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porto velho, domingo 24 de novembro de 2024
BRASIL: A possibilidade de justificar a invasão de domicílio sem autorização judicial pelo cheiro de entorpecentes sentido por policiais do lado de fora da residência tem desafiado as balizas de interpretação das Turmas criminais do Superior Tribunal de Justiça.
A inviolabilidade do lar está prevista no artigo 5º, inciso XI da Constituição Federal e não é absoluta. Em 2015, o Supremo Tribunal Federal definiu que pode ser superada desde que haja razões indicando que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito.
Desde então, o STJ tem enrijecido os critérios de modo a eliminar abusos até então tolerados pelo Judiciário. Denúncia anônima, atitude suspeita, nervosismo e as inverossímeis e não comprovadas autorizações do morador, por exemplo, deixaram de ser motivos válidos para a invasão de domicílio.
Os casos em que a ocorrência de crime é justificada a partir do cheiro de entorpecente, pela falta de materialidade do indício, tornam essa análise mais complexa. Especialmente porque chegam ao STJ em pedidos de Habeas Corpus, em que não há instrução ou ampla produção de provas.
Assim, a 5ª Turma tem preferido prestigiar a posição dos tribunais de apelação para validar as invasões de domicílio nos casos em que eles entenderam haver justa causa a partir do cheio de entorpecentes. Esse ponto, portanto, fica nas mãos daqueles a quem cabe analisar fatos e provas.
A 6ª Turma, por sua vez, entende que é preciso submeter o depoimento dos policiais a um especial escrutínio, de forma a averiguar, com base nas circunstâncias objetivas de cada caso, se o relato de que foi possível sentir o odor de drogas ainda do lado de fora do imóvel é mesmo crível.
Verossimilhança
A posição da 6ª Turma do STJ foi firmada em março de 2022, no julgamento do HC 697.057, e serviu para fazer com que a justa causa para a ação policial não possa ser justificada unicamente pela credibilidade do relato do policial. O ponto central é a verossimilhança do que é alegado.
“É necessário aferir, a partir dos contornos objetivos do caso concreto — principalmente a natureza, a quantidade de drogas, o local e a forma em que estavam armazenadas dentro da residência — se era efetivamente possível que estivessem exalando forte cheiro, a ponto de ser perceptível por um agente situado na via pública”, disse o ministro, no voto.
Essa análise serviu para anular as provas em um dos casos sobre o tema, no HC 762.572. A polícia alegou, sem comprovação, que os suspeitos confessaram que guardavam drogas e autorizaram a entrada no domicílio. Além disso, disseram ter sentido forte cheio de maconha. Relatora, a ministra Laurita Vaz considerou a hipótese improvável, pois as drogas foram apreendidas no interior do quarto, dentro de uma sapateira.
A 6ª Turma também anulou as provas no caso em que policiais invadiram uma casa após verem os suspeitos correrem para dentro — o que não confere fundadas razões — e sentirem cheiro de drogas. Relator do HC 763.290, o desembargador convocado Jesuíno Rissato observou que não houve a indicação de qualquer elemento que indicasse a plausibilidade dessa alegação.
Isso porque a quantidade não era expressiva e os entorpecentes estavam acondicionados em eppendorfs, invólucros e porções dentro da mochila da pessoa que acabara de correr para dentro do imóvel. “Muito embora os depoimentos dos policiais sejam merecedores de credibilidade como elementos de convicção, cabe àqueles que atuam em nome do Estado demonstrar, de modo inequívoco, a existência de fundadas razões”, disse.
Por outro lado, a mesma 6ª Turma validou as provas em um caso em que a invasão de um local apontado por denúncia anônima como ponto de venda de drogas se deu graças ao forte cheio de éter etílico, substância usada produção e refino de entorpecentes. Relator do HC 756.005, Jesuíno Rissato entendeu isso como “elemento concreto indicativo da flagrância”.
Fatos e provas
Na 5ª Turma, o tema esbarra nas limitações que o uso do Habeas Corpus impõe em uma corte superior. Sem espaço para analisar fatos e provas, o colegiado entende como suficiente o cenário em que, apenas diante de denúncia anônima, policiais chegam ao local para averiguação, sentem cheiro de entorpecentes e concluem que o caso é de tráfico de drogas. Foi o que se decidiu, por exemplo, no HC 788.352.
Essa posição permitiu, por exemplo, manter a validade das provas em um caso em que policiais receberam informações anônimas sobre tráfico de drogas e, ao chegar ao local, viram o suspeito apresentar nervosismo. A invasão da residência foi feita porque eles sentiram cheiro de maconha. Mas no local apreenderam um entorpecente diferente: 40g de cocaína.
“Para acolher a tese da defesa de nulidade da prisão em flagrante ante a violação domiciliar, desconstituindo os fundamentos adotados pelas instâncias ordinárias a respeito da existência de elementos previamente identificados que denotavam a prática de crime permanente no interior da residência, seria necessário o reexame de todo o conjunto probatório, providência vedada em habeas corpus, procedimento de cognição sumária e rito célere”, explicou o ministro Messod Azulay, relator do HC 760.119.
Em outro caso, foi um pedaço de plástico exalando cheiro de crack, encontrado na lixeira na frente da casa do suspeito, que deu aos policiais as fundadas suspeitas para invadir a residência. Primeiro, eles chamaram no portão, mas não foram atendidos. Então ouviram um barulho e decidiram agir. Invadiram o local e apreenderam com o suspeito 820 g do entorpecente.
Relator do HC 781.931, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca concluiu que, “considerando o contexto fático que antecedeu a ação dos policiais, não há que se falar em ilegalidade na entrada dos policiais na residência do agravante. As circunstâncias fornecerem indícios para além da dúvida razoável acerca da ocorrência de crime permanente, de modo tornar lícita a ação dos policiais”.