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    porto velho, terça-feira 11 de fevereiro de 2025

Possível vitória de "Bolsonaro da Argentina" gera preocupação em Lula e aliados do governo

Interdependência entre países reduz risco de ruptura.


g1

Publicada em: 04/09/2023 11:14:11 - Atualizado

MUNDO: Quando perguntado a respeito da integração da Argentina ao Brics e sobre que relação uma eventual gestão sua teria com o atual governo socialista espanhol, Javier Milei, o candidato radical que lidera a corrida para as eleições presidenciais argentinas, respondeu com uma de suas frases conhecidas: “Os socialistas não são defensores da liberdade”. E se calou quando as repórteres brasileiras insistiram para que ele respondesse se fazia referência ao Brasil ou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Foi na semana passada, no mesmo dia em que o economista, que se autodefine como libertário, já tinha usado, diante de empresários e diplomatas estrangeiros, outra de suas formulações públicas típicas - que “não fará acordo com comunistas” e que sua política exterior será com Estados Unidos e Israel, mas que o empresariado é “livre” para comercializar com quem quiser.

Logo após as eleições primárias argentinas o apontarem como favorito, em 13 de agosto, Milei, da Liberdade Avança (LLA), repetiu que o Mercosul “deve ser eliminado” e que, se eleito, não permitirá que a Argentina seja incorporada ao Brics ampliado – o país acaba de ser convidado ao grupo formado por Brasil, China, Rússia, Índia e África do Sul “graças ao apoio decisivo de Lula”, como disse o chanceler argentino Santiago Cafiero.

Se não surpreendem, o conjunto das declarações do presidenciável argentino são avaliadas como “preocupantes” e como merecedoras de “atenção” por setores do governo brasileiro, em Brasília, segundo fontes ouvidas pela BBC News Brasil em condição de anonimato.

Empresários e analistas também ouvidos pela reportagem coincidiram que Milei tem potencial para se tornar uma dor de cabeça para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva caso eleito, ainda que todos avaliem que uma ruptura total entre Brasil e Argentina é pouco provável, dada a enorme interdependência entre os vizinhos.

Na Casa Rosada, se cumprir o que tem falado, o candidato pode turbinar o mal-estar já instalado no Mercosul, em meio a uma longa e complicada renegociação do acordo comercial do bloco com a União Europeia. Pode ainda frustrar os planos do governo Lula de ter a Argentina como uma aliada do Brasil no Brics ampliado, já que os dois países seriam os únicos da América Latina na nova configuração do grupo.

Amorim: “A preservação do Mercosul é uma preocupação legítima”

“Tudo é meio imprevisto, em caso de vitória dele”, disse uma alta fonte do governo em Brasília. “Ele é o que gera o maior grau de incerteza”, disse outro funcionário da administração Lula na capital brasileira.

Procurado pela reportagem, o ex-chanceler e assessor especial da Presidência, Celso Amorim, respondeu por escrito que a relação entre os dois países é um "patrimônio".

“Obviamente não podemos comentar assuntos internos da Argentina, mas a preservação do Mercosul é uma preocupação legítima. É um patrimônio de mais de trinta anos e é parte do patrimônio de paz e prosperidade que criamos e que queremos fortalecer", disse Amorim.

O influente assessor diplomático direto de Lula também comentou a questão do Brics. “Da mesma forma, saudamos o ingresso da Argentina nos Brics, um reconhecimento da importância geopolítica dessa grande nação, que fortalece o poder de negociação de nossa região como um todo”, escreveu Amorim.

Três fontes diplomáticas de Brasília complementaram as declarações do ex-chanceler, convergindo ao dizer que hoje já é feita “uma ginástica” para que o Uruguai não deixe o Mercosul. “Imagine se a Argentina também quiser sair, será complicado”, disse uma delas.

O Brasil exerce a presidência rotativa do bloco sul-americano em meio a tensões abertas com o governo uruguaio, de centro-direita. O presidente uruguaio Luis Alberto Lacalle Pou defende abertamente a flexibilização do Mercosul e pressiona para ser autorizado a fazer acordos comerciais isolados com países como a China.

Além da animosidade com Brics e Mercosul, Milei também retiraria fôlego de iniciativas que o governo Lula tenta retomar, como a Unasul, com os países da América do Sul, e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac).

Em entrevista recente à agência de notícias Bloomberg, perguntado se poderia se aproximar do presidente Lula, Milei respondeu que não.

“Na verdade, eu acho que é preciso eliminar o Mercosul porque é uma união aduaneira defeituosa que prejudica aos argentinos de bem. É um comércio administrado por Estados para favorecer a empresários que tiram vantagem (...). Onde o Estado se mete faz estragos”, disse Milei.

Na mesma entrevista, Milei disse “que não fazemos pacto com comunistas” (em referência à China), mas que o país asiático pode ser sócio do setor privado. “Eu não promoveria a relação nem com China, nem com Cuba, nem com Venezuela, nem com Nicarágua e nem com a Coreia do Norte”.

O Brasil e a China são os principais sócios comerciais da Argentina, enquanto Pequim é também um investidor direto de peso no país.

Nos últimos dias, no entanto, enquanto o economista “mantém seu discurso radical”, como disse um empresário com negócios na Argentina ouvido pela reportagem, seus assessores tentam amenizar suas palavras à medida que aumentam suas chances de chegar à Casa Rosada.



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