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    porto velho, sábado 26 de julho de 2025

As cabeças que construíram Rondônia precisam de um ‘Eco Eterno’

A maioria dos jovens rondonienses talvez nem imagine. Mas os primeiros passos da civilização em Porto Velho foram dados por mãos calejadas, vindas de longe...


Arimar Souza de Sá

Publicada em: 25/07/2025 14:45:22 - Atualizado

CRÔNICA DE FIM DE SEMANA

AS CABEÇAS QUE CONSTRUÍRAM RONDÔNIA PRECISAM DE 'ECO ETERNO'

Arimar Souza de Sá

foto - edição Rondonoticias

A maioria dos jovens rondonienses talvez nem imagine, mas os primeiros passos da civilização em Porto Velho foram dados por mãos calejadas, vindas de longe, guiadas pelo apito das locomotivas e pelo sopro de sonhos que buscavam uma vida melhor.

Aluízio Ferreira foi o primeiro diretor-geral da Madeira-Mamoré e também o primeiro governador do Território do Guaporé. Depois chegaram os negros barbadianos — os Shockness, os Johnsons, os Maloney e tantos outros — nos primórdios da ocupação, atraídos pela missão hercúlea, e para muitos trágica, de erguer a lendária Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.

Vieram em seguida os arigós, os chamados “soldados da borracha”, convocados sob a clarinada de Getúlio Vargas, que clamava por heróis capazes de sustentar o esforço de guerra com o sangue extraído das seringueiras.

E por fim, aportaram os destemidos desbravadores sulistas, empunhando a enxada com uma mão e a esperança com a outra, atendendo ao chamado visionário do governador Jorge Teixeira. Eles se embrenharam nos cafundós da floresta rondoniense e transformaram mata em cidade, trilha em rodovia, silêncio em progresso.

Embora o tempo tenha avançado, Rondônia tenha florescido em conhecimento e o agronegócio tenha se firmado como pilar econômico, a modernidade se esqueceu das raízes. Ignorou os alicerces sobre os quais tudo foi edificado. Desprezou aqueles que pavimentaram, com suor e sacrifício, a trilha por onde todos hoje transitam.

Esquecê-los é como venerar as areias sopradas pelo vento nas praias, onde as pegadas desaparecem sem deixar saudade. É abdicar do nosso próprio reflexo. É uma injustiça. Um tapa no rosto dos filhos que esses heróis deixaram por aqui.

Preservar a memória desses homens e mulheres é mais que dever: é compromisso cultural. No entanto, o que se vê é o abandono. Os administradores parecem querer apagar os registros históricos dos nossos pioneiros, banindo seus nomes como o mar desfaz os traços na areia. Um exemplo gritante é o estado de descaso com o prédio onde funciona o Palácio Getúlio Vargas — hoje, Museu Histórico do Estado.

Sem memória, o presente é apenas uma névoa suspensa no horizonte: sem rumo, sem propósito, sem identidade. E o futuro, um eco vazio, sem substância...

Os construtores de Rondônia não podem ser recordados apenas como reflexos no espelho d’água ao nascer do sol. Seus nomes devem estar eternizados em lápides, avenidas, escolas, ruas, monumentos e marcos de fundação. Precisam habitar nossa paisagem urbana e fazer parte da consciência coletiva — principalmente dos jovens, que não os conheceram e, em muitos casos, sequer ouviram falar deles.

Afinal, quem seríamos sem eles?

O capitão Sílvio Faria, primeiro responsável pelo IBRA — atual INCRA — plantou piquetes e, em seguida, cidades. O Padre Vitor Hugo fundou a Rádio Caiari e levou cânticos de esperança às brenhas da hinterlândia rondoniense.

Esron de Menezes foi intendente de Aluízio Ferreira e criador do Corpo de Bombeiros. Wadih Darwich, foi governador do Território de Rondônia. Dona Marise Castiel, nossa grande educadora, alicerce do ensino em Porto Velho.

Humberto Guedes e Jorge Teixeira: o primeiro preparou o terreno; o segundo transformou o território em Estado. Jerônimo Santana foi o primeiro governador eleito. Fouad Darwich e Abílio Nascimento abriram caminhos no campo jurídico. Os médicos Ary Pinheiro, Lourenço Pereira Lima, Rachid Jaudy e Hamilton Gondin foram pioneiros na nobre missão de aliviar a dor de um povo em formação.

