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porto velho, domingo 24 de novembro de 2024
BRASIL: Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a apreensão de drogas com alguém em via pública não configura fundada razão sobre a existência de entorpecentes no interior de sua residência.
Com esse entendimento, o ministro Rogerio Schietti Cruz, do STJ, anulou todas as provas obtidas por meio do ingresso de policiais na casa de um acusado.
A decisão não vale para as provas obtidas em busca pessoal feita antes da entrada na residência. Mas, como a maior parte das provas foi anulada, Schietti determinou que o juiz de primeiro grau reavalie a necessidade da prisão preventiva do réu.
O homem viu a viatura na qual os policiais faziam patrulhamento de rotina, iniciou uma fuga e dispensou uma mochila na vegetação. Os agentes fizeram a abordagem e encontraram na mochila 213 gramas de cocaína, 145 gramas de maconha e 87 grama de K2 (espécie de maconha sintética).
Em seguida, de acordo com os policiais, o homem admitiu a prática de tráfico e revelou a existência de mais drogas estocadas em sua casa. Com a suposta autorização do réu, os agentes foram até o endereço indicado e localizaram mais 4,5 quilos de cocaína, 1,6 quilo de crack e 1,8 quilo de maconha.
No STJ, o ministro relator lembrou que, conforme precedente do Supremo Tribunal Federal (RE 603.616), a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é válida "quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas", que indiquem situação de flagrante delito dentro do local.
Além disso, a 6ª Turma do STJ já decidiu que a mera constatação da situação de flagrante após o ingresso sem consentimento do morador não justifica a medida (REsp 1.574.681).
Na visão de Schietti, a busca pessoal fora da casa e a apreensão das drogas na mochila foram lícitas, "mas não havia fundadas razões acerca da prática de crime permanente a autorizar o ingresso no domicílio do paciente" — pois uma ação não justifica a outra.
Além disso, a mesma 6ª Turma já decidiu que o ingresso em domicílio exige consentimento voluntário do morador, sem qualquer tipo de constrangimento ou coação. Além disso, essa autorização deve ser feita em declaração assinada (se possível, com testemunhas) e registrada em áudio e vídeo. A 5ª Turma já se alinhou a esse entendimento.
No caso concreto, Schietti constatou que não houve comprovação do consentimento de nenhum morador, nem mesmo preocupação em documentar essa autorização — o que era função dos policiais.
Embora os agentes tivessem alegado que o réu havia autorizado as buscas na casa, o relator afirmou que essa versão "soa inverossímil". Segundo ele, "um mínimo de vivência e de bom senso sugerem a falta de credibilidade de tal versão", já que o réu estava detido por policiais armados. Há ainda no caso um "indisfarçável desejo de se criar narrativa amparadora de uma versão que confira plena legalidade à ação estatal".
Essa dúvida, de acordo com o ministro, não pode beneficiar o Estado: "A situação versada neste e em inúmeros outros processos que aportam nesta Corte Superior diz respeito à própria noção de civilidade e ao significado concreto do que se entende por Estado democrático de Direito, que não pode coonestar, para sua legítima existência, práticas abusivas contra parcelas da população que, por sua topografia e status social, costumam ficar mais suscetíveis ao braço ostensivo e armado das forças de segurança".
O Habeas Corpus foi impetrado pelos advogados Felipe Cassimiro e Robson Cyrillo.
Jurisprudência vasta
A análise da legalidade da invasão de domicílio por policiais militares é tema constante na pauta das turmas criminais do STJ. Caso após caso, elas vêm delineando os limites de identificação de fundadas razões para ingressar na casa de alguém sem mandado judicial.
O STJ já entendeu ilícita a invasão nas hipóteses em que a abordagem é motivada por denúncia anônima, pela fama de traficante do suspeito, por atitude suspeita e nervosismo, cão farejador, perseguição a carro ou apreensão de grande quantidade de drogas.
Também anulou as provas quando a busca domiciliar se deu após informação dada por vizinhos e depois de o suspeito fugir da própria casa ou fugir de ronda policial. Em outro caso, entendeu ilícita a apreensão feita após autorização dos avós do suspeito para ingresso dos policiais na residência.
A corte também definiu que o ingresso de policiais na casa para cumprir mandado de prisão não autoriza busca por drogas. Da mesma forma, a suspeita de que uma pessoa poderia ter cometido o crime de homicídio em data anterior não serve de fundada razão para que a polícia invada o domicílio de alguém.
Por outro lado, é lícita quando há autorização do morador ou em situações já julgadas, como quando ninguém mora no local, se há denúncia de disparo de arma de fogo na residência ou flagrante de posse de arma na frente da casa, se é feita para encontrar arma usada em outro crime — ainda que por fim não a encontre —, se ocorrer em diligência de suspeita de roubo ou se o policial, de fora da casa, sente cheiro de maconha, por exemplo.