financeira pesou e isso não é motivo de nada que possa envergonharme ou a quem quer que seja, pois toda pessoa mentalmente saudável e com um mínimo de inteligência, se tiver diversas opções de escolha na profissão para o qual é vocacionada, certamente irá escolher aquela que, além de representar a realização do seu sonho, melhor lhe remunera.
Onde está o problema então? Só pode estar na sanha compulsiva de Vossa Senhoria atirar pedras e desconstruir.
Não gosto de falar de mim, mas como Vossa Senhoria se atreveu a fazer um juízo subjetivo de valor acerca da minha pessoa e meu trabalho como juiz, sou obrigado a demonstrar que essas suas ilações, além de desprezíveis, mostram-se levianas, pois destoam totalmente da realidade histórica. Durante minha carreira fui juiz de direito nas comarcas de Cacoal e de Porto Velho e das Câmaras Municipais de ambos os municípios, tanto de Cacoal como de Porto Velho, fui honrado com o título de cidadão honorário. Portanto, por livre escolha dos legítimos representantes do povo daqueles municípios, eu me tornei cacoalense e porto-velhense. Certamente essas honrarias têm mais valor do que as suas aleivosias.
A sua leitura do meu artigo levou-a a dizer na sua carta que “o Ministério Público Federal e o Juiz Moro são endeusados”. Não fiz isso. Elogiei a qualidade do trabalho que a Polícia Federal, o Ministério Público e o Juiz Moro fizeram e fazem na chamada “Lava Jato” e realmente merecem o elogio, devido à eficiência que demonstram diante da complexidade e grandeza daquelas ações penais. A análise que fiz é técnica, por conhecer a dificuldade de conduzir processos complexos.
Bom, para mim é natural honrar o mérito e acho mesmo que todos deveríamos fazê-lo, em todas as circunstâncias em que se apresentar alguém merecedor de elogios. Da mesma forma, ao contrário, penso que deve pagar por seus erros e crimes todos os que os cometam, não importa a bandeira que levantem, seja que de Partido forem, de que Poder ou nível social façam parte.
Por quê o elogio que fiz incomodou a Vossa Senhoria? Não entendi...Será que o que lhe aborreceu foi o fato de eu ter dito que políticos, empresários e toda sorte de lesas-pátrias estão sendo processados e estão temerosos de parar atrás das grades e por isso estão reagindo desesperadamente? Será que os seus ídolos e heróis foram alcançados por essas ações judiciais?
Aliás, também está equivocada na sua carta quando afirma que deixei o Judiciário de fora das mazelas e corrupções que assolam o país. Eu simplesmente não o mencionei naquele parágrafo do meu artigo transcrito por Vossa Senhoria, porque ali efetivamente não caberia, já que até o momento não consta tenha sido o Judiciário atingido, no âmbito da “Lava Jato”. Mas se tivesse prestado atenção, veria que menciono “magistrados” na relação dos condenados que fiz em outro parágrafo, quando me refiro a atuação da Justiça Estadual.
Quanto às teses de Vossa Senhoria acerca da natureza jurídica do auxílio-moradia, se é indenizatória ou não e se deve ou não ser objeto de incidência de impostos, ou se deve ou não integrar o teto constitucional, prefiro manter o que penso, inclusive porque a minha opinião a respeito harmonizase com o que já decidiram o CNJ, o STJ e o STF. Mas respeito as suas ideias, como não poderia deixar de ser.
Como disse no meu artigo, o que incomodou e levou a escrevê-lo em boa parte foi a imensa campanha injusta e daninha à imagem do Judiciário, encetada por bandidos e seus porta-vozes, estrategicamente feita para denegri-lo e desmoralizá-lo perante a opinião pública, em um momento em que este deveria estar fortalecido. O objetivo é claro: desmoralizando o Judiciário, fragilizam também o respeito que se deve às suas decisões, tornando, assim, mais fácil aos lesas-pátrias poderosos escaparem impunes.
No artigo já afirmei e repito: caso queiram tirar o auxílio-moradia dos magistrados que o recebem legalmente, utilizem-se da via democrática e legal adequada, não desse estratagema sórdido. Ao fazêlo, não se esqueçam de que a mesma via, pesos e medidas que forem utilizados para subtrair direitos dos magistrados, poderão ser usados para tirar direitos de todos.
Caminhando para o final, utilizo-me deste gancho da sordidez, para destacar que Vossa Senhoria cometeu um grande ato falho na sua carta, quando escreveu: “Deste modo, um debate simples em
face de um assunto relativamente banal expôs o caráter e a carnadura de pânico e de mentiras da magistratura brasileira, que pôs a cara para fora do secular gabinete em explícito apoio ao Golpe e agora está às turras para pagar a conta, pois em política aqui se faz e aqui se paga. E esse é o preço”.
Isso foi inusitado, pois com esse seu escrito Vossa Senhoria, ao realçar a cantilena do “Golpe” e atribui-lo ao Judiciário, acabou por tirar a máscara e mostrar que a real motivação de ter escrito a sua carta é a mesma que tem movido essa toda essa campanha baixa visando a desmoralização do Judiciário, Em suma, como se evidenciou, não passa da mais rasteira vingança política, promovida por todos aqueles atingidos e em vias de sê-lo pelas condenações judiciais, sendo o auxílio-moradia mero pretexto para tanto.
A motivação por trás dessa retaliação, na verdade, é a mais vil possível, à altura dos próprios crimes que esses poderosos têm praticado incessantemente ao longo de décadas, com o intuito torpe de permanência no poder, com o apoio daqueles que tem se beneficiado dos seus esquemas criminosos, e com o aplauso de outros, que admiram bandidos e os têm como seus ídolos e heróis.
Finalizando, para evitar dúvidas, importante é esclarecer que a jurisdição é inerte, como afirmei no meu artigo; mas os juízes não são inermes.
Feitos esses esclarecimentos, encerro afirmando minha intenção de não mais trocar cartas com Vossa Senhoria.
Atenciosamente,
*Renato Martins Mimessi – Desembargador do Estado de Rondônia*
ENTENDA O QUE LUCIANA ESCREVEU EM SUA CARTA: Carta ao Desembargador Renato Mimessi - Por Luciana Oliveira.