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    porto velho, quinta-feira 4 de setembro de 2025

STF: Cármen suspende análise de perda de bens da Lava Jato sem sentença

Ministros debatem renúncia patrimonial sem sentença judicial...


MIGALHAS

Publicada em: 04/09/2025 18:21:15 - Atualizado


Nesta quinta-feira, 4, em sessão plenária do STF, ministra Cármen Lúcia pediu vista e suspendeu o julgamento sobre a legalidade da perda antecipada de bens prevista em acordos de colaboração premiada firmados entre réus da Lava Jato e o MPF.

O tema era inicialmente apreciado no plenário virtual, mas pedido de destaque do ministro Dias Toffoli levou o caso ao exame presencial.

Em abril, o relator, ministro Edson Fachin, votou a favor da execução imediata das cláusulas patrimoniais, antes mesmo de sentença penal condenatória transitada em julgado. Divergiram os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli.

Na retomada desta tarde, ministro Flávio Dino também acompanhou a divergência, acrescentando que a definição do destino dos bens cabe ao juiz natural do processo, e não ao STF.

Já ministros André Mendonça e Alexandre de Moraes acompanharam o relator.

Ministro Luiz Fux, por sua vez, adiantou voto alinhado a Fachin, mas sinalizou que pode rever sua posição após a manifestação da ministra Cármen Lúcia.

Veja o placar:

Execução de cláusula

Nos casos, as defesas contestam a imediata execução da cláusula de perdimento de bens, argumentando que só deveria ocorrer após sentença condenatória, dado o contexto de extraterritorialidade dos crimes denunciados e a necessidade de uma decisão judicial específica no Brasil.

Argumentam que a cláusula deveria ser implementada como efeito da condenação, alinhada ao art. 7º da lei 9.613/98 (lei de lavagem de dinheiro), e que o colaborador deveria ter a opção de escolher como cumprir essa obrigação - seja por transferência de bens ou depósito judicial do valor equivalente.

Validade imediata

Ao votar, o relator, ministro Edson Fachin, defendeu a validade e a eficácia imediata das cláusulas de perdimento de bens nos acordos de colaboração premiada, mesmo sem sentença penal condenatória.

Segundo o ministro, trata-se de obrigação voluntariamente assumida pelo colaborador, distinta dos efeitos de uma condenação criminal.

Para S. Exa., condicionar a execução ao trânsito em julgado comprometeria a efetividade da justiça penal negocial e contrariaria a lei 12.850/13, que prevê a recuperação de ativos como requisito essencial para concessão de benefícios.

Fachin ressaltou que o Judiciário, ao homologar o acordo, deve apenas verificar sua legalidade e voluntariedade, sem reescrever seus termos.

Divergência - I

Ministro Gilmar Mendes abriu divergência, rejeitando a antecipação do perdimento.

Para o decano da Corte, a prática amplia indevidamente o controle penal e pode resultar em violações a garantias fundamentais, já que os acordos muitas vezes são firmados sob constrangimento.

O ministro reforçou que a colaboração premiada é apenas meio de obtenção de prova e não substitui o devido processo legal.

Os efeitos penais, destacou, só podem ser aplicados após condenação definitiva, conforme jurisprudência consolidada do STF.

Gilmar alertou para os riscos de se importar modelos estrangeiros, como o plea bargain, sem adaptações, e afirmou que impor sanções sem sentença representa ruptura com o Estado de Direito.

Divergência - II

Ministro Dias Toffoli também votou contra o perdimento antecipado.

Ressaltou que a colaboração premiada é instituto recente e deve ser tratada como meio para obtenção de provas, e não como prova autônoma.

Para S. Exa., os acordos analisados extrapolaram a competência do Judiciário ao impor efeitos típicos de condenação, permitindo que o MP assumisse função de fixar penas, atribuição exclusiva dos juízes segundo a CF.

Toffoli criticou ainda o cálculo unilateral de danos pelo MP, defendendo que apenas o processo judicial, com contraditório e ampla defesa, pode definir responsabilidades patrimoniais.

Divergência - III

Nesta quinta-feira, 4, ministro Flávio Dino acompanhou os votos divergentes.

Lembrou que a colaboração premiada é um negócio jurídico processual, e não um contrato autônomo, o que significa que seus efeitos devem estar vinculados a um processo e ao controle jurisdicional. Citou o art. 3º-A da lei 12.850/13, que expressamente confere essa natureza, e frisou que não se trata de pacto privado, mas de instrumento processual sujeito a utilidade pública definida.

Dino ressaltou os cinco objetivos previstos no art. 4º da lei: identificação de coautores, revelação da estrutura da organização criminosa, prevenção de infrações, recuperação de produto ou proveito do crime e localização de vítimas.

Para o ministro, a obtenção de informações é a finalidade central do instituto, enquanto a recuperação patrimonial tem caráter acessório.

Segundo S. Exa., a lei estabelece, no §11 do art. 4º, que a eficácia das cláusulas homologadas depende de sentença judicial, o que reforça a competência do juiz natural para avaliar o cumprimento das obrigações.

