Fundado em 11/10/2001
porto velho, domingo 24 de novembro de 2024
A proposta do governo de parcelar os precatórios da União equivale a um "default técnico", avalia o ex-ministro da Fazenda e atual secretário de Fazenda do Estado de São Paulo, Henrique Meirelles. Segundo ele, não chega ser o popularmente conhecido calote porque tem respaldo jurídico, mas, do ponto de vista financeiro, é default. "Se é aprovada uma medida constitucional que parcela os pagamentos, está valendo. Então, do ponto de vista jurídico não configura um default. Mas do ponto de vista financeiro, sim, porque tem uma obrigação a pagar e não é paga", diz, em entrevista ao Estadão/Broadcast.
A medida, continua, deixa uma mensagem "muito negativa, que é a de não se cumprir compromissos". Já existe entre os investidores internacionais uma preocupação grande com a situação fiscal do Brasil, afirma, pontuando que o País tinha superado problemas em 2016, com a aprovação do teto de gastos. "O fato concreto é que o governo tenta manter tecnicamente o teto de gastos, mas dando uma volta atrás, quer dizer, não pagando compromissos".
Meirelles acrescenta que o Banco Central vai ter que buscar uma taxa de juro acima do neutro porque a inflação dá indicação de ficar acima da meta. Leia os principais trechos da entrevista.
Essa medida é muito negativa porque o precatório, independentemente da origem, é uma dívida como outra qualquer. É como uma dívida que o Tesouro tem com o mercado financeiro. E no momento em que o Tesouro não paga, independente da formulação legal que possa embasar esse não pagamento ou parcelas, é default.
Os investidores brasileiros ainda não estão preocupados com esse tipo de coisa, mas já começam. Já vi relatórios de fundos com colocações muito agressivas em relação a essa medida, como estar flertando com o passado. O Brasil fez um esforço muito grande nas últimas décadas para consolidar uma situação fiscal que permitisse ao País ter um nível de risco positivo para captar recursos normalmente e, em última análise, o risco País, o CDS [Credit Default Swap], influencia não só o custo do dinheiro do setor público, mas também do setor privado. E isso prejudica a economia como um todo.
É uma mensagem muito negativa, que é a de não se cumprir compromissos. E isso é uma coisa que o Brasil já tinha superado há muito tempo. Agora tem uma formulação jurídica, de aprovação do Congresso, que diferencia tecnicamente de um default puro e simples, mas não há dúvida de que é algo nessa linha.
De uma forma extremamente negativa. Já existe entre os investidores internacionais uma preocupação grande com a situação fiscal do Brasil. Nós tínhamos superado isso em 2016, com a aprovação do teto de gastos. O fato concreto é que o governo tenta manter tecnicamente o teto de gastos, mas dando uma volta atrás, quer dizer, não pagando compromissos. A ideia do teto de gastos é definir prioridades.
Fazer a reforma tributária e não fazer gastos eleitorais para ter espaço para cumprir as despesas obrigatórias. Mas no momento em que se entra em default técnico para poder abrir espaço para despesas no ano que vem, que tem um conteúdo eleitoral, a consequência é forte. Como eu disse, no exterior já há uma reação negativa.
Note bem, equivale a isso, mas não é do ponto de vista jurídico, porque é aprovado pelo Congresso. Se é aprovada uma medida constitucional que parcela os pagamentos, está valendo. Então, do ponto de vista jurídico, não configura um default. Mas do ponto de vista financeiro, sim, porque tem uma obrigação a pagar e não é paga.
É péssimo. Ele simplesmente encontrou uma maneira legal de cumprir o teto sem cumprir. Isso é, ele cumpre o teto não pagando obrigações, o que tem um custo enorme para o País.
Não é porque estão devendo coisas que não foram objetos de financiamento ao governo. Trata-se de despesas primárias que geraram precatórios. Não se pode transformar isso, num passo de mágica, em compromisso financeiro.
Surpreso deve ter ficado o mercado em saber que o ministro é pego de surpresa por uma despesa de precatório para o ano que vem. São obrigações do governo para as quais deveriam ter previsões e cálculos com antecedência. Um governo que é surpreendido com despesas de dividas já consolidadas e assumidas e que são objetos de precatórios deixa a gente preocupado com o que mais o governo vai ser surpreendido.
Ele faz isso para acomodar o teto de gastos juridicamente. Só que tecnicamente é um default técnico. Isso não quer dizer necessariamente que no futuro ele vai dar um calote na dívida, porque, por enquanto, ele tem capacidade de captação. O que tem de ficar claro é que no caso dos precatórios são despesas primárias e, portanto, entram no teto. O calote acontece quando o governo não tem condições para captar. Agora, é evidente que, quando medidas como essa começam a piorar a percepção de risco, a direção é ruim.
São Paulo está com as contas em ordem e não tem esse tipo de problema, não tem dificuldades de pagamento. Em São Paulo, inclusive, fizemos uma reforma administrativa dura no ano passado e a economia está crescendo.
Temos uma situação que em 2019 crescemos quase três vezes a média nacional. Em 2020, quando o Brasil caiu 4,1%, São Paulo cresceu 0,3%. E para este ano temos uma perspectiva de crescimento de 7% a 8%. Então, temos um ganho de arrecadação substancial este ano e a nossa ideia é pagar todos os compromissos e ainda existe espaço para investimentos.
Se medirmos a arrecadação total, inclusive ITCMD [Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação], devemos crescer de 8% a 9% em relação ao que está na Lei Orçamentária.
Tem de fazer as duas juntas. Não adianta deixar uma para depois. Eu acho que tem de ser feita uma reforma administrativa rigorosa e a tributária. Mas vamos definir aqui qual reforma tributária. O que existe lá é uma mudança no Imposto de Renda e não pode ser chamada de reforma tributária. Existem duas PECs em tramitação, a 45 na Câmara e a 110 no Senado. Os Estados, pela primeira vez em 30 anos, entraram num acordo por unanimidade e apresentaram substitutivo ao mesmo tempo a ambas as PECs. Esse projeto dos Estados, sim, é uma verdadeira reforma tributária.