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porto velho, quinta-feira 26 de dezembro de 2024
BRASIL- No primeiro dia de liberdade depois de passar três anos e quatro meses preso por engano e sem nunca ter sido julgado, Júnior Gomes diz que quer recuperar o tempo perdido.
O primeiro passo é tirar os documentos e, depois, batalhar por um trabalho. "Agora é só vida nova, se Deus quiser, e cuidar das minhas filhas, graças a Deus. “Eu quero trabalhar. Eu não tenho formação, mas posso fazer tudo de limpeza: cato lixo, desentupo galeria, fossa, o que for preciso”, diz.
Júnior estava preso na Cadeia Pública de Juazeiro do Norte, no Sul do Ceará, suspeito de ter cometido um homicídio brutal no município de Jucás, na mesma região. Andarilho, sem residência fixa, Júnior Gomes foi levado para a delegacia e sequer passou por audiência de custódia, nunca foi ouvido por um juiz e nem passou por julgamento.
"Falei muito a verdade, fui preso porque eu sou andarilho de rua, não tenho onde morar. Me pegaram trabalhando, como suspeita, me jogaram na cadeia. Vim cadeia por cadeia para chegar aqui", lembra Júnior.
Ao deixar a cadeia, nesta terça-feira (7), Júnior foi para a casa da ex-sogra, Edileusa Gomes que, por coincidência, foi quem descobriu que ele estava preso. “O meu filho foi preso e, quando saiu, me disse que ele estava na cadeia. Tirei a minha carteirinha e fui visitar ele”. A ex-sogra nunca duvidou da inocência de Júnior. “Tenho certeza de que ele não fez nada, ele nunca fez mal para ninguém”, afirma.
Para conseguir reconstruir a vida, Júnior tem um pedido. “O que eu quero do povo é confiança, porque a gente sai de uma cadeia e já pensam que a gente é marginal. Eu espero que o povo veja que eu fui preso por engano e que agora eu mereço um trabalho para sustentar minha família”, diz.
Para provar a prisão injusta, Júnior Gomes contou com ajuda da advogada Eveliny Viviane Ramalho, da Comissão de Direito Penal e Penitenciário da OAB-CE. Após análise de documentos, ela identificou que havia dois culpados pelo mesmo crime. Os documentos que determinam a pena dos dois Júnior Gomes têm o mesmo número de processo. A advogada disse se vai pedir indenização ao Estado pelo erro.
Júnior Gomes foi preso em 2014 acusado de matar, decapitar, carbonizar e ocultar um cadáver. "Um crime bárbaro, que chocou a cidade de Jucás na época", lembra. O erro foi descoberto quando advogados da comissão da OAB fizeram visitas ao sistema penitenciário do Cariri, incluindo a Cadeia Pública de Juazeiro do Norte, onde o inocente estava detido. Os advogados notaram que havia dois presos com o mesmo nome, pagando pelo mesmo crime, mas detidos em cadeias diferentes.
As fichas mostram os homônimos, presos no caso com o mesmo número do processo, o que aponta a prisão irregular, segundo a OAB. Os documentos revelam que o Júnior Gomes culpado foi condenado por homicídio e cumpre pena em Caucaia, na Grande Fortaleza. Ainda assim, o Júnior Gomes inocente foi confundido e levado à delegacia de Juazeiro do Norte, sendo preso injustamente.
"O preso mesmo, do processo homicida, que cometeu o homicídio, ele é réu confesso. Ele, no interrogatório dele, confessa claramente o que fez, agora imagina se ele não confessasse", argumenta a advogada Eveliny Viviane. Com a descoberta do erro, ela coletou as provas e pediu a soltura de Júnior, determinada pela Justiça nesta terça-feira.
"Juntamos documentos, certidão [de prisão] de Juazeiro [do Norte], certidão de Caucaia e por último a perícia forense, que foi feita ontem [segunda-feira, 6]. E provamos o erro da prisão", explica a advogada. Ela comemora ter participação da libertação de um morador de rua, preso injustamente. "Foi a vontade de Justiça, envolve a razão e o coração, não é só um sem outro."
Segundo a Comissão da OAB, o autor do crime que está preso em Caucaia nunca foi chamado para audiência durante três e quatro meses. A Secretaria de Justiça, responsável pelo sistema penitenciário no Ceará, informou que o erro pela prisão de Júnior Gomes não é da pasta, mas da polícia, já que a identificação do preso foi confirmada pelos policiais.
A Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará, responsável pela atuação dos policiais, disse que está investigando o caso.