Fundado em 11/10/2001
porto velho, terça-feira 26 de novembro de 2024
BRASIL: É reconhecida a retroatividade do patamar estabelecido no artigo 112, inciso V da lei 13.964/2019 àqueles apenados que, embora tenham cometido crime hediondo ou equiparado sem resultado morte, não sejam reincidentes em delito de natureza semelhante.
Essa foi a tese fixada em recursos repetitivos pela 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que nesta quarta-feira (26/5) negou provimento a dois recursos ajuizados pelo Ministério Público com o objetivo de alterar jurisprudência pacífica construída sobre o tema.
Trata-se de interpretação da alteração na Lei de Execução Penal feita pela entrada em vigor do chamado pacote “anticrime”.
Até dezembro de 2019, a progressão se definia simplesmente como após o cumprimento de 2/5 (40%) da pena, se o apenado for primário; e de de 3/5 (60%), se reincidente.
Essa regra foi revogada pela Lei 13.964/2019, que introduziu regime de progressão para a hipótese de crime hediondo no artigo 112 do Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984).
O inciso VII diz que só progredirá após 60% da pena se "for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado". A divergência existente consistia em saber se essa reincidência é específica e, portanto, só aplicável aos que já cometeram crimes hediondos ou equiparados antes.
A matéria inicialmente gerou divergência no âmbito das 5ª e 6ª Turmas, mas foi posteriormente pacificada, no sentido de que a reincidência deve ser específica para que a progressão só se dê após 60% da pena cumprida. Na ocorrência de lacuna legislativa, a interpretação deve ser sempre favorável ao réu.
Logo, se a reincidência não for específica, aplica-se o inciso V do artigo 112, que prevê progressão após 40% da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário.
Esse entendimento não impediu que o Ministério Público Federal continuasse recorrendo de decisões de segunda instância, ou mesmo que os tribunais brasileiros deixassem de aplica-lo ao seu bel prazer. Por isso, a 3ª Seção decidiu afetar o tema. A decisão foi unânime, conforme voto do ministro Rogerio Schietti, relator.
Ele destacou que todos os gabinetes dos integrantes da 3ª Seção recebem casos referentes a essa matéria diariamente, julgados de forma monocrática devido à jurisprudência consolidada. “Com o julgamento deste precedente qualificado, cria-se uma tese que deve ser seguida pelos demais tribunais do país para, com isso, reduzir a excessiva carga de recursos”, disse.
Objetivo do legislador
Ao sustentar na tribuna virtual da 3ª Seção, os representantes do Ministério Público estadual e Federal apontaram que a intenção do legislador do pacote anticrime foi enrijecer o sistema punitivo brasileiro, de modo que a ideia seria elevar os percentuais de cumprimento de pena para progressão.
O ministro Schietti concordou. “Fato é que, por um motivo ou por outro os quais não nos cabe avaliar, pacote foi votado no Congresso, a lei foi promulgada e se percebeu que havia uma lacuna”, disse. “Diante da lacuna da lei, o juiz se vale de outras fontes, mas em hipótese alguma pode suprir de modo desfavorável ao réu”, complementou.
Outros ministros reforçaram essa interpretação e também a ideia de que esse precedente seja, enfim, respeitado em todo o Judiciário. “O Ministério Público precisa também se incorporar a esse esforço de criação de um sistema brasileiro de precedentes. Não é possível que, depois disso, o MPF continue a recorrer”, disse o ministro Ribeiro Dantas.
A decisão foi unânime. Votaram com o ministro Schietti os ministros Ribeiro Dantas, Antonio Saldanha Palheiro, Joel Ilan Paciornik, Laurita Vaz, João Otavio de Noronha e Sebastião Reis Júnior. Não participou do julgamento o ministro Felix Fischer.