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Aplicação da lei de lavagem deve buscar qualidade da investigação, diz Capez

Na entrevista, Capez deu ênfase à importância de conceitos como o dolo e a culpa para a configuração dos crimes de lavagem de dinheiro.


CONJUR

Publicada em: 28/06/2023 09:45:38 - Atualizado

BRASIL: Para que a prática do crime se configure e os responsáveis pelos ilícitos sejam punidos, a aplicação da Lei de Lavagem de Dinheiro deve ter duplo enfoque, conciliando a necessária busca da eficiência na proteção do patrimônio público aos elementos processuais que conferem qualidade à investigação.

Essa é a orientação dada pelo procurador do Ministério Público de São Paulo e professor Fernando Capez em entrevista à série "Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito", que a revista eletrônica Consultor Jurídico vem publicando desde o mês passado. Nela, algumas das principais personalidades do Direito brasileiro e internacional falam sobre os assuntos mais relevantes da atualidade.

Na entrevista, Capez deu ênfase à importância de conceitos como o dolo e a culpa para a configuração dos crimes de lavagem de dinheiro. Mas também fez considerações sobre a origem da lei, além de seus aspectos gerais e objetivos.

"A Lei de Lavagem de Dinheiro surgiu num contexto necessário para conferir maior eficiência na recuperação de ativos desviados do patrimônio público, seja da União, estados, municípios, Distrito Federal ou pessoas jurídicas de Direito Público e Direito Privado. A lei, nesse contexto, obedece a uma exigência de padrões internacionais e compromissos assumidos pelo Brasil, sobretudo a partir da Convenção de Palermo, no ano 2000", disse o procurador.

Já sobre a questão central da conversa — a da responsabilidade subjetiva para a configuração da figura típica — , Capez retomou, de maneira resumida, ideias que foram tema de artigo veiculado recentemente em sua coluna Controvérsias Jurídicas, na ConJur.

"A Lei nº 9.613/1998, a chamada Lei de Lavagem de Dinheiro, em seu artigo 1º, caput prevê o crime de 'ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal'."

"Conforme se percebe, a existência desse crime pressupõe uma infração penal anterior que seja do conhecimento do autor. Se ele realiza qualquer das ações nucleares do tipo da lavagem sem o conhecimento de que os valores ocultados ou dissimulados têm origem ilícita, não haverá o crime de lavagem de dinheiro. Desse modo, ao se falar do elemento subjetivo, existem requisitos mais rigorosos do que nas configurações típicas que independem de infração anterior", disse Capez em texto do mês passado.

Na entrevista, Capez completou esse raciocínio e ressaltou que a Constituição, no âmbito penal, aboliu completamente a responsabilidade objetiva. "Não basta a mera demonstração do fato objetivamente praticado. É imprescindível apontar a responsabilidade subjetiva. E, nesse aspecto, as ações nucleares da Lei de Lavagem de Dinheiro, principalmente ocultar e dissimular, são incompatíveis com a culpa — e também com o dolo eventual."

Assim, embora a jurisprudência oriente no sentido contrário, a demonstração do dolo direto é fundamental para que as infrações fiquem caracterizadas.

"Ocultação: quem oculta esconde. Quem esconde está querendo se furtar à fiscalização das autoridades. Quem esconde sabe que está escondendo e, se sabe, tem ciência da origem ilícita do bem. E na dissimulação, com ainda maior razão, porque pressupõe a adoção de um estratagema. Ou seja, quem dissimula tem certeza do bem que pretende ocultar mediante ações de dissimulação", afirma o procurador.

Diante disso, a correta aplicação da lei deverá associar a eficiência na proteção do bem público à qualidade da investigação e ao respeito à validade da prova, ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa.

"Quando se discute a Lei de Lavagem de Dinheiro, portanto, ela deve ser feita sob esse duplo enfoque. Quando a gente adota uma posição extremamente prática, de utilitarismo, ou seja, pegamos atalhos, descumprem-se as garantias fundamentais para se produzir a qualquer custo, a qualquer preço, as provas necessárias, no afã de proteger o bem jurídico, o que acaba resultando é a anulação de processos e de investigações por terem sido atropelados os procedimentos necessários e o princípios constitucionais."



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