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porto velho, sábado 1 de março de 2025
Agradeço aos leitores/leitoras pelas sugestões de temas e vou contemplar a todos e todas. Mas hoje, volto ao Oscar. De fato, não tenho me impressionado com cinema, embora reconheça que está pulsante. Quando se fala de animação, me impressiono bem menos: Sou do tempo de “speed-buggy” e “Os impossíveis e Frankestein Jr.” na TV (sei que alguns nem saberão do que falo, mas colocarei nas referências (risos)). Mas assisti “FLOW” ... e estou com um nó na garganta até agora. E ao me ver escrevendo, minha gatinha Jéssica (esse é o nome dela mesmo) até foge, porque quando cheguei em casa abracei-a tanto que ela se assustou com tanto afago. Você ainda não assistiu? Devia.
Que produção é essa?
Flow é uma produção independente da Letônia (Sim, também faltei nessa aula de Geografia. Então coloquei informações em nosso saiba mais). Não tem diálogos, todos os sons foram capturados da natureza e as músicas criadas especialmente para o filme não são nem estridentes, nem mecânicas. Algo que realmente me fascina e anima – com base nas informações e no contexto da obra Flow – é que tenha utilizado recursos de código aberto na sua produção, contrariando a tendência das grandes produções que geralmente utilizam softwares proprietários e caros. O filme foi animado com o software de código aberto Blender, que é uma ferramenta poderosa e gratuita para modelagem 3D, animação, renderização e muito mais. O uso de ferramentas de código aberto permitiu a criação de um filme visualmente impressionante com um orçamento relativamente modesto para o setor, em torno de 3,5 milhões de euros. Este é um exemplo inspirador de como a tecnologia acessível pode ser utilizada para produzir obras de alta qualidade. Demorou três anos para ser produzido. Oh Deus: que alívio ir ao cinema e não ver aquelas personagens se esgoelando em músicas de “moral pronta”, em um mundo de clichês e objetos nominados! e sem antropormiformização. Você não viu? Devia.
Que mundo é esse?
Flow não tem título, nem uma narrativa “de-lá-para-cá”. Tem intensidade. Somos nós. Somos nossa intimidade. Nenhum dos personagens (que não são personagens) tem um nome, nem é batizável. E isso é genial. Quando ao início do filme a gatinha olha para o céu por meio do reflexo na água e antes do cataclisma que lhe afeta, tudo ao que pertence ou estranha são signos de “bando”, de “grupo”, de “iguais”, eu me intriguei: o que podem fazer tantos iguais que podem ser diferentes? Entre zebras (o pesadelo) e peixes (o igual diverso), qual é o certo para sobreviver? E, ao final do filme, quando volta a olhar o céu novamente pelo reflexo da água, e tudo o que nota é um reagrupamento e se vê impotente porque não tem um igual, a mágica acontece: é no inesperado, na distinção, no diverso afetivo, colaborativo e autêntico que se constitui um mundo que pode ser nutrido pela solidariedade e um compromisso sustentado por construções genuínas. E isso é possível! Parabéns ao Diretor Gints Zilbalodis porque criou uma obra artística que – à mim, em especial – alenta. A (suposta) diversidade não é plástica, retórica, costumaz ou abandeirada: é vívida e está além de nós. É, inclusive, possível de ser aprendida. "Flow" é uma obra-prima animada que transcende as barreiras do cinema convencional. Um filme que não apenas conta uma história, mas também propõe uma nova forma de enxergar o mundo e a nós mesmos, SE dispostos a retirar as máscaras do bando e das fórmulas prontas. Para mim, os 50 prêmios já recebidos, e o fato de ser a primeira vez que Letônia está presente na cena hollywoodiana, é um detalhe inesperado e delicioso. Bem feito Hollywood (durmam com isso)! Não assistiu? Devia.
Contexto local.
Fico pensando no quanto nos esforçamos por “pertencer” mesmo que seja em um bando (ou para um bando) de cretinos/cretinas narcisistas, silentes ou malvados/malvadas. O quanto nós, incorporando dilemas identitários ou de costumes como pautas (inclusive) políticas, vomitamos jargões para sermos “aceitos” e não para defesa do que é, simplesmente, justo ou honesto primeiramente conosco? O pertencimento como comportamento de bando, grupo, gang ou tribo, subjugando-nos a lideranças matemáticas (como do voto, por exemplo) ou oprimindo antecipadamente e, apenas, pela suspeita de uma possível opressão vir, está muito patente. Dos sons de Flow, me deleito ao saber que as criações de Bira Lourenço (egresso da UNIR), bem e muito caberiam ali. A descrição da pesquisa sonora, me encantou. Fiquei me perguntando: quantas Garças teríamos em nossos locais de trabalho (grupos de pesquisa, gestores, estudantes, docentes, políticos, intelectuais, militantes...), capazes de compreender as circunstâncias do bem, do bom e do justo? E como o “senso comum” permite uma compaixão destruidora? Tudo isso é Flow. Nossa vida pessoal e profissional tem sido um pouco isso: de uma vontade e medo de morrer, resistimos em pequenos gestos para poder viver; muitas vezes gestos secretos, dolorosos no desejo por compartilhar algo, pertencer (ou fingir). E FLOW: saber que diversidade é conviver diversamente. Não assistiu? Devia. E não dei nenhum spoiler. Esse filme, não permite. (Agora que já chorei escrevendo aqui, vou abraçar a Jéssica de novo).
Fontes: Dá uma olhadinha?
Onde fica a Letônia e o filme Flow:
Flow criou o maior plot twist da categoria de Melhor Animação no Oscar. https://www.msn.com/pt-br/cine...ção-no-oscar/ar-AA1zR03w
'Flow': conheça a animação indicada ao Oscar que deixou a Letônia em clima de Copa do Mundo. https://oglobo.globo.com/cultu...
Sound Track FLOW (2024): https://www.soundtrack.net/alb...
Flow – Vivendo além de nós – crítica.
Speed Buggy – Hanna Barbera:
Os impossíveis e Frankstein Jr.