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porto velho, domingo 24 de novembro de 2024
VILHENA RO - O romance entre duas pessoas que cumprem penas de prisão em Vilhena, sendo que um dos casos ganhou repercutiu no estado e até no país, vem chamando a atenção das pessoas que tomaram conhecimento do assunto. O cabeleireiro Fernando Santos, que fará 31 anos em dezembro, está noivo da jovem Vânia Basílio, que hoje tem 21 anos e há mais de 2, cumpre pena na Colônia Penal e Presídio Feminino de Vilhena por ter matado o namorado a facadas durante ato sexual.
A reportagem procurou o 3º Grupamento de Bombeiros de Vilhena, onde Fernando cumpre parte de sua pena, para conversar com o rapaz e saber detalhes de seu romance. Inicialmente, em contato com o capitão da corporação, Joaquim José da Silva, que autorizou o diálogo com o apenado que está sob seus cuidados, o jornal foi informado de que o ex-cabeleireiro apresenta bom comportamento e, segundo o oficial, “é um bom rapaz”.
Aliás, é por causa de sua certidão carcerária, que prova sua boa conduta durante a pena, que Fernando agora cumpre parte dela em um ambiente externo, trabalhando. Hoje, ele divide seu tempo entre exercer a antiga profissão dentro do grupamento de bombeiros, e fazer os serviços gerais: cortar grama, lavar as viaturas e banheiros, ou limpar o pátio.
Quando questionado sobre o início de seu romance, Nando, como é conhecido, disse que a primeira vez que viu Vânia foi em 2016, na Colônia Penal. Na época, ele estava no regime semiaberto, por isso foi até o local fazer manutenção na tornozeleira eletrônica que usava. Ao ver a moça, logo notou que sua beleza era algo que chamava a atenção.
Nesse mesmo dia ele comentou com as agentes penitenciárias que tinha achado Vânia muito bonita, e brincou que iria ao juiz pedir permissão para visitá-la. Inicialmente, era apenas brincadeira, mas as agentes chamavam Nando de “o menino que vai casar com a Vânia”. Um tempo depois, Nando voltou ao regime fechado, e foi esse retorno que fez com que ele pudesse manter certo contato com a moça.
Já no Centro de Ressocialização Cone Sul, Nando foi parar em uma cela de evangélicos, onde fez uma reconciliação com Deus. “Nisso, eu pedia ao Senhor que preparasse para mim uma esposa e que, quando eu saísse da prisão, que fosse casado com uma mulher que também ame e obedeça a Deus”, contou.
Na cela, todos os dias eram transmitidos dois programas de rádio, dos quais Nando acabou se tornando ouvinte. Tais programas eram direcionados aos apenados, e davam a eles a oportunidade de encaminhar cartas com pedidos de hinos e versículos bíblicos. Um dia, enquanto Nando estava na audiência, ouviu a leitura de uma carta com o pedido de um cântico e de uma oração. Mas, o que lhe chamou a atenção foi a remetente da correspondência: Vânia Basílio.
“Eu senti no meu coração o desejo de orar por ela, mas sem segundas intenções. E, desde esse dia eu fiz um compromisso de interceder pela vida da Vânia, para que ela se convertesse, encontrasse o verdadeiro caminho também”, revelou Nando. Porém, certo dia, ele também escreveu ao programa de rádio, oferecendo uma música cristã à moça, aconselhando-a a refletir.
Na outra semana, Vânia tornou a mandar carta ao programa, com um agradecimento a Nando. Assim como ele, a jovem também lhe dedicou uma música. “E eu brinquei na cela, falei para os meus companheiros: ‘sei não, mas eu acho que vou me casar com essa menina’”, recordou. “Até aquele momento, era uma brincadeira, mas a minha alma sentia um amor pela alma da Vânia, como um ser humano sente”, acrescentou.
As trocas de cartas pelo programa de rádio continuaram por meses, o que foi assistido por todos os que estavam na audiência da emissora, até que Nando tomou a iniciativa de oferecer à sua pretendida uma música que falava de amor. “E eu ainda coloquei na carta que estava oferecendo a minha futura esposa, Vânia Basílio dos Santos. Santos é o meu sobrenome”, revelou. A resposta veio na semana seguinte, também em forma de música.
Como já havia sido cabeleireiro por anos, Nando teve a ideia de solicitar que pudesse desenvolver um projeto social, dentro do 3º Grupamento de Bombeiros Militar, atendendo aos bombeiros mirins. São quase 60 crianças, e nem todas têm condições de manter o corte de cabelo padrão. A proposta é que sua saída fosse autorizada para que ele desempenhasse esse trabalho. Diante do aval de um juiz, ele conseguiu. Há 7 meses, está com esse trabalho externo, de domingo a domingo, e retorna à casa de detenção para dormir.
