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porto velho, terça-feira 26 de novembro de 2024
RONDÔNIA - A prospecção de candidatos a novos fármacos contra doenças tropicais negligenciadas – Chagas, Leishmaniose, Malária, entre outras – é o trabalho do físico e doutor em biologia Fernando Zanchi, na Fundação Oswaldo Cruz Rondônia (Fiocruz), desde 2014.
Ele acredita na possibilidade de desenvolvê-los em Porto Velho. “A diferença é que, ao contrário do que acontece com os laboratórios mundiais, a fonte está à nossa porta”, diz Zanchi.
Apoiado desde 2014 pela Fundação de Amparo ao Desenvolvimento das Ações Científicas e Tecnológicas e à Pesquisa do Estado de Rondônia (Fapero), inicialmente Zanchi construiu a proposta de um modelo experimental molecular que contempla diversas plantas – andiroba, copaíba sangue de dragão e sucupira, entre elas – e toxinas de serpentes, entre elas, a jararaca.
“O ideal é vermos uma indústria farmacêutica estabelecida aqui, trabalhando em parceria com a Fiocruz-RO e dando continuidade à pesquisa”, prevê o pesquisador.
Desta maneira, segundo ele, a aplicação e objetivo final do projeto é instalar uma plataforma profissional de prospecção racional de fármacos, através da purificação de moléculas da biodiversidade seguida do teste contra outras moléculas, também isoladas, do causador da doença.
Sangue de dragão extraído de árvore amazônica
O primeiro impacto da pesquisa é a formação de mentes alinhadas com tecnologias contemporâneas. Estes serão multiplicadores que atuarão cada vez mais na diminuição das distâncias técnico-científicas na comunidade local.
“A pesquisa do doutor Fernando usa tecnologia de ponta: bioinformática aplicada, clonagem e expressão moleculares, espectrofotometria, cromatografias comum e de alta performance, química medicinal, teste de interações moleculares in silico e in vitro usando ressonância plasmônica de superfície (SPR em inglês)”, assinala o presidente da Fapero, Leandro Soares Moreira Dill.
Desde 2014, dos 12 alvos moleculares de patógenos pré-selecionados, quatro modelos foram bem solidificados. Conforme Dill, em 2016 foi possível duplicá-los, e dependendo dos recursos, aumentá-los ainda mais.
Ele lembra que no parasito e no ser humano, estes alvos moleculares são distintos, portanto é racional pensar que os efeitos tóxicos sejam mitigados, daí a vanguarda na busca de novos fármacos. “Quando uma patente dá certo, o projeto será sustentável”, ele acredita.
PESQUISA NÃO PODE PARAR
O que seria anormal para outros profissionais, no Laboratório de Bioinformática e Química Medicinal do Centro de Estudos em Biomoléculas (CEBio) da Unir faz parte do cotidiano. “Para não perdermos amostras e tudo sair a contento, a pesquisa é ininterrupta”, diz o professor doutor Fernando Zanchi referindo-se ao ritmo de trabalho da equipe.
Zanchi (E) mostra molécula da jararaca na sala de bioinformática
“E também para garantir a cultura de células de quatro em quatro e de seis em seis horas”, acrescentou. A equipe do laboratório tem brasileiros de Rondônia, de outras regiões e até do Paraguai, todos eles vivenciando o velho lema, segundo o qual, a ciência não tem fronteira.
Avalie-se a modernidade do laboratório: um dos equipamentos funciona à temperatura de 86 graus Celsius negativos. São aparelhos caros e de cara manutenção.
Por exemplo: a manutenção dos chamados “olhos da máquina”, parte mais sensível do aparelho de ressonância plasmônica de superfície custa R$ 22 mil a cada seis meses. Segundo explica a bióloga e pesquisadora doutora Geisa Evaristo, ele faz ao teste de interação entre moléculas candidatas a fármacos e moléculas de patógenos.
O entusiasmo no trabalho não esconde a angústia com o congestionamento de recursos à ciência. “Precisamos nos igualar às notas cinco obtidas do Capes* por instituições da região sul e sudeste, queremos debater agora a obtenção de recursos para o futuro que está bem próximo”, diz a gerente administrativa do CEBio, Érika Soares.
Ela justifica: “Nossa comunidade intelectual científica encontra-se em formação e dela será exigido que faça parte do desenvolvimento regional e amazônico. Como será esse futuro?”.
Laboratório usado por pesquisadores da Fiocruz-RO funciona ininterruptamente
A equipe trabalha nas três frentes de ação do projeto, com especialização em cada uma:
Frente 1 – Desenvolvimento e manutenção de uma coleção de alvos moleculares vitais (enzimas) dos patógenos causadores de doenças como Malária, Leishmaniose e Chagas.
