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porto velho, sexta-feira 22 de novembro de 2024
O SILÊNCIO DOS SINOS – POR Arimar Souza de Sá
Às vezes, minha alma se transporta para as nuvens juntamente com meus sonhos. Meu coração aperta e volto ao passado para ser feliz e viver novamente a magia do tilintar dos sinos. Que saudades!
Sou católico relaxado, minha família sabe. Desses que procura a igreja quando está agoniado. Preciso ser melhor. Talvez seja por isso, que já faz alguns anos que não ouço os sinos da Matriz. Muitos, nem sei precisar quantos.
De repente, a modernidade: a televisão, o avião a jato, o computador, o celular, as redes sociais. As múltiplas ocupações da terra me fizeram relaxar com as coisas de Deus e a mudança de tempo arrastou para bem longe os encantos do passado, deixando apenas o silêncio dos sinos e alguns sinais que restaram do tempo bom e, por azar eu fui junto. Velhos tempos!
Tempos velhos em que padre ainda usava batina. Os facínoras em Porto Velho ainda eram contidos, não furtavam os aparatos da igreja e as portas da igreja matriz não comportavam grades.
Tempos em que o sino tocando tinindo anunciando a missa das oito e a plateia se armava para assistir aos fantásticos sermões de Dom João Batista Costa. Ou mesmo quando alguém cedia o corpo e a alma se depreendia para o universo, o sino também tocava triste, fúnebre, mas tocava: “Belém, Belém, Belém” e eu ficava atento.
Era menino, mas tinha a nítida impressão de que o tilintar dos sinos dava a incrível sensação da presença de Deus, ali, viva, vinda das cumeeiras do universo.
È que, naqueles tempos, a vergonha era um valor, o pudor era um valor, o respeito valor supremo, a verdade respeito inigualável, a palavra, o fio do bigode, outros valores levados em conta.
Não obstante, nos dias atuais, esses valores desapareceram e até eu próprio relaxei. Parece que o sino ainda toca e eu é que não ouço mais, outros não ouvem, eles não ouvem, nem querem ouvir. Ouvimos todos outros sinos a repicarem e a voz do cinismo é quem tem valor, o malandro é quem está revestido de valor. Logo, sendo assim, vivemos todos sob o império do “desvalor”, onde cara, não temos, e o Deus que povoava as latitudes do nosso apreço espiritual daquele tempo, tirou férias...
Maledicentes dizem até que essas coisas escabrosas que experimentamos hoje vieram das travessias de guerras mundiais, de vez que, no conceito científico, não existe guerra santa, senão aquela que se trava no palco do vaticano quando da escolha de um novo papa.
Deixando a profundidade de lado, como diria Belchior, gosto, porém, de atribuir a queda livre dos valores, a saudosa ausência do tilintar dos sinos.
Ouvindo os sinos, a gente caminha mais rente, no derredor de um símbolo vivo, pregado à cruz, o filho de Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo. Pena é que com o desprezo aos sinos, a turma que não se inclina para o bem, às escâncaras, aproveitou e promoveu o “rapa”, a dobra dos costumes ou o costume da dobra.
Mas o “diacho” é que naquela época de que tenho saudade, vivíamos os tempos de criança, até acreditávamos em papai Noel. À meia noite, esperávamos ansiosos os presentes do bom velhinho que nossos pais colocavam estava debaixo da cama.
Desfrutávamos da adolescência na plenitude, como adolescentes, como um fruto verde, esperando ansiosos o momento de amadurecer. A juventude, como jovens, sob rigorosa obediência aos pais, tomando-lhes a benção, beijando-lhes as mãos, reverenciando-lhes, sem essa de droga ou outros costumes modernos e discrepantes...
Enfim, obedecíamos às regras da virtude, plantando o amor, o verdadeiro amor, desprezando a angústia e o medo, porque os sinos tocavam.
Hoje, porém, tudo passou célere e virou de perna para o ar. Filho mata os pais, engana os pais, toca o terror no lar que lhe serviu de berço. Os bons costumes cruzaram o continente e deram lugar a trapaça, ao incesto, ao desamor coletivo.
Nos dias da modernidade, come-se o fruto verde, sem mastigar, sem cozinhar, sem a chegada do tempo certo. A reboque, vêm a gravidez indesejada na adolescência, a prostituição, as doenças sexualmente transmissíveis, os maus costumes, todos. A dureza da vida vem em seguida e cobra a conta, porque simplesmente os sinos não dobraram mais.
E o que será que aconteceu? Os tempos mudaram? Os homens mudaram os tempos? Ou os dois?
Não concebo aqui, beatificar o mundo com esta crônica, mas chamar a atenção dos bem-aventurados chefes de rebanho, de que suas ovelhas estão desgarradas, trilharam outros caminhos depois da cerca de arame, tudo sem providência aparente e sob o império do mais absoluto silêncio.
É claro que não me reporto aqui, àqueles que usam a fé dos incautos para arrecadar apenas o vil metal bruto para a construção de catedrais, batizadas como templos de Salomão. Com estes, não se conta!
Mas creio sim, que urge aos bons da área, que mandem qualquer sinal de esperança, para que os fiéis, desgarrados como eu, se recomponham e comecem a execrar do mundo suas mazelas, o seu lixo. É que em mim, ainda está marcado o catecismo, a primeira comunhão, os tempos em que os reverendos faziam os “cursilhos” de jovens na Catedral do Sagrado Coração de Jesus e nos aconselhavam a mergulhar fundo nos ensinamentos de Cristo: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”.
E nestas horas, me aperta o fôlego e a voz, deixo apenas o coração murmurar baixinho e receber os sentimentos profundos da alma, destravando a vontade incontida de voltar a assistir à missa novamente, comungar, confessar, como nos velhos tempos, ajeitar meu espectro espiritual.
Aproveitar e pedir ao padre: Reverendo, quebre este silêncio morno, este monstro sem pernas, braços e coração que reina entre os “homens”.
E, por favor, dobre os sinos, muitas, muitas vezes, que quero ver, crer, ouvir e matar a saudade.
AMÉM!