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    porto velho, domingo 24 de novembro de 2024

Parcelar precatórios passa mensagem que País não cumpre compromissos

Meirelles acrescenta que o Banco Central vai ter que buscar uma taxa de juro acima do neutro porque a inflação dá indicação de ficar acima da meta.


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Publicada em: 20/08/2021 09:45:51 - Atualizado

A proposta do governo de parcelar os precatórios da União equivale a um "default técnico", avalia o ex-ministro da Fazenda e atual secretário de Fazenda do Estado de São Paulo, Henrique Meirelles. Segundo ele, não chega ser o popularmente conhecido calote porque tem respaldo jurídico, mas, do ponto de vista financeiro, é default. "Se é aprovada uma medida constitucional que parcela os pagamentos, está valendo. Então, do ponto de vista jurídico não configura um default. Mas do ponto de vista financeiro, sim, porque tem uma obrigação a pagar e não é paga", diz, em entrevista ao Estadão/Broadcast.

A medida, continua, deixa uma mensagem "muito negativa, que é a de não se cumprir compromissos". Já existe entre os investidores internacionais uma preocupação grande com a situação fiscal do Brasil, afirma, pontuando que o País tinha superado problemas em 2016, com a aprovação do teto de gastos. "O fato concreto é que o governo tenta manter tecnicamente o teto de gastos, mas dando uma volta atrás, quer dizer, não pagando compromissos".

Meirelles acrescenta que o Banco Central vai ter que buscar uma taxa de juro acima do neutro porque a inflação dá indicação de ficar acima da meta. Leia os principais trechos da entrevista.

Como o senhor vê a proposta do governo de parcelamento dos precatórios?

Essa medida é muito negativa porque o precatório, independentemente da origem, é uma dívida como outra qualquer. É como uma dívida que o Tesouro tem com o mercado financeiro. E no momento em que o Tesouro não paga, independente da formulação legal que possa embasar esse não pagamento ou parcelas, é default.

Na prática, qual é o efeito dessa medida?

Os investidores brasileiros ainda não estão preocupados com esse tipo de coisa, mas já começam. Já vi relatórios de fundos com colocações muito agressivas em relação a essa medida, como estar flertando com o passado. O Brasil fez um esforço muito grande nas últimas décadas para consolidar uma situação fiscal que permitisse ao País ter um nível de risco positivo para captar recursos normalmente e, em última análise, o risco País, o CDS [Credit Default Swap], influencia não só o custo do dinheiro do setor público, mas também do setor privado. E isso prejudica a economia como um todo.

E que mensagem fica?

É uma mensagem muito negativa, que é a de não se cumprir compromissos. E isso é uma coisa que o Brasil já tinha superado há muito tempo. Agora tem uma formulação jurídica, de aprovação do Congresso, que diferencia tecnicamente de um default puro e simples, mas não há dúvida de que é algo nessa linha.

Como o senhor acha que os investidores externos podem ler essa mensagem?

De uma forma extremamente negativa. Já existe entre os investidores internacionais uma preocupação grande com a situação fiscal do Brasil. Nós tínhamos superado isso em 2016, com a aprovação do teto de gastos. O fato concreto é que o governo tenta manter tecnicamente o teto de gastos, mas dando uma volta atrás, quer dizer, não pagando compromissos. A ideia do teto de gastos é definir prioridades.

O que o senhor chama de definir prioridades?

Fazer a reforma tributária e não fazer gastos eleitorais para ter espaço para cumprir as despesas obrigatórias. Mas no momento em que se entra em default técnico para poder abrir espaço para despesas no ano que vem, que tem um conteúdo eleitoral, a consequência é forte. Como eu disse, no exterior já há uma reação negativa.

O senhor chama de default técnico. É o termo correto?

Note bem, equivale a isso, mas não é do ponto de vista jurídico, porque é aprovado pelo Congresso. Se é aprovada uma medida constitucional que parcela os pagamentos, está valendo. Então, do ponto de vista jurídico, não configura um default. Mas do ponto de vista financeiro, sim, porque tem uma obrigação a pagar e não é paga.

Com o parcelamento dos precatórios, o governo terá uma folga de R$ 7,8 bilhões no ano que vem. Mas para o arcabouço não é ruim?

É péssimo. Ele simplesmente encontrou uma maneira legal de cumprir o teto sem cumprir. Isso é, ele cumpre o teto não pagando obrigações, o que tem um custo enorme para o País.

É correto tratar os precatórios como despesa de capital, como se fosse uma despesa de financiamento, para ser tirada do alcance do teto?

Não é porque estão devendo coisas que não foram objetos de financiamento ao governo. Trata-se de despesas primárias que geraram precatórios. Não se pode transformar isso, num passo de mágica, em compromisso financeiro.

Como recebeu a declaração do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que foi pego de surpresa pelo salto no número de precatórios?

Surpreso deve ter ficado o mercado em saber que o ministro é pego de surpresa por uma despesa de precatório para o ano que vem. São obrigações do governo para as quais deveriam ter previsões e cálculos com antecedência. Um governo que é surpreendido com despesas de dividas já consolidadas e assumidas e que são objetos de precatórios deixa a gente preocupado com o que mais o governo vai ser surpreendido.

É correto ou exagero afirmar que o governo está preparando um calote?

Ele faz isso para acomodar o teto de gastos juridicamente. Só que tecnicamente é um default técnico. Isso não quer dizer necessariamente que no futuro ele vai dar um calote na dívida, porque, por enquanto, ele tem capacidade de captação. O que tem de ficar claro é que no caso dos precatórios são despesas primárias e, portanto, entram no teto. O calote acontece quando o governo não tem condições para captar. Agora, é evidente que, quando medidas como essa começam a piorar a percepção de risco, a direção é ruim.

E em São Paulo, como está a questão de pagamentos de precatórios? Tem alguma medida ou ação para ser adotada?

São Paulo está com as contas em ordem e não tem esse tipo de problema, não tem dificuldades de pagamento. Em São Paulo, inclusive, fizemos uma reforma administrativa dura no ano passado e a economia está crescendo.

O PIB de São Paulo vem crescendo acima do nacional. Como será neste ano?

Temos uma situação que em 2019 crescemos quase três vezes a média nacional. Em 2020, quando o Brasil caiu 4,1%, São Paulo cresceu 0,3%. E para este ano temos uma perspectiva de crescimento de 7% a 8%. Então, temos um ganho de arrecadação substancial este ano e a nossa ideia é pagar todos os compromissos e ainda existe espaço para investimentos.

Qual é a previsão de crescimento da arrecadação de São Paulo este ano?

Se medirmos a arrecadação total, inclusive ITCMD [Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação], devemos crescer de 8% a 9% em relação ao que está na Lei Orçamentária.

Sobre as reformas, qual deve ser feita primeiro, a tributária ou a administrativa?

Tem de fazer as duas juntas. Não adianta deixar uma para depois. Eu acho que tem de ser feita uma reforma administrativa rigorosa e a tributária. Mas vamos definir aqui qual reforma tributária. O que existe lá é uma mudança no Imposto de Renda e não pode ser chamada de reforma tributária. Existem duas PECs em tramitação, a 45 na Câmara e a 110 no Senado. Os Estados, pela primeira vez em 30 anos, entraram num acordo por unanimidade e apresentaram substitutivo ao mesmo tempo a ambas as PECs. Esse projeto dos Estados, sim, é uma verdadeira reforma tributária.


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