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TJ mantém júri popular de motorista que matou ciclista em São Paulo

A defesa tentava reclassificar o crime para homicídio culposo, sem intenção de matar, para ele não ir a júri popular.


G1

Publicada em: 14/12/2022 10:35:24 - Atualizado


BRASIL O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) negou nesta quarta-feira (14) um recurso da defesa do motorista acusado de beber, dirigir em alta velocidade, atropelar, fugir e matar a ciclista e socióloga Marina Kohler Harkot. O crime ocorreu em novembro de 2020, na Zona Oeste da capital.

Em votação unânime, os desembargadores mantiveram como homicídio por dolo eventual, quando se assume risco de matar.

A defesa tentava reclassificar o crime para homicídio culposo, sem intenção de matar, para ele não ir a júri popular.

Caso não haja novos recursos dos advogados do motorista, que ainda podem apelar para instâncias superiores, caberá a juíza de primeira instância marcar a data do julgamento.

O caso foi filmado por câmeras de segurança e repercutiu na imprensa e nas redes sociais, dando origem a protestos de quem usa a bicicleta como meio de transporte.

Atualmente, o empresário José Maria responde em liberdade por homicídio por dolo eventual, que é aquele no qual se assume o risco de matar. Ele é réu nesse processo, no qual também é acusado de dirigir sob efeito de álcool e fugir do local sem prestar socorro à vítima.

Marina Harkot usava a bicicleta como meio de transporte — Foto: Divulgação/Arquivo pessoal

Em abril de 2022 a Justiça já decidiu levar o motorista do Hyundai Tucson a julgamento popular pelos crimes. A data do júri só não foi marcada ainda pela juíza Jéssica de Paula Costa Marcelino, da 5ª Vara do Júri, por que os desembargadores do Tribunal de Justiça precisam julgar antes esse pedido dos advogados de José Maria, chamado de recurso em sentido estrito.

Crimes dolosos contra a vida são julgados em júri popular: sete jurados escolhidos pela acusação e defesa votam e decidem se condenam ou absolvem os réus.

Em caso de condenação, as penas para motoristas acusados de homicídio por dolo eventual podem chegar a 20 anos de prisão em regime fechado.

Nos homicídios culposos na direção de veículos, os réus são julgados por um juiz ou juíza singular e as penas costumam ser de 2 a 4 anos de reclusão, podendo ser também em regime aberto.

Defesa do motorista

Câmera registra carro que atropelou ciclista na Zona Oeste de SP em alta velocidade

No entendimento da defesa de José Maria, seu cliente não poderia ser julgado por homicídio por dolo eventual por que não assumiu o risco de matar, como acusa o Ministério Público (MP).

Para os advogados, o crime cometido contra Marina Harkot teria de ser reclassificado como homicídio culposo no trânsito, aquele sem intenção de matar.

Segundo o advogado José Miguel da Silva Júnior, a Polícia Civil, que investigou o caso, não há laudos periciais que comprovem que seu cliente bebeu ou dirigia em alta velocidade quando atropelou Marina.

Além disso, a defesa alega que José Maria não parou o veículo para socorrer a vítima porque achou se tratar de um assalto.

De acordo com a defesa, a ciclista pedalava fora da ciclovia e também não usava equipamentos de segurança. São esses os argumentos usados pelo advogado para pedir a anulação da decisão que levou o motorista a júri popular ou ainda tentar a reclassificação do crime.

"Para se evitar uma injustiça sem precedentes que poderá atingi-lo, uma vez que ficou evidenciado durante a instrução criminal que na pior das vertentes estamos diante de um homicídio culposo", alega o advogado José Miguel da Silva Júnior em seu pedido feito em agosto deste ano ao TJ-SP.

"Entramos com recurso para combater essa sentença de pronúncia. Nós estamos pedindo o afastamento do homicídio doloso e de suas qualificadoras. Ou seja: para que ele não seja submetido ao Tribunal do Júri por que ele não teve em nenhum momento a intenção de matar", disse José Miguel ao g1.

"Não existe nos autos uma prova técnica de que ele consumiu bebidas etílicas, ou seja: ele está sendo acusado de estar embriagado, porém é um delito que precisa ser devidamente provado por laudo, e isso não tem", completou o advogado.

Advogada da família da vítima

Paulo Garreta Harkot e Maria Claudia Kohler, pais de Marina Harkot, visitam local onde filha foi atropelada e morta por motorista embriagado que fugiu em 8 de novembro de 2021 — Foto: Denis Ferreira Netto/@denisfotos/Divulgação

A Polícia Civil chegou a investigar e indiciar José Maria por homicídio culposo em novembro de 2020, quando se apresentou no 14º Distrito Policial (DP), após ter fugido. Mas um ano depois, em 2021, a pedido das advogadas que defendem os interesses da família de Marina, a Justiça mudou o tipo de crime e responsabilizou o motorista por homicídio por dolo eventual.

"Esperamos com grande ansiedade a decisão do Tribunal de Justiça e temos convicção de que a decisão de 1a instância será mantida, já que irretocável. O réu praticou crime de homicídio doloso contra a vida e em breve será julgado pelo júri que, certamente o condenará por suas ações ilícitas", falou Priscila Pamela Santos ao g1.

