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    porto velho, sábado 11 de janeiro de 2025

Crônica de Fim de Semana: Uma história de amor e resiliência: 66 anos união

A história deles, indubitavelmente, é de resiliência e amor...


Redação

Publicada em: 11/01/2025 16:12:07 - Atualizado

Crônica de Fim de Semana: UMA HISTÓRIA DE AMOR E RESILIÊNCIA: 66 ANOS DE UNIÃO

Arimar Souza de Sá

Em uma esquina do tempo, lá pelas bandas de Carapanatuba, distrito de Humaitá-AM, às margens do Rio Madeira, ainda no século passado, dois corações amazonenses, seu Ary e dona Alayde, meus pais, encontraram-se em uma sinfonia que o destino ensaiava longeva, e graças a Deus tem sido!

Ele, um jovem ainda promissor e ela, uma moça em formação, decidiram unir os laços do matrimônio e cheios de sonhos aportaram em Porto Velho. Ele veio servir o quartel na Terceira Companhia de Fronteira, hoje Décima Sétima Brigada e, juntos, resolveram negociar com o tempo para desbravar novos horizontes, deixando para trás as águas caudalosas da cidade ribeirinha onde nasceram para abraçar a imensidão de matas de Porto Velho, um lugar, à época ainda sonolento, que no momento da chegada, tateava seus primeiros passos como cidade.

O cenário quando chegaram por aqui era rústico, sem asfalto, com ruas de terra que levantavam poeira sob o sol impiedoso e, quando chovia como ocorre até hoje, se transformavam em um desafio de lama e buracos. Mas mesmo assim, não perderam a vontade pela luta, porque não almejam o luxo, estavam sendo movidos por esperança e coragem para vencer.

Aqui, ergueram no bairro Baixa do União, região central da cidade, não só uma casa de taipa, mas um lar, na acepção da palavra e acabaram moldando um exemplo de união e persistência. Na verdade, de mãos dadas, transformaram as diferenças em cumplicidade, como duas margens que se encontram no reflexo das mesmas águas...

Foi nesse solo que seu Ary e dona Alayde, cultivaram sua família: sete filhos, como sete estrelas que, para eles, iluminam suas noites. Seis homens, uma mulher e dois que partiram cedo demais, deixando saudades eternas.

A história deles, indubitavelmente, é de resiliência e amor. Ao longo de 66 anos de casamento, vivem hoje na velhice a poesia das alegrias cotidianas de ver os filhos todos formados, ou a prosa das dores inevitáveis da idade e da vida.

À vera, juntos, aprenderam a lidar com os defeitos um do outro — como troncos firmes da mesma árvore - que resistiram, sem vergar, as tempestades da vida, cujo tempo, agora, mais parece um riacho insistente desgastando as pedras da vitalidade de seus corpos, nas dores inconstantes de que tanto reclamam.

Ele, hoje, com seus 92 anos, é a rocha que sustenta o patriarcado dos ; ela, com 82, é o fogo que aquece a dinastia dos SOUZA e cada coração dos filhos, ‘ralhando’ sempre, sem cerimônia, quando algo não lhe desagrada. Mas diabética, teimosa, não pode ver um docinho que quer provar, e quando contestada, não aceita, fica 'braba'. 

Ambos construíram com as mãos e o suor do próprio rosto; um lar, e com o cuidado e dedicação, mantém tudo de pé. A mesa farta, o café quente, banana frita, o bolinho de chuva, e as histórias compartilhadas, são testemunhas de um amor que resistiu às intempéries do tempo.

Os filhos cresceram e, hoje, estão todos formados, vendo nos pais um modelo de vida. É que o casal, rígido, não admitiu e nem admite picaretagem dos filhos e ensinou que amar não é ausência de conflito, mas sim a disposição de reconstruir, sempre que necessário. 

Quando perderam dois filhos, choraram juntos, abraçaram a dor e, hoje embora muitos machucados pelas perdas, seguem lado a lado, como troncos que, mesmo marcados por tempestades, continuam de pé na subida íngreme da vida. Suas mãos, entrelaçadas, são um símbolo de tudo o que conquistaram.

Hoje, com cabelos brancos e rugas que contam histórias de quando chegaram no então território do Guaporé, ainda caminham de mãos dadas. O território se transformou em Estado, Porto Velho cresceu e mudou, mas o amor deles permaneceu imutável, como uma árvore centenária que resiste ao tempo. 

Cada gesto, cada sorriso trocado, cada olhar cúmplice, ou as briguinhas de vez em quando, são um lembrete de que o amor verdadeiro é construído dia após dia, na simplicidade de estar juntos, na alegria e na dor. 

E nessa história de pioneirismo e afeto, fica uma lição para os filhos: o amor é como o Rio Madeira que banha Porto Velho — ora caudaloso, como as emoções mais intensas, ora tranquilo, ora seco, mas como a paz de dias ensolarados, sempre constante, atravessando gerações e deixando um legado de esperança e força.

E assim, com 66 anos de história compartilhada, completados ontem, 10 de janeiro, eles seguem escrevendo sua crônica — um romance que o tempo jamais apagará e que, com muito orgulho, eu, como primeiro filho do casal, faço questão de registar agora.

Flores em vida! Palmas para os meus papais!

O autor é jornalista, advogado e apresentador do Programa A VOZ DO POVO, da Rádio Caiari, FM, 103,1.


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