Frente 2 – Prospecção e purificação de moléculas provenientes, derivadas ou inspiradas na biodiversidade local (plantas, fungos, serpentes e anuros).
Frente 3 – Avaliação do nível de bloqueio e da interação entre as moléculas candidatas a fármacos e os alvos moleculares dos causadores de doenças.
ENDEMIAS MATAM ATÉ UM MILHÃO DE PESSOAS POR ANO
Doenças negligenciadas são aquelas doenças causadas por agentes infecciosos ou parasitas e são consideradas endêmicas em populações de baixa renda, especialmente entre as populações pobres da África, Ásia e América Latina. O baixo acesso à água e a falta de saneamento básico contribuem para a disseminação dessas doenças.
Anualmente, causam juntas entre 500 mil e um milhão de óbitos. Elas são as principais causas de morbidade e mortalidade em todo o mundo.
Também contribuem para a manutenção das desigualdades entre os países, pois são um entrave para o seu desenvolvimento. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, 1/6 da população mundial (por volta de 1 bilhão de pessoas) estão contaminadas com uma ou mais doenças, podendo causar incapacidade ou morte.
São exemplos de doenças negligenciadas: dengue, doença de Chagas, esquistossomose, hanseníase, malária, tuberculose, doença do sono (tripanossomíase humana africana), leishmaniose visceral (LV), filariose linfática.
MALÁRIA
Em Rondônia, casos de infecção de malária aumentaram 13% em 2018, se comparado ao ano anterior. O estado teve mais de sete mil casos distribuídos em 34 dos 52 municípios. Porto Velho teve o maior índice: 3294 casos. Historicamente, os períodos chuvosos de setembro a outubro são os meses de maior ocorrência.
CHAGAS
O bicho barbeiro, causador da doença de Chagas, ainda é encontrado em áreas urbanas. Em Rondônia ocorreram dois novos casos da doença no início de 2019. Repetidas vezes, o doutor em Biologia Experimental e diretor geral do Centro de Pesquisa em Medicina Tropical (Cepem), Mauro Tada, queixa-se: investimentos nessa área são escassos e isso acarreta, inclusive, o comprometimento do diagnóstico e o tratamento de pacientes. “No Brasil, estamos há décadas e décadas com essa doença, e o medicamento utilizado é o mesmo, desde que ela foi descoberta pelo médico Carlos Chagas”, salientou. O primeiro caso de doença de Chagas por transmissão vetorial (infecção causada pela picada do barbeiro) ocorreu na zona rural do município de Cujubim (Vale do Jamari), em dezembro de 2018.
LEISHMANIOSE
Leishmaniose, doença com alto índice de manifestação em Rondônia, teve 2.175 casos entre 2017 e 2018, informa a Agência Estadual de Vigilância em Saúde (Agevisa). Só em 2019 ocorreram 226 registros. Até o ano passado eram conhecidas 131 espécies de mosquitos causadores da doença, entretanto, estudo publicado na revista periódica Brazilian Journal Of Biology destaca quatro novas ocorrências de espécies de flebotomíneos, elevando o número para 135.
PESQUISADORES
No dia da entrevista para a composição desta matéria ali estavam com o doutor Fernando Zanchi: Geisa Evaristo, Bióloga, Pesquisadora da Fiocruz, lidera a Frente 2 e também integra a Frente 3 de ação; Ana Gomes, Paraguaia, bióloga pós-doutoranda em Biologia Experimental, bolsista da Fapero, lidera a Frente 1 de ação; Jorge Alfonso, paraguaio, pós-doutorando pelo Instituto Nacional de Epidemiologia na Amazônia Ocidental – EPIAmo – Fiocruz-RO; Bruno Morales, doutorando do Programa de pós-graduação em Biologia Experimental pela Fiocruz/Unir; Jorge Azevedo de Oliveira, doutorando em Biologia Computacional e de Sistemas na Fiocruz-RJ e RO; Iolanda Oliveira, doutoranda em Biologia Parasitária da Fiocruz-RJ e RO; Ygor Antunes, doutorando em Biologia Parasitária da Fiocruz-RJ e RO; Érika Soares, gerente administrativa do CEBio; Sharon Aragão Macedo, bióloga, pesquisadora voluntária, bolsista da Fiotec (Fundação de Apoio à Fiocruz); Yasmin Vergani, biomédica, mestranda em conservação e uso de recursos naturais; Eduardo Botelho, Cientista da Computação bolsista Fiotec (Fundação de Apoio à Fiocruz); Thales Gomes Bolsista Fiocruz de iniciação tecnológica (PIBIT) em ciências da computação.
* Capes é a sigla da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, vinculada ao Ministério da Educação.