Além do desembargador relator Paiva Coutinho, mas dois magistrados da 11ª Câmara do Tribunal de Justiça votarão o pedido feito pelos advogados: Alexandre Almeida e Renato Filho. Eles poderão atender parcialmente ou integralmente o recurso ou ainda manter a decisão que levou José Maria a júri popular por homicídio por dolo eventual.

Se a segunda opção for a mais votada pelo TJ, caberá a juíza Jéssica Marcelino marcar uma data para o júri popular do motorista por ter assumido o risco de matar Marina.

Como a defesa de José Maria já manifestou interesse em continuar recorrendo às instâncias superiores pela reclassificação do crime para homicídio culposo, existe a possibilidade de a data do julgamento ainda não seja marcada. Seus advogados poderão tentar pedir a mudança do tipo do crime no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e no STF (Supremo Tribunal Federal).

Família da ciclista

Felipe Burato e Marina Harkot com suas bicicletas estacionadas no Minhocão, em São Paulo — Foto: Divulgação/Arquivo pessoal

"A falta dela é todo dia", disse recentemente ao g1 a bióloga Maria Claudia Kohler, mãe de Marina Harkot, que há dois anos espera pelo julgamento do motorista que atropelou e matou sua filha.

Aos 58 anos, ela e o marido, o oceanógrafo Paulo Garreta Harkot, de 62 anos, pai de Marina, decidiram tornar os desejos de sua filha seus sonhos também. O marido da ciclista, o jornalista Felipe Burato, de 40 anos, também participa do projeto Pedale como Marina.

Além de buscarem justiça e pedirem a condenação do atropelador que matou a ciclista, eles têm participado de atos, palestras e buscado conscientizar as pessoas da necessidade de educação e regras para a convivência pacífica entre bicicletas e veículos motorizados no trânsito.

"Quantos anos vão se passar até que se tenha uma decisão?", indagou Paulo à reportagem.

"Tem essa coisa da impunidade que passa pelo cara [atropelador] estar solto e não ter sofrido nenhuma sanção a não ser perder o direito de dirigir, que também a gente não sabe se isso está se cumprindo, afinal, não tem nenhum tipo de fiscalização sobre isso", disse Felipe ao g1.

O atropelamento

Motorista José Maria da Costa Júnior fugiu após atropelar e matar a ciclista Marina Harkot com seu Hyundiai Tucson em São Paulo; no detalhe, o vidro estilhaçado pelo impacto — Foto: Reprodução/Câmera de segurança/TV Globo e Arquivo pessoal

Marina foi atropelada em 8 de novembro de 2020 em Pinheiros, na Zona Oeste. A vítima tinha 28 anos e era socióloga, cicloativista e pesquisadora sobre mobilidade urbana. A repercussão de sua morte gerou comoção nas redes sociais e protestos de ciclistas nas ruas.

Os amigos do motorista que estavam de carona no carro do empresário quando Marina foi atingida pelo veículo serão ouvidos como testemunhas no eventual julgamento do caso.

A estudante Isabela Serafim e o auxiliar de escrevente de cartório Guilherme Dias da Mota, ambos de 22 anos, respondiam a outro processo: por omissão. Eles não prestaram socorro à vítima quando ela foi atropelada. Os dois respondiam ao crime em liberdade.

Mas como Isabela e Guilherme aceitaram a proposta de transação penal feita em março deste ano pelo Ministério Público, eles não serão mais responsabilizados criminalmente. Para isso aceitaram pagar, cada um, pouco mais de R$ 6 mil ao Fundo Municipal da Criança e do Adolescente (Fumcad). Desse modo o processo contra eles seria arquivado.

Este processo foi conduzido pela Vara do Juizado Especial Criminal, também no Fórum da Barra Funda, onde um magistrado julga diretamente crimes de menor potencial ofensivo. Se houvesse condenação, a pena para o crime de omissão não ultrapassaria dois anos de prisão.

Claudia e Paulo Harkot, pais de Marina, homenageiam em 2021 a filha [foto atrás deles] no local onde ela foi atropelada e morta em São Paulo — Foto: Kleber Tomaz/g1

Foi por esse motivo, a pena branda, que o MP sugeriu o acordo. A transação penal não é um reconhecimento de culpa, mas também não significa que eles são absolvidos. Em outras palavras, o processo contra eles é interrompido durante o cumprimento da transação até seu arquivamento.

O g1 não conseguiu localizar as defesas de Isabela e Guilherme para comentarem o assunto até a última atualização desta reportagem.

Quando falaram no 14º Distrito Policial, em Pinheiros, Isabela e Guilherme disseram que José Maria havia tomado bebida alcoólica no bar e depois dirigiu. Os dois, no entanto, alegaram que não viram o atropelamento.

Segundo a Polícia Civil, José Maria tomou bebida alcoólica momentos antes de dirigir seu carro e atropelar Marina. Vídeos de um bar registram que ele estava bebendo (veja foto abaixo). A comanda do estabelecimento informa que o motorista tomou uísque.

De acordo com o Ministério Público, o réu ingeriu bebida alcoólica e dirigiu seu Hyundai Tucson em alta velocidade quando atingiu a ciclista. Dentro do veículo, levava os amigos Isabela e Guilherme. Marina foi atingida pelas costas quando voltava de bicicleta sozinha para casa pela Avenida Paulo VI, em Pinheiros. Segundo a família, ela morreu no local.


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