O jornalista Vinícius Danin imortalizou o Copão da Amazônia. Antônio Teixeira criou o primeiro supermercado da capital. Serpa do Amaral, político combativo, foi prefeito e presidente da Câmara. Todos, junto a muitos outros, integram o valioso mosaico da memória rondoniense.

Dona Marise coordenou os primeiros movimentos culturais da educação. O professor Lourival Chagas lidava com a gramática com afeto, mas aplicava com firmeza. A família Tourinho sustentou por quase cem anos o jornal Alto Madeira, que eternizou essas trajetórias. Os barbadianos, os gregos, os americanos como Farquhar — heróis da Madeira-Mamoré — não podem ser apagados do nosso livro de lembranças.

Vale enfatizar que Jerônimo Santana, mesmo sob a sombra da Revolução de 1964, desafiou o poder dos generais em três legislaturas. Teixeirão, por sua vez, fundou o Estado com pulso firme e visão grandiosa — e fez o rio correr para o mar.

Por que deixá-los cair no esquecimento, depois de um legado tão monumental? Permitir que a ferrugem do tempo os engula é trair a herança que nos deixaram. Isso é inadmissível.

Sem esse patrimônio de recordações, não passamos de aglomerados desconexos, nômades arrastados pelos ciclos da borracha, da castanha, da cassiterita, do ouro, da madeira, da industrialização, do agronegócio... e só.

É preciso, portanto, honrar aqueles que derramaram suas vidas sob o sol ardente deste rincão. Ainda que ausentes, são presenças vivas. Assentaram os primeiros tijolos de Rondônia. Merecem ser celebrados — como os soldados da borracha, que responderam ao chamado de Vargas em nome da liberdade mundial.

E entre esses, um nome se eleva com o peso da justiça histórica: FRANCISCO MATIAS. Intelectual completo. Professor, historiador, escritor, jornalista, radialista, apresentador de rádio e TV. Um verdadeiro guardião da alma rondoniense.

Autor das obras Pioneiros, Ocupação Humana e Política de Rondônia, Formação Histórica e Econômica de Rondônia, Síntese da Formação Histórica de Rondônia, A Trajetória da Advocacia em Rondônia, História Oficial de Pimenteiras do Oeste e Tratado de Petrópolis.

Membro da Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica, do Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia, da Academia Rondoniense de Letras e da Sociedade Brasileira de Escritores. Um autêntico construtor da memória documental do nosso território/Estado.

Na vida pública, atuou com ética e excelência: secretário de Estado, técnico da Assembleia, organizador de arquivos, defensor dos esquecidos. Conhecia esta terra como a palma da mão — e espalhou cultura nos cantos onde poucos enxergavam valor. Para mim, foi o maior historiador que Rondônia já teve. Morreu vítima da Covid-19, sem que nenhuma placa, rua ou espaço público perpetuasse sua existência.

Deixo aqui não um simples apelo, mas uma exigência moral: que a Escola do Legislativo Estadual receba o nome de Professor Francisco Matias, no mesmo espaço onde lecionou por tantos anos.

Não por favor — mas por dever.
Não por saudade — mas por respeito.
Não por formalidade — mas por gratidão.
Não por vaidade — mas por justiça.
Não por protocolo — mas por memória. Essa que tanto nos falta.

Dar seu nome à Escola é dizer às gerações futuras:
“Houve um homem que escreveu a história de vocês antes mesmo que pudessem esquecê-la.”

Porque memória não se arquiva.
Se cultiva.
Se eterniza.
E se transforma em farol, quando o descaso escurece o caminho.

Resgatemos, pois, a memória de Rondônia. Prestemos justiça aos seus pioneiros — antes que a névoa do esquecimento apague de vez os rostos, as vozes e os feitos daqueles que nos deram o direito de existir.

Senhor Presidente da Assembleia Legislativa, deputado Alex Redano, este é o meu apelo.
Este é o meu protesto.
Este é o meu gesto de amor à história, erigida na raça por esses destemidos construtores.

Reflita, deputado.
E que assim seja!
Amém.



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