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porto velho, quinta-feira 26 de dezembro de 2024
MUNDO- Uma operação conjunta da Polícia Federal e da Polícia Militar do Mato Grosso apreendeu na semana passada um avião monomotor carregado com 480 quilos de cocaína. A droga seria descarregada em uma pista de terra batida em uma fazenda da cidade de Tangará da Serra. Piloto e copiloto eram os bolivianos Carlos André Dorado, de 24 anos, e Fabio Andrade Lima Lobo, de 35 anos. A prisão, que deveria chamar atenção apenas pelo tamanho do carregamento, expôs as relações íntimas entre o narcotráfico e as autoridades políticas bolivianas.
A mãe do traficante Fabio Andrade Lima Lobo é Carmen Lima Lobo, filiada ao Movimento ao Socialismo (MAS), legenda do presidente boliviano Evo Morales. Carmen chegou a ser candidata a vice-governadora pelo Estado de Beni – na Amazônia boliviana. Lideranças políticas bolivianas ouvidas por VEJA garantem que a indicação de Carmen para a posição foi obra do ex-ministro Juan Ramón Quintana, que ocupou a vaga de ministro de Presidência (equivalente à Casa Civil) por três mandatos de Evo Morales. Atualmente Quintana é embaixador da Bolívia em Havana.
O pai do traficante Lima Lobo nada mais é que o colombiano Celimo Andrade, preso em 1992 em Santa Cruz de La Sierra. Quando de sua prisão, ele era considerado o principal nome do Cartel de Cali fora da Colômbia e era responsável pelas operações de envio de cocaína da Bolívia para a organização colombiana.
Embora os vínculos de Carmen Lima Lobo com o capo do tráfico fossem conhecidos na Bolívia, os dois políticos mais poderosos do país abaixo do presidente Evo Morales jamais se privaram do convívio com ela. Além do padrinho político Juan Ramón Quintana, Carmen era do círculo próximo do vice-presidente Alvaro Garcia Linera.
Essa não foi a primeira vez que o traficante Lima Lobo foi pilhado pelas autoridades. Em 2012, ele foi preso quando embarcava cocaína e fuzis russos modelo AK-47 em um monomotor que seria despachado para o Brasil. Apesar do flagrante, ele foi posto em liberdade e nunca respondeu pelo crime.
Em julho deste ano, um dirigente do MAS foi preso em São Paulo com 100 quilos de cocaína. Romer Gutiérrez Quezada, segundo investigadores do caso, estava no Brasil aguardando a designação para vice-cônsul da Bolívia na capital paulista.
A cobertura diplomática dada a Quezada acendeu o sinal vermelho para as autoridades americanas. O envio de Quintana para comandar a embaixada em Havana não é tratado como uma mera movimentação política. A DEA (sigla em inglês da Agência Antidrogas dos Estados Unidos) tem informações de que Cuba é um importante hub para o envio de cocaína para os cartéis mexicanos e para os Estados Unidos.
Em 2015, quando desertou e fugiu para os Estados Unidos, Leamsy Salazar – que foi guarda-costas de Hugo Chávez e do poderoso Diosdado Cabello – relatou aos agentes federais as dezenas de operações de envio de cocaína da Venezuela para Cuba.
No mesmo ano, um “processo trabalhista” aberto na Justiça americana revelou detalhes de uma operação secreta que investigava Walter Álvarez Agramonte, o piloto do avião oficial do presidente Morales, e duas pessoas próximas ao vice-presidente Alvaro García Linera: seu pai, Raúl García, e seu amigo Faustino Giménez, um argentino que trabalha para o governo Morales. Segundo a investigação conduzida pela DEA, foram coletadas evidências suficientes para o indiciamento dos investigados.
A referência a Raul García, que morreu em 2011, reforçou informações divulgadas por VEJA em 2012. Autoridades bolivianas, à revelia do governo, investigaram as relações do pai do vice-presidente com o tráfico. Segundo os informes, ele recebeu um apartamento como pagamento por usar sua influência para designar um corrupto como chefe da aduana do aeroporto de Viru-Viru, em Santa Cruz de la Sierra, de onde saem grandes carregamentos de cocaína para o Brasil.
A mesma reportagem de VEJA, chamada A República da cocaína, também mostrou que outros membros dos círculos íntimos e de poder de Evo Morales estavam intrinsecamente conectados com o tráfico. Em 2010, Juan Ramón Quintana e a ex-miss Bolívia Jéssica Jordan, então com 28 anos, foram fotografados entrando de mãos abanando e depois saindo com maletas da casa de um traficante.
Depois das revelações de VEJA, Jéssica seguiu ativa e operante no núcleo de governo. Foi candidata ao governo do Estado de Beni e depois foi enviada como cônsul da Bolívia em Nova York. No ano passado, ela foi “rebaixada” a vice-cônsul em Miami.
Assim como a presença de Quintana em Havana é objeto de atenção, a atuação de Jéssica no sul da Flórida tem sido acompanhada com lupa. Considerando que Cuba é um importante entreposto de cocaína boliviana e que Miami é a principal porta de entrada dessa droga nos Estados Unidos, os investigadores estão olhando bem de perto para que os diplomatas não voltem a se encrencar com traficantes.