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porto velho, segunda-feira 25 de novembro de 2024
GUAJARÁ-MIRIM, RO - "Filho é filho e eu o amo. Faria tudo de novo". É este pensamento que faz Franklin da Silva Gomes, de 48 anos, manter viva a esperança de o mais breve possível retornar ao lar e reencontrar o pequeno Bryan Leonardo, hoje com 4 anos. O segurança salvou o próprio filho de um fosso em chamas, usado para incineração de resíduos, após o menino cair no buraco acidentalmente. Franklin sofreu queimaduras nas pernas e nos pés, região mais grave. Ele recebeu alta na manhã desta sexta-feira (29) e se prepara para deixar o Hospital de Base, em Porto Velho.
O episódio, ainda marcante na memória dele e da esposa, a pedagoga Aline Castro, de 29 anos, aconteceu há quase três meses em Guajará-Mirim (RO). À época, Bryan machucou uma das mãos, ficou internado, mas foi liberado uma semana depois do caso.
Apesar de debilitado pela quantidade de remédios que toma por dia – Franklin perdeu mais de 10 quilos desde a internação – e com a fala ainda fraca, o pai guarda consigo um grande trunfo: ter o filho vivo.
"Não me importaria de pular naquele fosso de novo por ele. É meu filho. Quero minha família reunida".
Por conta da rotina de viver em um hospital, remédios e constantes procedimentos cirúrgicos, pai e filho não se veem desde o acidente. Aline viu a criança pela última vez em Guajará, no mês de janeiro. No último domingo (24), Bryan completou 4 anos e o aniversário foi longe dos pais. Mas o que alivia a saudade do casal pelo menino é a internet.
"Fazemos chamada de vídeo todos os dias. Vemos o nosso menino, que tá tão bem hoje. Depois da chamada, a gente fica pensativo, bate a saudade, que é muito grande. Fizeram uma festinha fofa para ele no aniversário, deram presentes. Só vimos fotos. Mas já já, sei que em breve, a família vai estar junta novamente", disse Aline.
Pai herói
Após o ato de Franklin, Aline olha para ele e hoje o vê como um pai herói. "São poucos os que fariam isso, poucos mesmo. Tem tanta gente por aí que não liga para os filhos, que abandona, que mata, sabe. Meu marido sempre foi um paizão. Sempre foram grudados. Tenho muito orgulho dele", opinou.
A coragem de Franklin fez com que o menino não se ferisse ainda mais. Ao G1, ele contou do pouco que se lembra daquela manhã de 30 de dezembro de 2018. O segurança estava com um vizinho perto do local onde tudo ocorreu e disse não ter visto quando Bryan correu para perto do fosso. Revelou que se recorda do momento em que o menino caiu no buraco em chamas e gritou por socorro.
"Nem pensei duas vezes. Entrei e tirei ele (Bryan)".
O buraco estava fechado apenas com um pedaço de telha. Franklin e Aline acreditam que o filho tenha pisado na telha sem perceber que aquilo tampava e se tratava de um fosso. Depois disso, após ser salva, a criança correu até a mãe para alertar o que tinha acontecido com o pai, que não conseguiu sair do buraco depois que tirou o menino de lá.
"Ele só falava que o papai caiu no buraco. Estava chegando em casa quando aconteceu. Na hora não pensei direito e estava tudo incerto. Não sabia o que tinha acontecido. O Bryan estava com a mãozinha queimada, mas ele só falava do papai", lembrou a esposa do segurança.
"Daí fui até onde o Franklin estava com o Bryan no colo e só vi as mãos dele pra cima gritando 'Me tira daqui!'. Sem entender direito, tentei puxá-lo, mas não consegui", relatou Aline.
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Em um ato desesperado, a pedagoga começou a gritar o máximo que pôde pelos vizinhos. Também sem compreender o que ocorria, alguns deles correram e puxaram Franklin para fora do fosso. O segurança saiu do buraco já desmaiado.
"Pensei que meu marido tinha morrido, pois ele estava todo preto das chamas. Ele caiu desmaiado. Vi uma viatura da PM passando, daí eu gritei e eles nos ajudaram. Os vizinhos ajudaram também chamando a ambulância", continuou Aline.
Em poucos minutos, a ambulância do Corpo de Bombeiros chegou e seguiu com Franklin ao hospital de Guajará-Mirim. A unidade do município faz apenas atendimentos de primeiros socorros. Os mais graves são encaminhados para Porto Velho. Foi o caso de Franklin.
Bryan também foi atendido em Guajará e a mãe o levou ao hospital na viatura da Polícia Militar (PM) local. Aline contou que o menino só foi chorar de dor na mão pela primeira vez já dentro da unidade. Mesmo assim, ele ainda perguntava pelo pai. Franklin teve queimaduras nos braços e nas pernas.
