• Fundado em 11/10/2001

    porto velho, terça-feira 16 de setembro de 2025

STJ valida busca domiciliar sem mandado após nervosismo de abordado

Por maioria, 6ª turma entendeu que nervosismo e confissão espontânea configuram fundadas razões para ingresso em domicílio, mesmo sem mandado judicial...


Migalhas

Publicada em: 16/09/2025 18:13:11 - Atualizado

A 6ª Turma do STJ, por maioria, validou busca domiciliar realizada sem mandado judicial por policiais militares, após o abordado demonstrar nervosismo e, segundo os autos, indicar que havia entorpecentes em sua residência. A decisão foi tomada no julgamento de agravo regimental em habeas corpus impetrado em favor de condenado por tráfico de drogas.

Seguiram o voto do relator, ministro Og Fernandes, os ministros Antonio Saldanha Palheiro e Carlos Pires Brandão.

Ficaram vencidos os ministros Rogério Schietti Cruz e Sebastião Reis Júnior, que manifestaram preocupação com o que consideram uma flexibilização das garantias processuais penais. Schietti ressaltou que admitir o nervosismo como justificativa para abordagens e buscas representa um retorno a práticas marcadas pela subjetividade e arbitrariedade, em desacordo com o devido processo legal e os princípios do Estado de Direito. Ao final, indicou que pretende levar a discussão à 3ª seção do STJ para uniformização.

Entenda o caso

O habeas corpus foi impetrado contra acórdão do TJ/GO, que rejeitou revisão criminal proposta pela defesa. O paciente havia sido condenado à pena de 5 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicial fechado, além de 550 dias-multa, pela prática do crime de tráfico de drogas (art. 33, caput, da lei 11.343/06).

Em patrulhamento de rotina, uma equipe da Polícia Militar visualizou o paciente, que usava tornozeleira eletrônica, ao lado de um veículo parado em frente a uma casa de esquina. O comportamento foi considerado suspeito e, ao notar a aproximação da viatura, o paciente teria demonstrado nervosismo.

Já na abordagem, de acordo com a sentença, ele teria confessado comercializar entorpecentes com o auxílio de outra pessoa e informado que havia mais drogas em sua residência. Os policiais, então, dirigiram-se ao local e realizaram busca domiciliar, sem mandado, apreendendo novas porções de drogas.

A defesa sustentava que não havia fundadas suspeitas que justificassem a abordagem pessoal nem o ingresso na residência sem autorização judicial.

Fundadas razões

Ao analisar a busca pessoal, o relator, ministro Og Fernandes, o relator destacou que sua legalidade está condicionada à existência de fundadas suspeitas, baseadas em circunstâncias objetivas observadas durante a abordagem. Citou os arts. 240 e 244 do CPP, além de precedentes do STJ e do STF que admitem que o nervosismo, quando associado a outros elementos concretos, pode justificar a intervenção policial.

Na sequência, Og Fernandes citou a tese fixada pelo STF no Tema 280, que admite a entrada em domicílio sem mandado judicial quando houver fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem a ocorrência de flagrante delito.

Para o relator, o ingresso na residência foi legítimo, pois precedido de elementos concretos: a apreensão de drogas em via pública e a confissão do réu de que havia mais substâncias ilícitas armazenadas em sua casa para revenda.

"O ingresso no imóvel e a consequente busca e apreensão domiciliar empreendida foram, evidentemente, precedidos de fundadas razões. (...) Isso porque os policiais conseguiram verificar os indícios da ocorrência do delito permanente ainda no exterior da residência."

Og Fernandes também destacou que a flagrância permite a busca domiciliar, independentemente de mandado judicial, desde que existam fundadas razões indicando que, no interior do imóvel, ocorra a prática do crime.

"A flagrância permite a busca domiciliar, independentemente da expedição de mandado judicial, desde que presentem-se fundadas as razões de que, no interior do imóvel, ocorra a prática do crime. A justa causa nesse contexto não exigiria a certeza da ocorrência do delito, mas sim a existência de fundadas razões que a justifiquem."

Por fim, o relator afirmou que rever o entendimento do tribunal local implicaria reexame do conjunto fático-probatório, o que é incabível na via estreita do habeas corpus. Concluiu, assim, pela legalidade da atuação policial e votou pelo desprovimento do agravo regimental.

Retrocesso

O ministro Rogério Schietti Cruz abriu a divergência e foi acompanhado pelo ministro Sebastião Reis Júnior. Em voto crítico, Schietti expressou preocupação com o que classificou como um enfraquecimento dos critérios de controle da atuação policial, alertando para o risco de retorno a práticas subjetivas e arbitrárias.

"Não posso deixar de manifestar minha preocupação por uma jurisprudência que já vinha se consolidando há cerca de quatro, cinco anos, exigindo uma maior objetividade na aferição dos motivos de abordagens policiais, tanto pessoais quanto domiciliares. E o que nós estamos vendo é essa jurisprudência ruir, tanto aqui quanto no STF, voltando aos tempos em que a polícia, simplesmente alegando a suspeita de alguém por nervosismo, autorizava, com esse nervosismo, algo absolutamente subjetivo, a abordagem policial."

O ministro ponderou que o nervosismo diante da presença policial, por si só, é uma reação compreensível no atual contexto social e não pode justificar a supressão de garantias constitucionais. "O fato de alguém estar num comportamento nervoso diante da polícia é absolutamente justificável diante das notícias diárias que vemos nas mídias de comportamentos que colocam qualquer cidadão numa atitude de nervosismo", afirmou o ministro.

Para Schietti, a aceitação do nervosismo como fundamento para justificar abordagens e ingressos em domicílio abre margem para abusos, representa a volta a um modelo autoritário de atuação estatal.

Ele também considerou inverossímil que alguém abordado na rua conduza espontaneamente os policiais até sua casa para ser preso.

"É uma ilusão acreditar que a pessoa, voluntariamente, sem nenhum tipo de constrangimento, se ofereceu para ser presa e processada, dizendo aos policiais: 'olha, lá em casa temos drogas guardadas, inclusive debaixo do colchão. Vamos até lá', e os conduz de forma altruísta e amigável para ser presa em flagrante."

Ao final, Schietti anunciou que pretende levar a discussão à 3ª seção do STJ, a fim de promover uma rediscussão mais ampla sobre os limites da atuação policial e as garantias constitucionais envolvidas.

Resultado

A maioria da 6ª Turma acompanhou o entendimento do relator, ministro Og Fernandes, no sentido de que a busca pessoal e o ingresso em domicílio foram legais, por estarem amparados em fundadas razões caracterizadoras de situação de flagrância.

Os ministros Antonio Saldanha Palheiro e Carlos Pires Brandão acompanharam o relator e reforçaram que a atuação da Polícia Militar está alinhada com a jurisprudência do Supremo.

Para a maioria, os elementos do caso concreto - o nervosismo do abordado, o uso de tornozeleira eletrônica, a suspeita de tráfico e a confissão espontânea - configuram fundadas razões aptas a justificar a atuação policial, conforme o entendimento consolidado pelo STF.

Processo: HC 888216


Fale conosco