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    porto velho, domingo 20 de outubro de 2024

A luta de menino para salvar família da fome após irmão morrer desnutrido na Somália

Salat foi enterrado a poucos metros de distância. Agora, seu túmulo está cercado por cabanas construídas pelos recém-chegados.


g1

Publicada em: 17/11/2022 15:13:58 - Atualizado

MUNDO: O irmão de Dahir morreu de fome. Agora, duas de suas irmãs enfrentam problemas de saúde e desnutrição.

O jornalista Andrew Harding, da BBC, voltou à cidade de Baidoa para visitar novamente esta família, forçada a fugir da pior seca da Somália em 40 anos, enquanto as autoridades pedem à comunidade internacional que reconheça a crise de segurança alimentar como uma emergência de fome.

Dahir, de 11 anos, abre caminho entre um aglomerado crescente de cabanas improvisadas na fronteira de Baidoa, em direção a uma escola com telhado de zinco perto da estrada principal.

Ele está usando a única calça e camisa que tem, e segurando seu outro bem — um livro didático novo.

O único professor da escola, Abdullah Ahmed, de 29 anos, escreve os dias da semana em inglês no quadro, enquanto Dahir e talvez 50 colegas de turma recitam: "Sábado, domingo, segunda...".

Por alguns minutos, uma explosão de interesse revigora as crianças, mas logo os bocejos e as tosses recomeçam— sinais da fome e das doenças que ecoam, como uma trilha sonora sombria, pelo planalto de terreno rochoso nos arredores de Baidoa, cidade que se tornou um refúgio nos últimos meses para centenas de milhares de pessoas que tentam escapar da pior seca a atingir a Somália em 40 anos.

"Acho que pelo menos 30 dessas crianças não tomaram café da manhã. Às vezes, elas vêm até mim contar que estão com fome", diz Ahmed.

"Elas têm dificuldade para se concentrar e até mesmo para vir à aula."

Seis semanas antes, em nossa outra visita a esta região no sul da Somália, Dahir estava sentado, aos prantos, ao lado da mãe, Fatuma, na entrada da frágil cabana improvisada da família.

Alguns dias antes, seu irmão mais novo, Salat, havia morrido de fome após a viagem que fizeram para Baidoa, deixando para trás a zona rural duramente castigada pela seca.

Salat foi enterrado a poucos metros de distância. Agora, seu túmulo está cercado por cabanas construídas pelos recém-chegados.

"Estou preocupado com minhas irmãs. Lavo para elas. Lavo os rostos delas também", diz Dahir, olhando para Mariam, de seis anos, que tem uma tosse rouca e reclama de dor de cabeça, e depois para Malyun, de quatro anos, com os olhos profundos, sentada em estado letárgico sobre os joelhos da mãe.

"Ela está quente. Acho que está com sarampo. As duas podem estar com sarampo", diz Fatuma, colocando a mão na testa de Malyun.

Casos de sarampo e pneumonia se espalharam por Baidoa nos últimos meses, matando muitas crianças pequenas, cujos sistemas imunológicos foram enfraquecidos pela desnutrição.

No hospital provincial de Baidoa, médicos e enfermeiras se movimentam entre os leitos no centro de terapia intensiva, colocando acessos para soro nos bracinhos magros dos bebês e catéteres para oxigênio em suas pequenas narinas.

Os membros de várias crianças estão escuros e cheios de bolhas — como se fossem queimaduras graves —, uma reação dolorosa à fome prolongada.

"Recebemos mais alguns suprimentos [de ajuda humanitária]. Mas ainda não o suficiente", diz Abdullahi Yusuf, médico-chefe do hospital.

Seis semanas antes, ele descreveu a situação como "aterrorizante". Hoje, ele reconhece uma ligeira queda no número de internações, mas explica que isso provavelmente se deve a alguns dias de chuva que afetaram algumas estradas de terra e levaram algumas famílias a se concentrarem em tentar plantar, em vez de levar crianças doentes para o hospital.


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