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    porto velho, sexta-feira 22 de novembro de 2024

​CORONEL FERRO – Da Guarda Territorial ao comando da PM, uma história de vida

Homem simples, modo pausado em sua fala, discorre com emoção passos que fizeram a sua vida profissional, familiar e social.


Rondonoticias/o Rondoniense

Publicada em: 18/10/2017 14:23:33 - Atualizado



PORTO VELHO, RONDÔNIA - O nome dele é Walnir Ferro de Souza, nascido em 1948 na cidade de Guajará Mirim, é filho de cearense – que chegou aqui entre os migrantes do Nordeste - e desde menino conheceu a vida dura da lida.

Ainda adolescente veio para Porto Velho com a família e logo se destacou, onde trabalhou como estivador, foi jogador do antigo time Moto Clube e mesmo tendo a possibilidade de seguir carreira promissora numa grande empresa de importação em Porto Velho, da família Mourão, seguiu a carreira do pai, servir a Guarda Territorial e depois integrar a corporação responsável pela transição da Polícia Militar em Rondônia. Atualmente Coronel da reserva da PM, uma história pioneira que cruza épocas e personagens históricos do ex-Território Federal do Guaporé até o Estado de Rondônia.

Rondoniense, dedicado militar a sua carreira e um dos mais respeitados entre seus pares, Coronel Ferro, como é mais conhecido, deixou a sua marca e continua ensinando a quem quer ouvi-lo sobre a essência histórica, pelo menos uma das partes mais bonitas e importantes, do que foi e representa hoje a Guarda Territorial e a história inicial da Polícia Militar de Rondônia.

Nessa entrevista, cedida ao site de notícias O Rondoniense, o Coronel Ferro conta um pouco da sua história de vida, como foi a Guarda Territorial e os primeiros anos de criação da Polícia Militar em Rondônia, além de lembrar alguns fatos que o colocaram entre os pioneiros. Mesmo quando assumiu a Secretaria de Segurança do Estado no período do Governo de José Bianco, e teve em mãos a crise de lidar com detentos da unidade prisional Colônia Penal Ênio Pinheiro, em um motim que foi debelado graças ao seu poder de negociação e retomada de disciplina, Ferro nunca deixou de estar disponível a fazer o que era correto dentro das normas legais exigidas.

Aqui, discorre com emoção passos que fizeram a sua vida profissional, familiar e social.

O RONDONIENSE – O seu início em Porto Velho, quando chegou aqui ainda adolescente, foi feito de muito trabalho e ajuda de pessoas importantes, é isso mesmo?

CORONEL FERRO – Sim, isso mesmo. Eu nasci em Guajará-Mirim, sou filho do Estado, de 1948, tenho 69 anos, vim para Porto Velho com 13 anos de idade, eu, meus pais e meus irmãos. Viemos morar aqui em Porto Velho, viemos atrás de oportunidades, Guajará Mirim naquela época era uma cidade muito pequena. Eu já cuidava dos meus pais. Quando chegamos em Porto Velho, a vida era mais difícil, e eu tinha que trabalhar, fui ser estivador no Porto do Cai N’água, já tinha 14 ou 15 anos de idade. Depois que nos instalamos na cidade, eu comecei a interagir com as pessoas e passei a jogar futebol também, para a minha felicidade e eu acho que Deus me colocou nesse caminho, jogar futebol.

O RONDONIENSE – Por que foi importante jogar futebol nessa época?

CORONEL FERRO – Bom, nesse período a família Mourão – Paulo Mourão, José Mourão e Antônio Mourão, todos já falecidos - assumiu a direção do time do Moto Clube e começou a investir, a sede antiga do clube era ali na Rua Júlio de Castilho. A família começou a dar uma força financeira no time. Não éramos profissionais, mas os jogadores conseguiam empregos, trabalho. O Moto começou a evoluir e eu era jogador do time, acabei indo trabalhar com a família Mourão e a dona Abigail Mourão, que era proprietária da Bigmar, era uma pessoa muito cativante e tínhamos um relacionamento de filho e mãe, ela gostava muito de mim e eu dela, da família Mourão. Era como se fosse minha madrinha. Eu jogava no Moto Clube, trabalhava com o esposo dela e me ajudava muito.

O RONDONIENSE – A família Mourão foi o seu início de fato no trabalho em Porto Velho...

CORONEL FERRO – Com certeza e eu trabalhava o dia inteiro na empresa deles e começaram a importar cimento da Polônia em dois navios, a Zona Franca de Manaus tinha acabado de ser instalada, Tamoio e Santa Maria, e passávamos três a quatro meses descarregando no Porto do Cai N’água, mas eu já tinha o privilégio, pois começaram a me dar confiança, e eu trabalhava e estudava também, ali onde é o Barão do Solimões, a noite funcionava o Estudo e Trabalho, onde tinham os cursos de contabilidade, técnica de comércio, e ali eu comecei a estudar, estudava a noite. O curso de contabilidade era como fazer o científico, naquela época. Era muito rígido, não podia facilitar. E eu terminei a técnica de comércio e apareceu naquela época, em 1969, a Guarda Territorial na minha vida.