"É como se houvesse um casamento indissolúvel entre os destinos do processo e o comando direto, inafastável, do juiz natural, o juiz competente para a causa", afirmou.

Dino recuperou precedente de 2017, quando a ministra Cármen Lúcia, ao homologar acordo, condicionou explicitamente a fruição dos benefícios ao "crivo do juiz sentenciante". A homologação, observou, não gera preclusão consumativa e não afasta a necessidade de nova apreciação judicial.

No caso concreto, observou que as investigações foram arquivadas em diferentes instâncias, sem oferecimento de denúncia nem sentença condenatória. Para o ministro, impor a perda de bens nessas circunstâncias seria "manifestamente incoerente":

"Tal medida, digo, poderia, inclusive, configurar a hipótese de enriquecimento sem causa por parte do Estado brasileiro, na medida em que esse Estado estará de modo, não só dual, como antinômico, dizendo, de um lado: 'me dê os bens porque você é um criminoso'; e de outro lado, está dizendo: 'mas você não é criminoso'."

Dino também evocou o Direito Civil, afirmando que, ainda que se interpretasse o acordo como mero contrato, a situação se enquadraria em onerosidade excessiva (arts. 478 a 480 do CC), já que todas as obrigações recaíram sobre o colaborador sem contraprestação estatal, em virtude da inexistência de condenação.

O ministro reforçou que cabe ao juízo natural das investigações e processos definir o destino dos valores depositados, e não ao Supremo.

Confira trecho do voto:

Acompanham o relator

Também nesta quinta-feira, 4, votou ministro André Mendonça. S. Exa. alinhou-se ao relator, ministro Edson Fachin.

O ministro defendeu que a recuperação de ativos não é acessória no instituto da colaboração premiada, mas finalidade essencial do combate à corrupção.

Citou a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida), ratificada pelo Brasil com status de lei, que no art. 1º elenca como objetivos o combate à corrupção e a recuperação de ativos.

O art. 51 da Convenção, lembrou, define a restituição de bens como "princípio fundamental".

O ministro destacou que, mesmo antes da lei 12.850/13, o ordenamento já admitia hipóteses de reparação de danos antes da condenação definitiva.

Citou o art. 16 do CP (arrependimento posterior), que reduz a pena de quem repara voluntariamente o dano antes da sentença, e o art. 65, III, b, que reconhece como atenuante a reparação antecipada do prejuízo.

Para S. Exa., isso revela que a restituição patrimonial não é inovação da colaboração premiada, mas instituto já assimilado pelo Direito Penal brasileiro.

Em seguida, Mendonça examinou o termo de colaboração e a decisão de homologação proferida em 2017 pela ministra Cármen Lúcia.

Destacou que a cláusula 4ª do acordo previa renúncia expressa do colaborador aos bens e valores identificados como produto do crime, renúncia já validada pela homologação do Supremo.

Assim, segundo o ministro, não há que se esperar sentença para dar eficácia a esse perdimento, já que o próprio colaborador reconheceu a origem ilícita do patrimônio e abriu mão dele perante a Corte.

"Porque o delator ou colaborador, ele confessa que ele obteve aquele patrimônio fruto da corrupção. O não perdimento desses bens, porque é o que vai acontecer, o não perdimento desses bens significará a ele confessar que aquele patrimônio é produto do crime, é produto de corrupção, ele confessa e ele passa agora a usufruir de forma definitiva daquele produto."

Mendonça rebateu o argumento de que a confissão não poderia gerar efeitos imediatos sem apreciação judicial posterior.

Para S. Exa., nos acordos de colaboração deve prevalecer a boa-fé, sob pena de inviabilizar o instituto.

Na mesma linha, ministro Alexandre de Moraes ressaltou que, nos agravos em análise, não houve alegação de coação ou vício de vontade por parte dos colaboradores.

Pelo contrário, os próprios agravantes reiteraram a confissão da origem ilícita dos bens, questionando apenas o momento de sua execução.

"Nenhum dos agravantes diz que foi coagido. Nenhum dos agravantes diz que confessou a ilicitude na aquisição desses bens, confessou coagido pelo Ministério Público ou pela polícia", frisou.

Para o ministro, condicionar a execução da cláusula a uma sentença condenatória esvaziaria o próprio instituto da colaboração premiada. Isso porque o perdimento de bens já é efeito natural de uma condenação criminal, mas aqui há um dado adicional: a confissão da ilicitude e a renúncia expressa à propriedade, homologada judicialmente.

"A propriedade não é um direito irrenunciável. A propriedade é um direito fundamental, mas é renunciável. E aqui houve a renúncia, a partir da confissão houve renúncia. E não me parece possível nós queremos vincular automaticamente a cláusula, o acordo, com a obrigatoriedade de uma sentença condenatória como um efeito secundário da sentença condenatória", afirmou.

Moraes concluiu que aceitar a tese divergente implicaria alterar a lógica da colaboração premiada e reduzir sua eficácia.

Para S. Exa., a execução imediata das cláusulas patrimoniais preserva a boa-fé do colaborador e assegura a efetividade da justiça penal negocial.

Veja trecho do voto:

Processos: Pets 6.455, 6.477, 6.487, 6.490, 6.491 e 6.517


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