"Levei o Léo (Bryan) e o Franklin chegou na ambulância. Meu menino começou a chorar no momento que começaram a limpeza nele. Já o Franklin eu não imaginava que seria mais grave. Achei que iria tratar lá mesmo mesmo, mas os médicos falaram que ele precisava ser encaminhado para a capital o mais rápido possível. Foi quando me dei conta de que era grave", se lembrou Aline.
Franklin começou a entender o que tinha acontecido muito tempo depois. "Quando acordei já estava no hospital", recordou.
Na transferência para Porto Velho, Aline só teve tempo de pegar algumas roupas. O acidente aconteceu entre 9h e 10h. Pouco depois do meio dia, o casal já estava a caminho de Porto Velho e chegou por volta das 17h. O primeiro atendimento na capital ocorreu no Hospital e Pronto Socorro João Paulo II. Depois, Franklin foi transferido ao Hospital de Base.
A corrida contra o tempo para salvar Franklin foi dolorosa. Os buracos no caminho que faziam a ambulância balançar e a falta de água pioraram a situação de Franklin.
"A viagem foi horrível. Franklin sofria com as dores que não cessavam. Ele pedia muita água, mas não podia. Ele achava que ia morrer. A estrada também não ajudava e o balanço da ambulância era ruim para ele e para mim, que quase vomitei. Ele chegou em Porto Velho quase nas últimas. Foi Deus", relembrou a esposa do segurança.
Hospital de Base como segunda casa
A pilha de roupas dobradas em um canto na parede do apartamento 88 que Franklin está internado e Aline segue como acompanhante mostra que o casal mantém uma rotina na unidade hospitalar graças ao longo tempo que estão no local.
O dia a dia no quarto é movimentado. Franklin e Aline dividem o mesmo espaço com dois homens: um acompanhante e um paciente que sofreu queimaduras após levar um choque elétrico. O local conta com poucos armários, um banheiro, duas camas e duas poltronas vermelhas, onde os acompanhantes dormem.
O único que não se move com mais frequência é Franklin, já que as queimaduras que teve por conta do acidente atingiram principalmente parte das pernas e os pés do segurança. "Sentei uma vez e fui pegar um pouco de sol. Mas não saio", contou Franklin.
Em meio a remédios e consultas de Franklin, Aline às vezes sai do hospital para resolver problemas na rua ou comprar algo pessoal para o marido. Mas o tempo dela é curto. "Tenho 20 minutos apenas lá fora. Não posso demorar. Meu cunhado e minha irmã que resolvem as coisas pra gente lá em Guajará. Eu deposito dinheiro e eles cuidam pra mim, assim como estão cuidando do nosso Bryan", explicou a pedagoga.
Mesmo com naturalidade para falar da vivência no hospital, Aline diz que cada dia é difícil. Porém, Franklin e ela são o apoio um do outro. "Olha, as vezes dá muita vontade de voltar, de sair daqui. Mas vejo meu marido nessa situação e lembro que ele precisa de mim. Eu estou bem. Ele passou por muita coisa, sentiu muita dor. Então me lembro disso", ressaltou a pedagoga.
"Sou as mãos e os pés dele aqui pra tudo. Ele precisa muito de mim. Então faço tudo por ele", disse Aline.
O apoio da mulher, quase que 24 horas por dia, fez Franklin prometer se casar com ela oficialmente depois de saírem do hospital e ele melhorar o quadro de saúde. O segurança reconhece o esforço da esposa nesses quase três meses de "moradia" no hospital, que só sai do lado dele quando precisa resolver algo do lado de fora ou se alimentar.
"Sempre esteve comigo. Vamos casar sim", disse Franklin, com um sorriso tímido no rosto. O casal está junto há seis anos.
Tratamento
Nesse tempo internado, Franklin passou por mais de 20 procedimentos cirúrgicos entre escarotomia, desbridamentos (limpeza das queimaduras), curativos e enxertos.
As pernas já começaram a cicatrizar, mas, segundo o segurança, "não deu para salvar os dedos dos dois pés. Mas pelo menos andar eu conseguirei, pois não perdi o apoio", contou. A amputação total dos pés do segurança chegou a ser descartada na época do acidente.
Apesar disso, o casal garante que a parte mais difícil do tratamento já passou: as dores. Os procedimentos que Franklin precisou fazer eram na base de anestesia. Quando o efeito cessava, elas voltavam com tudo. "Isso já passou, graças a Deus", relembrou Aline.
Mesmo com a alta o tratamento dele vai continuar, possivelmente com retorno de 15 em 15 dias ao hospital. Além disso, o segurança precisará fazer fisioterapia para "reaprender" a andar.
Apesar do tratamento prolongado e de não saber ainda como a vida vai ficar pós internação – ele trabalhava como segurança há 15 anos – o que mais importa hoje ao casal é chegar em casa e rever Bryan.
"Quero ver minha família que tá em Guajará, ver meu filho. Ter todos juntos novamente", disse Franklin.