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porto velho, domingo 24 de novembro de 2024
BRASIL: As condutas de armazenar e de divulgar material pornográfico envolvendo crianças e adolescentes, tipificadas de maneira separada pela lei, configuram crimes autônomos cujas penas devem ser somadas, quando existentes em relação ao mesmo caso.
Com essa conclusão, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça rejeitou a ideia de que a primeira conduta possa ser considerada uma fase normal ou meio de execução para a segunda, uma posição que reduziria o rigor imposto aos condenados por esse crime.
O julgamento, na tarde desta quarta-feira (3/8), foi feito pelo colegiado sob o rito dos recursos repetitivos. A tese aprovada apenas confirma a jurisprudência já pacificada entre as 5ª e 6ª Turmas, que se dedicam aos temas penais no tribunal.
A posição do STJ complica a situação dos réus, já que não será possível a aplicação do princípio da consunção ou absorção aos casos de quem é flagrado armazenando e compartilhando pornografia infantil. Se uma conduta não absorve a outra, as penas dos dois delitos devem ser somadas.
O tema em julgamento envolve uma alteração legislativa feita no Estatuto da Criança e do Adolescente em 2008. O artigo 241, que tipificava a conduta de apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar imagens de pornografia infantil, foi cindido em três.
Assim, o artigo 241 se limitou a tipificar a conduta de vender tais materiais, enquanto o artigo 241-B passou a prever punição a quem oferece, troca, disponibiliza, transmite, distribui, publica ou divulga tais materiais e o artigo 241-B a quem os adquire, possui ou armazena.
A Defensoria Pública da União, que atuou como amicus curiae (amiga da corte) no caso, sustentou que essa diferenciação foi feita na lei porque, no contexto do começo dos anos 2000, havia uma dificuldade técnica para combater esse tipo de crime.
Nas operações da Polícia Federal, sempre que se apreendia material pornográfico, havia uma dificuldade pericial de comprovar que o mesmo havia sido enviado, compartilhado ou recebido. Enquanto apenas armazenado, não haveria base para denúncia e condenação dos envolvidos.
“O receio é que autores ficassem impunes. Ideia não era criar um tipo totalmente autônomo, já que um é decorrência natural do outro”, disse o defensor José Carvalho Nascimento Júnior. Nos dias atuais, apontou ele, é impossível dissociar a transmissão e a guarda do arquivo, devido aos meios em que o compartilhamento digital ocorre.
Relator do recurso, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca destacou em seu voto que é plenamente possível que uma pessoa compartilhe material pornográfico infantil sem necessariamente armazená-lo. Da mesma forma, pode armazenar em dispositivos, mas não enviar a mais ninguém.
Além disso, não é raro que, nas investigações sobre o crime, descubram-se diferenças entre os conteúdos que estão armazenados e aqueles que foram efetivamente divulgados, o que reforça a ideia de que as condutas são autônomas e independentes.
“Com isso em mente, forçoso reconhecer a autonomia de cada uma das condutas, aptas a configurar o concurso material de crimes, afastando-se o princípio da consunção”, concluiu o relator. Ele foi acompanhado por maioria de votos. Ficou vencido o desembargador convocado João Batista Moreira.
Tese aprovada
Os tipos penais descritos nos artigos 241-A e 241-B do Estatuto da Criança e Adolescentes são autônomos, com verbos e condutas distintas, sendo que a conduta do artigo 241-B não configura fase normal, nem meio de execução para a do artigo 241-B, o que possibilita o reconhecimento do concurso material de crimes.