O RONDONIENSE – Nesse ponto então o senhor tem uma virada em sua vida que mudou tudo?

CORONEL FERRO – Sim, a guarda territorial tinha um comandante, coronel Fernandes, e ele era presidente do Clube Cruzeiro daqui de Porto Velho, e ele frequentava a empresa em que eu trabalhava, e ele me via trabalhando, carregando cimento e aquela coisa toda, e eu fazia de tudo, tirava nota no balcão, descarregava cimento, entregava gás. Aí ele chegou pra mim e disse: “Cara, você estuda, por que fica carregando cimento aqui?”, eu respondi: “Eu trabalho aqui, eu gosto daqui, me dou muito bem com meus patrões, são diretores do Moto Clube”. E ele, “Não, eu te levo para jogar no Cruzeiro”. E eu: “Não, não quero não”. E ele insistiu: “Vamos fazer o seguinte, vai ter curso de sargento agora. Você faz a prova do concurso aqui, se você passar aí vai fazer o curso lá em Goiânia”. E aí sim me deu vontade, e num dia de sábado pela manhã com essa proposta. E eles, inclusive, já tinham realizado a prova, mas aí ele reuniu a comissão, responsável por aplicar o teste naquela ocasião, entre os que estavam e me lembro, eram os professores Augusto da Câmara Leme, muito famoso já, o Abnael Machado e Lourival Chagas. Fizeram o teste comigo. Eu fiz o teste e passei. O meu pai era da Guarda Territorial, trabalhava com o coronel Fernandes, era motorista dele. E aquilo encantou o meu pai. Naquela época pagavam 120 cruzeiros por mês, era a bolsa para a gente estudar lá em Goiânia, e eu ganhava isso por semana lá com os Mourão. Aí caiu padrão, da minha mãe, meus irmãos. Eu cheguei e falei com a família Mourão que ia fazer esse curso em Goiânia, ficaram tristes, mas aí pesou a minha ligação com o meu pai, que já era da Guarda Territorial. Eu fui para Goiânia, fiquei um ano fazendo o curso lá. Fui com dez colegas, terminei e voltei para Porto Velho como sargento da Guarda Territorial. E chegando me chamaram para jogar futebol, só que eu não queria mais. E eu gostava do Moto Clube, até hoje torço, pois eu fui jogador e torcedor do time. Mas já estava engajado na Guarda.

O RONDONIENSE - Mas que serviços eram fundamentais para o funcionamento da Guarda Territorial?

CORONEL FERRO – Era um período de muito trabalho, e tínhamos funções de fazer de tudo um pouco para lidar, mas éramos fortes. Fazíamos de serviço de estiva no Porto do Cai N’água, carregando e descarregando navios e até fazer obras, como a construção de bens públicos como praças, o prédio da Unir e do Palácio do Governo Getúlio Vargas tem serviço nosso. E tínhamos o trabalho de fornecer madeira para a Usina de Energia Elétrica, onde cortávamos lenha, e claro fazer o policiamento, cuidando da segurança da cidade. Então era muito puxado, para fazer parte da Guarda Territorial não podia fazer corpo mole, ficavam somente os capazes mesmos. A farda era importante, e eu nunca esqueci o cáqui e o coturno marrom. O quartel da guarda ficava na Rua Major Amarantes.

O RONDONIENSE – Para o senhor chegar na transição que foi do final da Guarda Territorial para a implantação da Polícia Militar foi necessário outro treinamento e outra postura?

CORONEL FERRO – No tempo que eu estive na Guarda Territorial já se falava sobre isso, porém a preocupação era passar pelos cursos que eram em Goiânia, mas eu lhe digo, não é como hoje. Naquele tempo era no nosso limite psicológico e não só físico, então só ficava e concluía o curso quem tinha força para aguentar as provações. E elas foram necessárias. Quando ainda estava na Guarda, eu fiz ainda um curso em Goiânia, porém depois tive que ir para Florianópolis (SC) por problemas com um oficial, e como eu disse, éramos muito exigidos, mas tem coisas que vem para o bem, eu saí de lá em dezembro de 1973 como Aspirante. E veio o fato que fui o primeiro oficial a ter academia, pois era uma exigência do Ministério do Exército, que realizou uma seleção e cerca de 30 ou 35 oficiais participaram e desse pessoal iriam estar aqueles que serviriam a primeira formação da Polícia Militar. Só que, um detalhe, o nível técnico e físico era mais exigente, pois dessa turma só ficaram nove, para você ter uma ideia. Veio uma equipe de psicólogos de Minas Gerais para avaliar todo mundo, mas o pesado e o que exigiu mais foi no exame físico mesmo. Nesse quesito a maioria não conseguiu e eu tive a oportunidade de ser o único a ser formar e ter aptidão necessária, dentro das exigências prestadas, a servir na Polícia Militar. Com isso me tornei o único rondoniense a chegar ao mais alto grau da corporação, sendo Comandante da Polícia Militar.

