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    porto velho, quinta-feira 25 de dezembro de 2025

Crônica de Fim de Semana - Quando Deus caminhou entre nós - Arimar Souza de Sá

Neste Natal, já é hora de o Brasil baixar o tom. De Porto Velho a qualquer canto do país, é tempo de amolecer os corações, guardar as pedras, desarmar as palavras...


Arimar Souza de Sá

Publicada em: 25/12/2025 11:37:03 - Atualizado

CRÔNICA DE NATAL

QUANDO DEUS CAMINHOU ENTRE NÓS

Arimar Souza de Sá

Há pouco mais de dois mil anos, diz a história, Deus resolveu descer do infinito e caminhar devagar entre os homens. Não veio armado de poder, nem cercado de soldados. Preferiu uma manjedoura — esse chão simples onde a soberba aprende a falar baixo. Foram apenas 33 anos de passagem, mas suficientes para ensinar que o amor é mais forte que o ódio e que o perdão sempre chega antes do julgamento.

Conta-se que Jesus falava como quem conversa na “cadeira macarrão” no terreiro de casa. Disse que o Reino dos Céus mora no coração das crianças, talvez porque criança não carrega bandeira, não cultiva rancor e não transforma o diferente em inimigo. Tem a alma limpa, como rio antes da lama.

Ressalte-se que, naquele primeiro Natal, o da manjedoura, também houve medo e intolerância. Herodes perseguiu. Pilatos lavou as mãos como quem lava a consciência com água suja. A multidão gritou. A cruz subiu. No caminho do Calvário, quase todos fugiram. A fé, quando testada, costuma revelar quem é raiz e quem é folha seca.

Ficou apenas um estrangeiro, Simão Cirineu, que ajudou a carregar a cruz. Não discursou, não escolheu lado — apenas fez o que precisava ser feito. Às vezes, o gesto vale mais que o grito.

Prosseguindo na história, na cruz Jesus teve sede. Deram-lhe fel. O céu fechou o semblante, o vento perdeu o rumo, a terra gemeu. Ao lado, um ladrão pediu perdão; o outro endureceu. Até ali, dois caminhos se apresentaram — como ocorre até hoje, quando a humanidade escolhe entre continuar ferida ou tentar se reconciliar.

E Maria ficou. Mãe não foge. Mãe permanece mesmo quando o mundo desaba. Seu silêncio sustentava a cruz. Não há Deus sem mãe, nem futuro sem perdão.

Ao terceiro dia, o túmulo amanheceu vazio. A morte perdeu. Impérios ruíram, muros caíram, ideologias tentaram apagar Deus da História. Em vão. Ele sempre retorna, escrito a caneta permanente no coração humano.

O mundo muda de roupa, troca de discurso, cria deuses com os pés de barro, de tela e de ódio. Ainda assim, a cruz continua fincada no tempo, como farol em noite de tempestade. Quando tudo escurece, é ela que aponta o caminho.

O tempo passou, os séculos correram, mas ainda hoje o Brasil parece ter desaprendido essa lição. Vivemos dias de ânimos exaltados, discursos em punho, palavras afiadas como facas. O país se divide, se xinga, se empareda em lados opostos, como se o outro fosse sempre uma ameaça. O diálogo virou artigo raro; o perdão, peça de museu.

Aqui em Porto Velho, no coração quente de Rondônia, essa tensão também sopra. Sopra nas esquinas, nas mesas de bar, nos grupos de WhatsApp, nas famílias rachadas por política, ideologia e vaidade. Há irmãos que não se falam, amigos que se bloqueiam, corações que se fecham como porteiras enferrujadas.

E, apesar de tudo, à meia-noite todos se reúnem ao redor da mesa da ceia. A mesa se enche de pratos, risos contidos, orações ditas em voz baixa. O pão é repartido, o arroz fumega, o copo se levanta em brinde tímido. Mas há cadeiras vazias que falam mais alto que qualquer conversa. São os que se foram cedo demais — pais, mães, avós, amigos, irmãos — que poderiam estar ali, participando da festa, sorrindo, contando histórias repetidas. A eles, nossa saudade. A eles, nossa prece silenciosa, pedindo que a memória seja luz e não dor.

Neste Natal, já é hora de o Brasil baixar o tom. De Porto Velho a qualquer canto do país, é tempo de amolecer os corações, guardar as pedras, desarmar as palavras. O perdão precisa voltar a vencer — dentro das casas, das ruas, das urnas e das consciências.

Porque Deus não se apaga da vida. Ele apenas espera que a gente pare de brigar na sala e se volte para o exemplo da manjedoura. E Ele continua ali. Com paciência infinita. Esperando que o amor vença.

Aos ouvintes do programa A Voz do Povo, da Rádio Caiari, aos internautas do Rondonoticias e aos leitores das crônicas de fim de semana, meu abraço sincero neste tempo em que o calendário muda, mas o coração insiste — teimoso — em permanecer endurecido.

Que este Natal não termine na ceia.
Que ele prossiga no gesto, na palavra contida, no perdão oferecido.
Porque quando o amor vence, Deus volta a caminhar entre nós.

Feliz Natal.
Que assim seja.
Amém.


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