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    porto velho, domingo 24 de novembro de 2024

STJ anulou provas por invasão ilegal de domicílio 959 vezes em 2023

Foram 857 decisões de concessão da ordem em Habeas Corpus e outras 102 em recursos em HC.


CONJUR

Publicada em: 04/01/2024 10:40:32 - Atualizado

BRASIL: Em 2023, o Superior Tribunal de Justiça anulou provas decorrentes de invasão ilícita de domicílio por policiais sem autorização judicial em 959 processos.

A quantidade expõe a distância existente entre a prática da investigação criminal e os patamares mínimos exigidos pela corte superior para sua validação.

Foram 857 decisões de concessão da ordem em Habeas Corpus e outras 102 em recursos em HC. Desses, 812 casos disseram respeito exclusivamente a invasão de domicílio. Os demais envolveram também temas como busca pessoal, busca veicular e atuação de guardas municipais.

O levantamento é do advogado David Metzker, que compila diariamente todas as concessões de ordem publicadas no site do STJ com o objetivo de entender como o HC é percebido e admitido pelos ministros da corte.

A invasão de domicílio é o 7º tema que mais levou o tribunal a conceder HC. O elevado número de casos decorre da guinada jurisprudencial dada pela corte a partir de 2021, uma posição que ainda segue em disputa no Judiciário.

HCs e RHCs concedidos em 2023
Ingresso em domicílio812
Busca pessoal e ingresso em domicílio98
Ingresso em domicílio por guardas municipais32
Busca veicular e ingresso em domicílio7
Busca pessoa e ingresso em domicílio por guardas municipais6
Busca pessoal, veicular e ingresso em domicílio4

Crime permanente
A possibilidade de superar a inviolabilidade do domicílio garantida pela Constituição Federal sem autorização judicial foi admitida pelo Supremo Tribunal Federal em 2015.

Como nenhum direito é absoluto, a casa de alguém pode ser invadida desde que existam fundadas razões devidamente justificadas que indiquem que há situação de flagrante delito.

Assim, as incursões policiais passaram a ser toleradas pelo Poder Judiciário especialmente nos casos em que resultam em apreensão de drogas, uma vez que o crime de tráfico é permanente.

Isso significa que o crime continua enquanto a pessoa estiver praticando qualquer uma das 18 condutas que o artigo 33 da Lei de Drogas elenca para caracterizar o tráfico, incluindo ter em depósito e guardar consigo.

Na prática, policiais primeiro invadiam e, depois, justificavam, caso encontrassem as drogas no local. Invasões que não gerassem apreensões também não gerariam processos. Logo, essas violações passariam absolutamente impunes.

Também passou a ser comum justificar as invasões por uma suposta autorização dada pelos moradores da casa, uma afirmação frequentemente tomada por verdadeira porque a palavra do agente público, como o policial, tem fé pública.

Esse cenário levou a 3ª Seção do STJ, a quem cabe definir o que configuram as fundadas razões para invadir a casa de alguém sem autorização judicial, a fazer uma guinada jurisprudencial em 2021.

A partir de então, passou a tratar com mais rigor a análise das justificativas apresentadas, além de exigir a devida comprovação, por escrito ou por vídeo, de que o morador autorizou a entrada dos policiais durante a diligência.

Conflitos jurisprudenciais
A nova posição deu às polícias brasileiras a possibilidade de qualificar a forma de combate a um dos crimes mais numerosos no país: o tráfico de drogas. Mas também criou conflitos jurisprudenciais.

O número de Habeas Corpus sobre o tema indica que a posição não foi totalmente assimilada por juízes e tribunais — inclusive porque os próprios precedentes foram firmados em HC e não são vinculantes.

A discussão chegou ao Supremo Tribunal Federal. O Plenário tem em julgamento um HC para definir se a identificação de atitude suspeita pela polícia basta para permitir a invasão da residência de uma pessoa sem autorização judicial.

O caso foi interrompido por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Relator, o ministro Luiz Edson Fachin votou por reconhecer a ilicitude da prova, uma posição que vem manifestando em decisões monocráticas.