Em novo regime, ele resolveu encaminhar a primeira carta diretamente às mãos de Vânia, sem precisar das frequências do rádio. Com a ajuda de mulheres estão no regime semiaberto e que trabalhavam externamente com ele, a mensagem foi enviada. Vale ressaltar que, quando uma correspondência é encaminhada para uma detenta, antes ela é lida pelos diretores da Colônia Penal.
“Eu disse que a escrevia como amigo, que era para ela continuar buscando a Deus, porque Ele tem feito milagres na minha vida”, e contou também que, mesmo que o sentimento inicial que teve ainda estivesse ali, preferiu não demonstrar o interesse em um relacionamento. “Mas aquele sentimento de amor foi crescendo”, expôs.
Diante de tantas pessoas que queriam vingança, Vânia chegou a duvidar das intenções de Fernando, mas, um presbítero que acompanha ambos a tranquilizou a respeito do rapaz. “Nada justifica nosso passado, mas as pessoas precisam entender que para todos há uma segunda chance. Não é ‘errou, tem que morrer’, porque não foi isso que Jesus pregou quando ele trocou de lugar com Barrabás”, ressaltou Fernando, e disse ainda que o presbítero o aconselhou a continuar em oração, mas que também pedisse a Deus uma esposa.
Após esse dia, as orações se tornaram questionamentos. A pergunta feita a Deus era se Vânia seria uma boa esposa, e se era da vontade d’Ele o relacionamento. Com o tempo, o sentimento aumentou, e já em outra carta, Vânia foi surpreendida com uma nova proposta. “Eu perguntei se ela aceitava um compromisso, mas com a intenção de um casamento. Se ela aceitasse, poderia se considerar noiva. E ela me escreveu dizendo que sim”, revelou.
Há 6 meses, eles seguem com o compromisso que estabeleceram, mas o envio das primeiras cartas, ainda pelo programa de rádio, começaram há mais de um ano. Hoje, os dois estabeleceram o compromisso de orarem um pelo outro, pedindo direcionamento quanto à relação amorosa. “Eu acredito na transformação de Deus na vida da Vânia, porque Ele tem transformado a minha. Também tive um passado obscuro, e colho hoje o que plantei lá atrás. Mas, depois do conhecimento com Deus e de ter colocado em prática o que tenho aprendido com a Bíblia Sagrada, vi que minha vida melhorou. Não consigo me imaginar praticando o mal contra meu próximo. Através disso, vi que Deus vai mudar e já está mudando a vida da Vânia”, explicou.
Há 6 meses, desde que saiu do Centro De Ressocialização Cone Sul, a troca de correspondências tem acontecido a cada 15 dias. As famílias dos noivos também dão aval para a união e se disponibilizam para ajudar ambos a reconstruírem suas vidas quando alcançarem a liberdade.
“Ela merece uma oportunidade, como eu estou tendo a minha”, argumenta o noivo. Existe uma restrição ao que se refere às visitas de detentos entre eles, por causa dos regimes que cumprem, então, até o momento, o único contato estabelecido pelo casal foi por mensagens escritas em cartas, que são lidas pelas autoridades antes de chegar às mãos de Vânia e Fernando.
As alianças já estão compradas, mas o noivado só poderá ser oficializado quando ambos passarem pela progressão de pena, ou houver uma autorização autorizando a ida de Fernando ao encontro de Vânia, com as alianças, para pedi-la em casamento pessoalmente.
Para o futuro, quando estiverem em liberdade, o casal pensa em continuar a vida em outra cidade, um local mais afastado, onde possam transitar sem os olhares julgadores sobre a relação. “Se for da vontade de Deus, a gente vai se casar e ser feliz; se não for, seremos bons amigos. Eu torço pela felicidade dela e quero ser parte disso”, pontuou.
Vida com Deus e busca por ajuda
Hoje, Vânia é evangélica, lê a Bíblia regularmente e prega para as companheiras de cela. A religião fez com que houvesse melhora em seu comportamento dentro da Colônia Penal, porém, uma luta que ela trava é em busca de ajuda. Em suas cartas, a jovem relatou a vontade de iniciar um acompanhamento psiquiátrico e psicológico, porém, não tem conseguido vaga na rede pública de saúde. Fernando relata que sua namorada deixa claro seu arrependimento, e que não teria cometido o crime se pudesse voltar atrás. Ele acrescenta que o judiciário determinou que a jovem faça o tratamento, mas a falta de vagas tem adiado isso. Uma consulta chegou a ser marcada com o psiquiatra, mas Vânia não pode ir por causa da falta de escolta policial. Diante disso, o atendimento precisou ser remarcado, mas Fernando não sabe a data.
Fonte: Folha do Sul