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porto velho, segunda-feira 22 de setembro de 2025
BRASIL - Problemas neurológicos estão entre as complicações mais frequentes da Ccovid-19 fora do sistema pulmonar e afetam mais de 30% dos pacientes. Perda de memória, falta de concentração e atenção, raciocínio lento, sonolência, fadiga excessiva, ansiedade, depressão, dificuldades com linguagem e outros prejuízos cognitivos e cerebrais podem ser efeitos da doença.
As conclusões são de um estudo coordenado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pela Universidade de São Paulo (USP) e publicado recentemente no prestigiado periódico Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). Os sintomas costumam ser associados sobretudo a quadros graves, mas atingem também quem teve quadros moderados ou leves da doença, aponta a publicação.
"A Covid-19 é capaz de modificar o cérebro e sua estrutura cortical com ou sem a presença do vírus no cérebro. A doença é capaz de fazer isso", afirma Daniel Martins-de-Souza, professor de bioquímica da Unicamp e um dos pesquisadores.
"A covid-19 é capaz de modificar o cérebro e sua estrutura cortical com ou sem a presença do vírus no cérebro. A doença é capaz de fazer isso" — Foto: Pixabay
Nos casos em que o coronavírus chega ao cérebro, infecta principalmente astrócitos — as células cerebrais mais abundantes e responsáveis por sustentar e nutrir neurônios. Os neurônios que se alimentam dos astrócitos infectados acabam tendo seu funcionamento prejudicado ou morrendo. Os astrócitos são o principal local de infecção e, possivelmente, de replicação do vírus no cérebro.
"Nem todo mundo com sintoma neurológico teve o vírus no cérebro. Às vezes, o sintoma é advindo da inflamação sistêmica por causa da doença", explica Martins-de-Souza. "Os casos em que o vírus chega ao cérebro potencialmente podem ser mais graves, mas não podemos afirmar isso com certeza", observa o biólogo, doutor e pós-doutor em bioquímica pela Unicamp e com experiências de pós-doutorado no Instituto Max Planck de Psiquiatria, na Alemanha, e na Universidade de Cambridge, no Reino Unido.
Os pesquisadores continuarão a acompanhar os pacientes do estudo, o que pode trazer mais respostas no futuro, por exemplo, ao verificar se os efeitos neurológicos serão passageiros ou duradouros. A pesquisa também encontrou indícios de correlação entre Covid-19 e neurodegeneração, mas os dados são preliminares. Ao continuar a investigação, os estudiosos também querem determinar se o vírus causa alterações semelhantes em outros órgãos, o que pode encurtar caminhos de tratamento.
Estudo usou metodologia diversificada
O grupo de 89 pesquisadores da Unicamp e da USP usou ressonância magnética para comparar a estrutura cerebral de 81 pessoas saudáveis à de 81 que tinham se infectado provavelmente com a cepa original do coronavírus Sars-Cov-2 e estavam se recuperando de quadros leves ou moderados de covid-19 há cerca de dois meses.
"Em maior ou menor grau, todos os infectados tiveram alterações cerebrais significativas", comenta Martins-de-Souza.
Em alguns casos, os exames revelaram atrofia na parte frontal do cérebro, área fundamental para o raciocínio e a atenção e associada com ansiedade e depressão. "Os testes demonstraram mais sintomas de depressão e ansiedade
Parte dos que tiveram a doença também foi submetida a testes de funções cognitivas e teve desempenho pior que os não contaminados. O estudo também analisou a estrutura cerebral de 26 pacientes que morreram de Covid-19 e encontrou danos severos em cinco deles. Apenas nos falecidos foi possível identificar ou não a presença do vírus nesse órgão.
Para Pâmela Billig Mello Carpe, neurocientista da área de neurobiologia da aprendizagem e memória que não participou do estudo, um ponto importante do trabalho foi usar diferentes métodos de pesquisa. Por isso, a professora associada da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) diz que "o conjunto de resultados permitiu chegar a uma conclusão mais precisa e, sem dúvida, contribuiu para a ciência mundial ampliar a compreensão da fisiopatologia da doença".