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    porto velho, terça-feira 26 de novembro de 2024

Acordo histórico entre assentados e Santo Antônio Energia destaca o êxito de “mediação”


Assessoria

Publicada em: 08/12/2018 11:08:09 - Atualizado


Acordo histórico entre assentados e Santo Antônio Energia destaca o êxito da metodologia “mediação”

Um marco histórico para o judiciário rondoniense. Na última quarta-feira, 5 de dezembro, no Centro Judiciário de Soluções de Conflitos, o Poder Judiciário do Estado de Rondônia, Ministério Público, Santo Antônio Energia e representantes dos Projetos de Assentamento Joana D’Arc I, II e III realizaram acordo no valor de 48 milhões 862 mil reais com aproximadamente 570 famílias dos assentamentos atingidas pelas obras da hidrelétrica de Santo Antônio. O processo envolvia por volta de 714 famílias.

Os valores são relativos a indenizações para quem terá que deixar a área de proteção (APP) do reservatório da hidrelétrica e auxílio financeiro para as famílias que permanecerão no assentamento.

“As características do caso e a metodologia utilizada pelo Poder Judiciário, a mediação, sinalizam para um futuro irreversível de investimento na pacificação social: as soluções alternativas de conflitos”, destacou o presidente do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução (Nupemec), desembargador Raduan Miguel Filho. O desembargador refere-se ao ambiente inusitado da audiência. Todos sentados em círculo, buscando a melhor solução, em um tempo abreviado. O cenário desse grande encontro conciliatório foi o Centro Judiciário de Solução de Conflitos.

Contexto

A Hidrelétrica Santo Antônio é a quarta maior hidrelétrica em operação no Brasil e uma das maiores do mundo. Está localizada no Rio Madeira, na cidade de Porto Velho, capital de Rondônia. Possui 50 turbinas do tipo Bulbo para geração de energia elétrica. A Santo Antônio Energia é a concessionária responsável pela implantação e operação da Hidrelétrica Santo Antônio. A construção do empreendimento trouxe impactos sociais, ambientais e econômicos. Muitas comunidades ribeirinhas foram atingidas, tendo partes de suas terras encharcadas ou ficando isoladas, além do aumento de mosquitos na região.

Ação Civil Pública

No dia 13 de julho de 2012, o Ministério Público de Rondônia ajuizou a Ação Civil Pública (nº 0014433-03.2012.8.22.0001) que tem como objeto os projetos de assentamento Joana D’Arc I, II e III. Na ACP o MP requereu a desapropriação e o reassentamento dos moradores que teriam sido impactados pela construção e operação da Usina Santo Antônio.

Além disso, requereu o pagamento de auxílio financeiro, durante dois anos, aos moradores a serem reassentados para cumprimento das condicionantes presentes na Licença de Operação da Usina Santo Antônio que tratam da reinserção social e recomposição da qualidade de vida das famílias localizadas em área de influência direta da Usina Santo Antônio. E, também, o pagamento de indenização por danos morais coletivos e por danos sociais aos moradores dos Projetos de Assentamento Joana D’Arc que teriam sido impactados pela construção da Usina.

Conciliação

A Santo Antônio Energia interpôs recurso na Ação Civil Pública e o processo encontrava-se pendente para julgamento na 2ª Câmara Especial do Tribunal de Justiça de Rondônia. Um dos membros que analisavam o recurso sugeriu que o processo fosse enviado ao Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos – Nupemec, do TJRO, para verificar a possibilidade de solucionar o processo por meio da mediação. Para que isso ocorresse, a juíza Úrsula Gonçalves Souza e a mediadora Maria Abadia de Castro Lima conduziram a mediação.

Estratégia

O processo envolvia por volta de 714 famílias. Devido ao grande número de pessoas envolvidas, as mediadoras optaram trabalhar com os representantes das associações de moradores do assentamento Joana D’Arc. No total, 13 associações e 1 cooperativa participaram espontaneamente das reuniões.

Foram realizadas 23 sessões, sendo 12 em conjunto (MP, Santo Antônio Energia e representantes das associações) e 11 individualmente com cada parte. Em média cada sessão durou duas horas.

Nas primeiras sessões, os moradores, em sua maioria agricultores,  que nunca haviam tido contato com a metodologia, receberam aulas para que pudessem compreender sobre o que são soluções alternativas de conflitos.

Relataram suas histórias e puderam falar espontaneamente em todas as sessões. Isso ocorre porque na mediação as pessoas que são as protagonistas. Com o tempo, as partes refletiram que nesta disputa não havia perdedores, e sim, que todos sairão ganhando.

As sessões eram conduzidas pelas mediadoras, pois estas têm a função de conduzir o diálogo e garantir que todos possam participar da discussão. “O mediador colhe informações das pessoas, faz perguntas e, assim, a conversa se dá naturalmente entre as partes envolvidas. Tudo ocorre dentro de um ambiente respeitoso”, explicou Maria Abadia.

O acordo alcançado na última quarta-feira, foi uma construção de todos os participantes, e cada ponto foi exaustivamente discutido nas sessões até assinatura das partes, após seis anos de pendenga.

“Nós não recebemos as estruturas necessárias ao longo do processo, nem do governo nem da Santo Antônio. Com o acordo, nós temos agora algo que representa o que nós construímos. Chegamos a um final que foi bom para ambas as partes”, disse seu Pedro Coelho da Silva, de 67 anos, vinte e três deles vivendo no assentamento.

“Quem ganhou com isso fomos nós: a comunidade. A Justiça mostrou que ela pode ser flexível, houve um desdobramento para isso. Cada parte cedeu um pouco e as possibilidades vieram à tona”, destacou seu Geraldo, um dos líderes comunitário.

Nupemec

Em 2011 foi instituído, no TJRO, o Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec) em atenção à Resolução n° 125, do Conselho Nacional de Justiça, que atribuía aos órgãos judiciários a responsabilidade de oferecer outros mecanismos de solução de controvérsias, os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, os quais prestam atendimento e orientação ao cidadão.

O Nupemec funciona como órgão de inteligência e gestão da Política Nacional. Compete a esse órgão, de cada estado, cuidar da administração de toda prática que se utiliza de mediação e conciliação na Justiça, coordenando os serviços e recursos humanos.

Objeto de pesquisa

O caso foi acompanhado de perto por outro magistrado, o vice-diretor da escola da Magistratura, juiz Guilherme Baldan.

Seu objeto de estudo é justamente a mediação como forma de resolver conflitos provocados por grandes empreendimentos na bacia amazônica.

“A finalidade social do processo é a paz. E nós conseguimos aqui o empoderamento da comunidade, que pode decidir seus interesses, assim como a empresa, chegando a um consenso que trouxe paz”, concluiu.



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