Abriu a divergência o ministro Alexandre de Moraes. Em reiteradas decisões, ele tem defendido que denúncia anônima de crime permanente autoriza a invasão de domicílio sem autorização judicial.

Para Moraes, o STJ inovou no exercício de sua função ao acrescentar um requisito não previsto no artigo 5º, inciso XI da Constituição Federal — a norma que garante a inviolabilidade do domicílio.

Foi dele a decisão derrubar uma parte relevante do principal precedente construído pela 6ª Turma do STJ. O colegiado determinou que as polícias se aparelhassem com câmeras nos uniformes, de modo a comprovar a autorização dos moradores.

Ondas jurisprudenciais
No STJ, os casos de invasão de domicílio sem autorização judicial seguem tão recorrentes que é possível identificar ondas jurisprudenciais.

Uma delas, por exemplo, é das ações policiais justificadas pelo cheiro de entorpecentes que poderia ser sentido do lado de fora da residência. Como mostrou a ConJur, o tema desafia as balizas criadas pelo STJ para tratar o tema.

Outra onda é a dos flagrantes feitos de fora do domicílio — por cima do muro, entre a fresta do portão ou ao visualizar drogas porque a porta do imóvel estava aberta. Isso, também, levou a um endurecimento de critérios na corte.

Com isso, os ministros têm afastado justificativas pouco críveis ou confiáveis para invadir a casa de alguém sem autorização judicial. E elas não são poucas.

Em uma decisão monocrática recente, o ministro Ribeiro Dantas declarou que “não cansa de surpreender este julgador a criatividade dos policiais para justificar o ingresso desautorizado em domicílio”.

No caso, policiais perseguiram uma pessoa, mas a perderam de vista quando se depararam com duas pessoas na frente de uma casa. Perceberam o nervosismo deles e, ao abordá-los, receberam a confissão de que plantavam maconha.

Esse tipo de situação levou o ministro Messod Azulay a remeter alguns casos ao Ministério Público competente, para apurar eventual abuso de autoridade praticado por policiais.

“O que eu vejo é que estamos aqui enxugando gelo”, afirmou, em abril, quando anunciou a medida aos colegas de 5ª Turma. Explicou que as invasões ilícitas vinham se repetindo sem maiores consequências.

“E sempre encontrando alguma coisinha: meia dúzia de pílulas, 200 g de maconha, 300 g de cocaína. Parece uma coisa que me chamou atenção, no mínimo. Se estamos anulando, é porque há alguma coisa ilícita. E se há alguma coisa ilícita, é preciso que se extraiam peças e se encaminhe ao Ministério Público”, afirmou.

Jurisprudência vasta
Com tantos HCs sobre o mesmo tema, a jurisprudência do STJ é, de fato, vasta. A corte entendeu ilícita a invasão nas hipóteses em que a abordagem é motivada por denúncia anônima, pela fama de traficante do suspeito, por tráfico praticado na calçada, por atitude suspeita e nervosismo, cão farejador, perseguição a carro ou apreensão de grande quantidade de drogas.

Também anulou as provas quando a busca domiciliar se deu após informação dada por vizinhos e depois de o suspeito fugir da própria casa ou fugir de ronda policial. Em outro caso, entendeu ilícita a apreensão feita após autorização dos avós do suspeito para ingresso dos policiais na residência.

O STJ também definiu que o ingresso de policiais na casa para cumprir mandado de prisão não autoriza busca por drogas. Da mesma forma, a suspeita de que uma pessoa poderia ter cometido o crime de homicídio em data anterior não serve de fundada razão para que a polícia invada o domicílio de alguém.

Por outro lado, é lícita quando há autorização do morador ou em situações já julgadas, como quando ninguém mora no local, se há denúncia de disparo de arma de fogo na residência ou flagrante de posse de arma na frente da casa, se é feita para encontrar arma usada em outro crime — ainda que por fim não a encontre — ou se o policial, de fora da casa, sente cheiro de maconha, por exemplo.



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