O RONDONIENSE – O senhor tem uma história de comando muito respeitada e reverenciada. Quando houve aquela crise em Extrema, aquilo foi um marco na sua carreira?

CORONEL FERRO – Aquela ação foi muito importante na minha vida pela Polícia Militar, pois no governo do Jerônimo Santana, em 1988, havia um conflito, quando o Acre tomou as vilas que ficavam na fronteira, em Extrema, e o estado acreano dizia que pertencia a ele as terras. Assim que tomamos conhecimento disso, o governador Jerônimo Santana me chamou e convocou a PM para tomarmos providência lá no local. Era uma época diferente da de hoje e eu pude levar comigo 611 policiais para aquela região de Ponta de Abunã. E foi como um jogo de xadrez, era o serviço de inteligência dele e o nosso serviço, e tínhamos um aparato muito bom. Conseguimos resolver e não houve conflito, pois resguardamos nossa fronteira e mantemos as vilas daquela região sob a guarda do nosso Estado, então foi uma missão bem sucedida e cheguei a escrever um livro biográfico onde narro essa ação.

O RONDONIENSE – A Polícia Militar passou por transformações daquele período até hoje. O senhor acompanha essa evolução? O que senhor acha que falta hoje a PM que no seu tempo não tinha problema.

CORONEL FERRO – Eu vejo com muita preocupação hoje as nossas polícias, vejo que falta mais rigor disciplinar e um apoio maior para que os policiais ajam com mais ênfase, colocando a farda a frente e sem se preocupar com vaidade ou coisas desse tipo. O Estado tem a obrigação de investir na Polícia Militar, porém eu temo por algumas coisas que eu não gosto, por exemplo temos muitos bons militares que hoje fazem serviço interno, falta efetivo nas ruas. É uma questão de realinhar as prioridades de segurança, porém vale dizer que esse é um problema nacional. Em Porto Velho a população cresceu, a cidade cresceu, a demanda de mais segurança ostensiva é grande e vejo que os nossos governantes precisam estar ciente que problemas de segurança ou alto índice de criminalidade deriva de falta de efetivo e mais policiais nas ruas, remunerar bem o policial, dar condições dele trabalhar com equipamentos novos e bons. Mas falta ao policial também impor respeito diante das pessoas e não deixar cair em moda. Se em uma blitz, o policial militar pára o veículo, vai até o cidadão, pede documento do carro e a carteira de habilitação, e ao estender o braço para pegar essa documentação aparece tatuado. Não sei, isso no meu tempo não condizia com uma norma de comportamento do policial militar. É necessário, na minha visão, resgatar e impor o respeito pela Polícia Militar, não temos que ficar temendo ação de facção bandida dentro de presídio ou recuando nosso poder de fogo, estamos num Estado novo e tem muito trabalho a ser feito, Rondônia é um estado fronteiriço, nossas polícias precisam estar atentas, trabalhando e agindo e não temos tempo para lidar com questões políticas. Se hoje as polícias não obterem investimentos, renovação e o cuidado de nossos governantes podemos entrar em um processo falido que pode custar a segurança de nossos cidadãos. Mas eu acredito que podemos mudar muita coisa para o melhor, trabalhar dentro dos presídios e acuar facções e impedir que as polícias sejam atingidas.

O RONDONIENSE – Dentro desse rigor que o senhor pede de volta e investimentos na Polícia Militar tem reflexo também na sua atuação como secretário de segurança na época do Governo José Bianco. Foi uma época que o senhor investiu bem na Polícia e enfrentou uma crise no sistema carcerário, confere?

CORONEL FERRO – O que eu pude apurar naquela ocasião é que os detentos já estavam tomando conta dos presídios, queriam impor a “ordem” deles. Logo que assumi a secretaria de segurança do Estado eu já tive o trabalho de negociar e tentar debelar uma rebelião que estava ocorrendo na Colônia Penal Ênio Pinheiro. Eu já tinha um longo conhecimento das polícias que atuavam em nosso Estado, militar e civil, assim como os agentes penitenciários, mas havia uma coisa que eu impunha tanto entre os meus comandados quanto à população carcerária que era o respeito, ouvir as reclamações, saber das condições e tratar da melhor forma sem causa danos ou baixas. E eu tive a honra de trabalhar com bons homens, e em todos os momentos em que eu tiver que intervir já tínhamos uma estratégia para lidar com situações de alto risco dentro das unidades prisionais, separar os detentos certos, os cabeças, colocar ordem e ter pulso para manter a ordem. Onde pude eu intervi e consegui resolver o problema.


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