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porto velho, sábado 6 de setembro de 2025
BRASIL - O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros sete réus por tentativa de golpe de Estado, iniciado na 1ª turma do STF, não se limitou a acusações, provas e defesas: o vocabulário também se tornou protagonista.
Palavras e expressões menos comuns surgiram nos debates, chamando a atenção de quem acompanhava a sessão.
Para quem se perdeu entre "demover", "dragado" e até "toró de parpite", Migalhas traz um glossário do julgamento, explicando por que essas palavras ganharam protagonismo e, sobretudo, o que se quis dizer com elas. Afinal, como bem lembrou um advogado da tribuna, não se pode ignorar o peso semântico que um vocábulo tem.
De.mo.ver (vtd e vpr)
1 Dissuadir, fazer alguém desistir de uma ideia ou propósito.
Aplicação numa frase: "Tentou demover Bolsonaro de tomar qualquer medida de exceção."
Como se viu, o verbo "demover" significa dissuadir, fazer desistir de uma ideia ou propósito. A palavra ganhou destaque após ser falada por ao menos cinco vezes pelo advogado Andrew Fernandes Farias, defensor do general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ex-ministro da Defesa.
Ele disse que seu cliente tentou "demover" Bolsonaro. A atenta ministra Cármen Lúcia, então, questionou: "demover de quê?"
Farias não recuou: "de adotar qualquer medida de exceção".
A fala contundente surpreendeu os presentes, sobretudo porque acaba por jogar o ex-presidente no centro da tentativa de golpe.
Dra.ga.do (adj)
1 Que foi limpo, desobstruído com draga.
Aplicação numa frase: "O ex-presidente foi dragado para estes fatos."
Mais comum na engenharia do que na jurisprudência, "dragar", em seu sentido literal, significa retirar do fundo de rios ou canais os sedimentos acumulados, limpando o leito. Mas, no julgamento, o termo foi usado em sentido metafórico.
O advogado Celso Vilardi, ao defender Jair Bolsonaro, afirmou que o ex-presidente teria sido "dragado" para o processo, isto é, arrastado de forma indevida para dentro da acusação.
Segundo ele, a denúncia se sustenta em uma minuta encontrada no celular de um colaborador da Justiça e em delação premiada, sem prova concreta de participação de Bolsonaro nos planos golpistas.
Assim, "dragado" deixou de ser termo técnico para significar a ideia de alguém puxado à força para o centro de um caso do qual não deveria - ao menos segundo a defesa - fazer parte.
Ja.bu.ti.ca.ba
1 Fruto da jabuticabeira.
2 Expressão usada para se referir a situações que só existem no Brasil.
Aplicação numa frase: "Não é uma jabuticaba. É algo que não existe nem aqui, nem em nenhum lugar do mundo."
Fruto tipicamente brasileiro, a expressão virou sinônimo de tudo aquilo que só acontece por aqui. No meio político, é a metáfora preferida para designar práticas consideradas sem paralelo em outros sistemas do mundo.
Foi justamente esse o tom da crítica do advogado Demóstenes Torres, que, na primeira sessão, classificou como "jabuticaba" a posição da PGR de reduzir os benefícios da delação de Mauro Cid em razão de supostas omissões e contradições.
No dia seguinte, o advogado Celso Vilardi, que representa Bolsonaro, retomou a metáfora, mas para discordar dela. Segundo ele, a proposta da acusação seria ainda mais grave. "Não é uma jabuticaba, com todo respeito ao doutor Demóstenes. É muito mais grave, porque a jabuticaba existe aqui no Brasil. A delação, da forma como está sendo proposto nas alegações finais do MP não é uma jabuticaba. É algo que não existe nem aqui, nem em nenhum lugar do mundo."
To.ró de par.pi.te
1 Tempestade de opiniões sem consequência.
Aplicação numa frase: "Essa reunião seria um toró de parpite na minha terra."
A expressão popular combina duas ideias: "toró", uma chuva intensa, e "parpite", variante coloquial de palpite, opinião.
No Tribunal, a expressão surgiu na fala do advogado Matheus Mayer Milanez, que defende o general Augusto Heleno. Ao comentar uma reunião ministerial citada pela PGR como evidência de articulação golpista, o causídico tentou reduzir a importância do encontro, afirmando que, em sua terra paulista, aquilo poderia ser chamado de um "toró de parpite".
Segundo ele, a reunião não resultou em qualquer decisão prática.
Barroso e a luta contra o juridiquês
Em meio a esse desfile de termos, é inevitável lembrar da campanha do presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, contra o uso do juridiquês. Defensor de uma Justiça mais acessível, Barroso insiste em que a Justiça precisa ser compreendida pelo cidadão comum.
Para alívio dos réus e dos advogados, S. Exa. não integra a 1ª turma, responsável pelo caso - caso contrário, talvez já tivesse pedido tradução simultânea das sessões.