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porto velho, quarta-feira 25 de dezembro de 2024
Ao anunciar a morte do chefe e fundador do grupo terrorista Estado Islâmico, Abu Bakr al-Baghdadi neste domingo (27), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, conquistou uma de suas maiores vitórias desde a chegada à Casa Branca. Com uma atípica postura firme e presidencial, o líder americano relatou em pronunciamento em rede nacional como foi a operação que surpreendeu a todos. De certa forma, consegue silenciar os críticos da sua decisão de retirar as tropas do Nordeste da Síria que atuavam para proteger os curdos de uma ofensiva da Turquia. Com a saída americana, forças turcas lançaram um ataque contra as forças curdas.
Passadas duas semanas desta supercriticada decisão de Trump, vista como impulsiva, temos finalmente uma ideia do que ocorreu e o motivo da decisão, embora ainda não tenha sido confirmado. Possivelmente, o líder turco Recep Tayyip Erdogan negociou com o presidente americano em ligação telefônica a retirada das forças americanas em troca de informações sobre o paradeiro de al-Baghdadi. O presidente dos EUA, um isolacionista que nunca foi entusiasta da presença militar na Síria, aceitou porque anteviu uma grande vitória.
Ao longo destas duas semanas, Trump, provavelmente sabendo da preparação da ação das forças especiais contra o fundador do Estado Islâmico, tentou se defender das críticas vindas inclusive de membros de seu partido. Não deve ter sido uma tarefa fácil evitar dizer o real motivo. Caso realmente o presidente tenha articulado esta operação toda, ele dá uma explicação lógica para a sua decisão da retirada. Vale notar que, em seu pronunciamento, o líder americano agradece a Turquia, Rússia, Síria (regime de Bashar al-Assad), Iraque e os curdos da Síria.
Ainda que menos conhecido internacionalmente do que Osama bin Laden, a morte do chefe do Estado Islâmico terá um impacto forte para Trump, como a ação para matar o fundador da al-Qaeda teve para Barack Obama e a prisão de Saddam Hussein para George W. Bush. A aprovação do presidente americano deve até subir alguns pontos nas próximas semanas, assim como ocorreu com seus antecessores. Será simples para ele responder aos seus críticos a partir de agora nesta questão da Síria.
Não é apenas Trump que sai vitorioso desta operação. A Turquia, a Síria de Assad, Putin e os curdos da Síria também podem celebrar. Afinal, todos são inimigos do Estado Islâmico e, segundo o próprio presidente, ajudaram na ação que resultou na morte do terrorista. Quem mais perde, obviamente, é o grupo terrorista, que fica sem seu líder simbólico. Há apenas quatro anos, al-Baghdadi emergia em Mossul, no Iraque, como o califa de um suposto Estado Islâmico que amedrontou o mundo. Neste sábado, foi derrotado pelos EUA.
O mundo também fica mais seguro sem este terrorista de um grupo responsável por dezenas de atentados, pela decapitação de centenas de pessoas, pelas mortes de dezenas de milhares e pela perseguição a xiitas, cristãos, alauitas, drusos, ismaelitas, yazidis e mesmo sunitas adversários.
Chamou a atenção al-Baghdadi estar escondido em Idlib, a única província da Síria nas mãos da oposição. O principal grupo anti-Assad dessa região é o o Hayet Tahrir Al Sham, antiga Frente al-Nusrah, que seria o braço da al-Qaeda na Síria. Esta organização era inimiga do Estado Islâmico, que tem suas origens na al-Qaeda no Iraque e entrou em choque com os membros da rede terrorista de Bin Laden ao querer incorporar a Síria aos seus domínios. Não está claro se houve uma reaproximação entre estas organizações terroristas.
Agora, como parte desta ampla articulação, talvez Trump, Erdogan e Putin tenham chegado a um acordo para as forças de Assad iniciarem ofensiva contra os jihadistas em Idlib e finalmente unificar toda a Síria.
*Guga Chacra é mestre em Relações Internacionais pela Columbia University de Nova York, colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews e da TV Globo nos Estados Unidos