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    porto velho, sábado 18 de janeiro de 2025

Porto Velho de Ontem e de Hoje - Entre lembranças e lamentos - Arimar Souza de Sá

O progresso, embora necessário, trouxe consigo uma bagagem pesada de desafios que a cidade ainda aprende a gerir...


Redação

Publicada em: 18/01/2025 10:14:00 - Atualizado

Foto: edição Rondonoticias

Porto Velho de Ontem e de Hoje - Entre lembranças e lamentos 

*Arimar Souza de Sá

Quem vê Porto Velho envolta na violência brutal de hoje, muito mistério e dor, nem imagina que outrora foi uma  cidade, cuja história se entrelaça com a nostalgia de um tempo que, hoje, parece um retrato desbotado pendurado na parede do tempo que passou.

Isso mesmo! No passado, Porto Velho fora a capital rústica de Rondônia que, quando o trem apitava na Estrada de Ferro Madeira Mamoré, a cidade ainda dormia. E foi também, palco de um cotidiano onde a simplicidade e a segurança eram os verdadeiros protagonistas de um cenário amazônico pitoresco e feliz.

Naquela época, a vida na capital rondoniense transcorria sem pressa, iluminada pelas poucas luzes que piscavam nas casas de janelas abertas e pela programação da Rádio Caiari. A criminalidade era um fantasma tão distante que nem os ecos de suas possibilidades perturbavam o sono dos moradores. Nas ruas, não havia asfalto, mas sim histórias de respeito mútuo dos pioneiros que pavimentavam os caminhos para a cidade fluir, e uma paz, cuja atmosfera, praticamente dançava no ar.

Os moradores viviam em harmonia, conectados pela linha de ferro e o vai e vem dos barcos que subiam e desciam no Rio Madeira. A economia girava em torno do transporte de borracha e castanhas, e a fauna exuberante da região complementava o cenário de beleza natural intocada.

Os indígenas, parte integrante dessa tapeçaria cultural, eram conhecidos por suas habilidades com arco e flecha, e as histórias de suas interações com os moradores locais eram contadas pelos adultos e, por vezes, com medo pela garotada que ouvia, e noutras com admiração. A bicharada, como chamavam os animais selvagens, também tinha seu espaço garantido na festa da biodiversidade local. Era um tempo de araras e papagaios que voavam livremente, confundindo-se com o verde da floresta, cujos limites da cidade ficava ali pelo Mercado do KM 1 na Sete de Setembro com Rua Brasília. 

As crianças cresciam, cultivando enorme respeito aos pais e observando essas maravilhas, enquanto os adultos se reuniam nas frentes das casas para um bate-papo agradável ou no estádio Aluízio Ferreira para vibrar com as partidas de futebol do Moto Clube, Flamengo, Ferroviário, São Domingos, Cruzeiro, Botafogo, dentre outros.  E os fins de semana eram marcados por missas na Catedral do Sagrado Coração de Jesus e pelos fantásticos Sermões de João Batista Costa, que reuniam a comunidade religiosa, com os homens vestidos de terno de linho branco, engomado, estalando...

Mas o progresso, embora necessário, veio e alojou no silêncio o Porto Velho de ontem, e o Porto Velho de hoje pinta um quadro bem diferente e desolador. A 'desgovernança' tem sido um pincel que, com traços desordenados, vem redesenhando a cidade com cores de medo e desconfiança. 

Nos últimos dias, a violência, que antes mal se ouvia falar, se manifestou com uma ferocidade alarmante. As autoridades da segurança dormiram no berço da inércia e  marginalia tomou conta. Nas últimas semanas a cidade é palco digno dos  filmes de Alfred Hitchcock. 

Notícias de mortes, incêndios criminosos em ônibus, execuções em série nas periferias, e uma criminalidade que cresce tão implacavelmente quanto a cidade, têm deixado os cidadãos acuados, transformando residências em fortalezas e quintais em pequenos campos de batalha onde cães são mais sentinelas do que companheiros.

Estranhamente, a cada novo amanhecer, os moradores acordam atordoados para saber quantas mortes ocorreram nos condomínios populares da cidade. Incidentes assim, crescem a perplexidade e o lamento por um Porto Velho se perdeu completamente no tempo e espaço. 

O progresso chegou como esperado, mas  trouxe consigo uma bagagem pesada de desafios que a cidade ainda aprende a gerir. Enquanto isso, os moradores se apegam às memórias de um passado mais gentil, questionando se o preço da modernidade tão esperada, não teria sido alto demais.

Sem apreço algum, os governantes construíram nas periferias da cidade diversos conjuntos habitacionais, mas possivelmente para se ver livre do problema da falta de moradia, empurraram os pobres para as cercanias do centro da cidade, mas, sem sequer, dar-lhes, qualquer infraestrutura, principalmente de segurança. Sendo assim, a bandidagem deu as cartas e está 'cantando de galo', diante de policiais esforçados, coitados, enxugando gelo...

Assim, lamentavelmente, o Porto Velho de ontem é agora uma lembrança distante, um sussurro de tempos mais inocentes que ressoa dolorosamente nos ouvidos daqueles que conheceram a cidade por suas manhãs solares na quadra do Ferroviário e suas noites tranquilas de serestas nos poucos clubes que a cidade possuía...

E enquanto a capital rondoniense enfrenta seu presente turbulento, seus filhos, natos ou adotivos, olham para trás, para a história feliz, esperando encontrar ali alguma chave que desvende o caminho para um futuro onde o medo não continue sendo o senhor próximos dos dias.

Assim, entre o passado reverenciado e o presente desafiador, Porto Velho continua sua jornada, navegando em águas, turbulentas, de seu próprio Rio Madeira da existência, buscando no curso da história as respostas para uma paz que, hoje, parece tão fugidia quanto as sombras de um novo entardecer.

PORTO VELHO DE ONTEM, NUNCA MAIS!

*O autor é jornalista, advogado e apresentador do Programa A VOZ DO POVO, da Rádio Caiari, FM, 103,1.


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