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porto velho, sábado 20 de setembro de 2025
No grupo de WhatsApp da ajudância de ordens do Palácio do Planalto durante o governo Jair Bolsonaro, há um retrato preciso do negacionismo que predominava no governo sobre a pandemia do coronavírus.
O conteúdo consta na quebra de sigilo das mensagens do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, agora analisadas pela Polícia Federal (PF).
A Covid-19 era chamada de “peste” ou “peste chinesa” pelos assessores. Em 25 de fevereiro de 2021, o ajudante de ordens Osmar Crivellati informou: “Silvio [Kammers] deu positivo o exame de COVID (sic), disse que está bem, sintomas normais da peste”.
Cid respondeu: “Perfeito!”. Kammers também fazia parte da ajudância de ordens.
Embora os ajudantes de ordens tenham se mobilizado no velório e na assistência à família de Kammers, o Palácio do Planalto tentou abafar a notícia e só publicou sobre a morte no Diário Oficial da União (DOU) cinco dias depois.
No dia 5 de março, o grupo tomou conhecimento de que a esposa do motorista Frota ligou e pediu ajuda para conseguir uma vaga de internação em um hospital em Brasília – supõe-se que para seu marido, que estava doente.
O mês de março foi um dos mais letais da pandemia, com hospitais lotados. Naquela época, o governo Jair Bolsonaro estava atrasado na compra de vacinas, disponíveis em outros países em escala muito maior do que no Brasil.
O grupo também espalhava desinformação sobre o tema. Em 23 de março de 2021, Cid enviou informações falsas sobre a eficiência do “tratamento precoce”, termo que bolsonaristas usavam para se referir a remédios comprovadamente ineficazes defendidos por eles.
“O protocolo do tratamento precoce funciona!”, disse mensagem encaminhada por ele. “Principalmente se for aplicado corretamente, por pessoas idôneas, como foi o caso do médico militar, tenente Canela, nesse depoimento emocionado do paciente. Mais uma vez, #BolsonaroTemRazao.”
Em junho, quando outro assessor do Planalto adoeceu, Cid buscou saber se ele estava “tomando tudo” de medicação, possivelmente se referindo a drogas ineficazes.
Crivelatti repassou as perguntas ao assessor, um sargento, que, por sua vez, mandou uma foto de sua receita médica. Cid fez mais perguntas sobre a medicação, mas em um áudio, ao qual a coluna não teve acesso.
Era comum que o grupo da ajudância de ordens fosse usado para entrar em contato com negacionistas com quem eles se solidarizavam, como uma médica de Camaquã (RS) demitida por usar remédios ineficazes contra a Covid-19.
“Camaquã está em polvorosa porque o hospital demitiu uma médica que receitava tratamento precoce e tentava, para pacientes terminais, alguns tratamentos experimentais que estão sendo usados com sucesso”, escreveu Cid no grupo.