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    porto velho, sexta-feira 26 de dezembro de 2025

Fim de ano: Rondonienses ilhados no seu próprio céu - por Arimar Souza de Sá

Todo fim de ano é a mesma cantilena: Rondônia vira um personagem esquecido no rodapé do mapa brasileiro, ignorado pelas companhias aéreas...


Arimar Souza de Sá

Publicada em: 26/12/2025 15:57:08 - Atualizado

Foto: edição Rondonoticias

RONDÔNIA - Todo fim de ano é a mesma cantilena: Rondônia vira um personagem esquecido no rodapé do mapa brasileiro, ignorado pelas companhias aéreas, pelas autoridades de plantão, e acaba transformada em substantivo abstrato. Está ali, existe, resiste — mas ninguém presta atenção. Parece estar sempre fora do radar das áreas e de quem manda. E é dessa invisibilidade que nasce um drama conhecido de quem mora aqui: chega dezembro e, junto com ele, vem a conta do abandono para quem precisa viajar de avião.

Não é por acaso que Rondônia, terra erguida por migrantes, suor e esperança, termina o ano, mais uma vez, ilhada no seu próprio céu. Um arquipélago sem mar, cercado não por água, mas por passagens caras, escalas de voo irritantes e silêncio oficial. Um lugar de onde sair de férias exige coragem, paciência, fé e limite alto no cartão — de preferência parcelado, para que o impacto não seja uma decolagem brusca.

Esse isolamento não acontece por distração. Ele foi sendo construído, voo a voo, como quem reduz a pista até não sobrar espaço para levantar. E o pior é quando a saudade aperta e o reencontro deixa de ser desejo para virar necessidade: aparece o pedágio mais cruel de viver longe do centro do poder — o abandono institucionalizado. Um preço que não se paga apenas com dinheiro, mas com dignidade. Um escárnio, um assalto a céu aberto, sem torre de controle e sem pedido de desculpas.

É aí que entram Azul, Latam e Gol, redesenhando o mapa conforme o lucro manda. Rondônia é empurrada para a borda da carta aeronáutica. A Azul mantém duas aterrissagens por semana, como se Porto Velho fosse um aeroporto em horário reduzido, quase em manutenção. As outras fazem o mesmo: menos voos, menos opções, tarifas que sobem em modo automático — e tudo segue como se estivesse dentro do plano de voo.

No meio disso está o rondoniense. De pé, mas com o bolso em pane seca, paga cinco, seis mil reais para sair de casa. Assim, voar virou privilégio. Até Manaus, tão perto na geografia e tão distante no preço, passa facilmente dos quatro mil reais. Um assalto com recibo, sorriso educado, péssimo serviço de bordo e nenhuma responsabilidade assumida. O passageiro paga, mas ninguém assume o comando.

Quem tenta alternativa por terra descobre que o Brasil cobra sacrifício antes da partida — e o perigo é iminente. São 1.600 quilômetros até Cuiabá. Estrada ruim, combustível caro, caminhões, hotel e comida. Uma viagem em turbulência constante. E, ao final, a ironia que dói: dali, a mesma passagem custa até 70% menos. Como se vê, não é distância. É descaso. É rota mal planejada. É omissão grossa.

Mas o que mais machuca, além do valor da passagem, é o silêncio. Enquanto o povo se aperta, a classe política entra em modo avião. Enquanto o orçamento familiar sangra, os órgãos fiscalizadores desligam os sinais luminosos — se ajoelham e que se lasque quem precisar se deslocar. Enquanto Rondônia reclama, ninguém levanta o traseiro da cadeira.

Procon, ANAC, bancada federal, Assembleia Legislativa, Governo do Estado — acomodados, assistindo a tudo como quem já se acostumou com atraso no painel. Normalizam o abuso, ignoram o impacto real e seguem a viagem como se nada estivesse fora do eixo.

E assim seguimos. Aviões passando longe, preços zombando, autoridades protegidas por asas que não são nossas. Ficamos aqui, olhando para o céu, tentando entender quando foi que viajar virou castigo, e não mais escolha.

Abandonos permitidos por quem poderia ajustar a rota, mas prefere o conforto de quem nunca precisou escolher entre ver a família ou pagar as contas. Um tipo de gente que não é de nada e nem pede desculpas por fugir da briga.

No fim das contas, esta é a história que se repete todo dezembro: um roteiro conhecido, cansado, manjado, constrangedor — sempre em voo circular.

O céu nasceu para todos — dizem. Só esqueceram de autorizar a decolagem de quem mora aqui.

Lamentavelmente.

Amém.


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