• Fundado em 11/10/2001

    porto velho, terça-feira 15 de abril de 2025

Crônica: Quando água sobe, a dor emerge e a irresponsabilidade afunda

A cada novo alagamento, cresce a percepção de que, entre os barrancos que desmoronam e as casas inundadas, quem mais sofre é quem menos é ouvido...


Redação

Publicada em: 13/04/2025 11:58:01 - Atualizado

imagem divulgação

CRÔNICA DE FIM DE SEMANA

Quando água sobe, a dor emerge e a irresponsabilidade afunda

Arimar Souza de Sá

Rondônia enfrenta, mais uma vez, um cenário já conhecido: rios transbordando, famílias desabrigadas, perdas materiais e humanas.

Porto Velho, capital do estado, convive com caos na repetição de uma tragédia que há muito deixou de ser surpresa para se tornar rotina nesta época do ano. As chuvas voltam a escancarar a vulnerabilidade de populações inteiras, que vivem à margem não só dos rios, mas também das políticas públicas necessárias que estancaria essa dor.

Ano após ano, as cheias são tratadas com improviso. A lógica de “remediar depois” persiste, enquanto medidas preventivas seguem ausentes do planejamento de governos em todas as esferas.

O Brasil, com sua extensão continental e suas realidades distintas, precisa de um plano estruturado e permanente para lidar com os efeitos das chuvas e os impactos das mudanças climáticas. Não se pode continuar navegando em mar revolto com um barco, furado desde o ano anterior, de promessas políticas.

Ora, em Rondônia, o drama dos ribeirinhos não se resume à perda de bens. Trata-se da perda da dignidade, da sensação de abandono e do desgaste psicológico de viver em constante estado de alerta. São cidadãos vivendo com os pés na lama e os olhos na esperança, esperando por um resgate que nunca vem.

A cada novo alagamento, cresce a percepção de que, entre os barrancos que desmoronam e as casas inundadas, quem mais sofre é quem menos é ouvido.

A resposta do poder público tem sido tímida. enquanto a Defesa Civil e os bombeiros — verdadeiros heróis anônimos — se desdobram para salvar vidas, o Estado falha em garantir o básico: infraestrutura, contenção, apoio contínuo e moradia digna. O poder se esconde sob o guarda-chuva da burocracia, mesmo quando a tempestade já virou dilúvio.

É urgente, pois, que o governo federal lidere a criação de um órgão específico voltado à proteção das bacias hidrográficas brasileiras, que integre ações de reflorestamento, desassoreamento, proteção de encostas e implantação de sistemas de alerta. Cuidar da natureza é cuidar da vida. Rios abandonados se tornam veias entupidas de um organismo doente — e quando transbordam, é o grito de um corpo em colapso. E os rios, quando desprezados, se tornam espelhos do que o poder se recusa a enxergar: a própria omissão.

Não se trata apenas de obras. Trata-se de justiça social. Enquanto milhares vivem à mercê do clima, os governos seguem empurrando o problema com a barriga, como se perder tudo fosse um detalhe, como se reconstruir a vida fosse simples, em um estalar de dedos. Mas quem já teve o lar levado pela correnteza sabe que a dor não se seca com o tempo, e que as promessas molhadas da política evaporam antes de virar ação.

A dor de quem vê sua casa ser engolida pelas águas, ano após ano, precisa ser tratada com seriedade. É inadmissível que em pleno século XXI ainda estejamos lidando com enchentes como se fossem eventos imprevisíveis. A previsibilidade do desastre torna ainda mais gritante a irresponsabilidade de quem deveria preveni-lo.

Entre o barranco, o improviso e o cidadão, é preciso escolher o cidadão. Porque enquanto a água sobe, o silêncio das autoridades se torna ainda mais profundo. E se não houver ação agora, o próximo ano será apenas mais uma página molhada no diário da negligência governamental, e a próxima enchente vem  "braba", e certamente vai levar embora o que ainda resta de esperança.

AMÉM!


Fale conosco