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porto velho, domingo 24 de novembro de 2024
BRASIL: As mulheres em situação de rua ainda enfrentam uma série de dificuldades para acessar as instâncias judiciais e outros serviços de Justiça, questões ainda mais evidenciadas durante a epidemia de Covid-19. A relação entre o grupo social e a violência doméstica é investigada e exposta em artigo publicado na 7ª edição da Revista Eletrônica do Conselho Nacional de Justiça.
A pesquisa se baseou em um levantamento documental a partir da seleção de três ações penais que tramitaram no 1º Juizado de Violência Doméstica no Rio de Janeiro (RJ) após março de 2020, envolvendo relações afetivas dessas mulheres. No texto, de autoria das juízas Adriana Ramos de Mello, Marcela Lobo e Taís Scheer, foram analisados elementos que podem ter impactado no direito de acesso à justiça pelas partes.
O trabalho “Violência doméstica contra as mulheres em situação de rua e a pandemia da Covid-19: como garantir o direito de acesso à Justiça” evidencia que as mulheres em situação de rua, em geral, não costumam reportar violações sofridas por medo. Há o receio de humilhação, estigmatização, prisão, tortura ou outras violências por parte dos agentes do Estado. Os obstáculos enfrentados por elas vão desde falta de acesso à saúde, água potável, alimentação, higiene, chegando à ausência de direitos e de políticas públicas que as assistam.
Dentro desse contexto, a crise sanitária mundial, provocada pela pandemia de Covid-19, ampliou as dificuldades, uma vez que os serviços judiciais migraram, passando, emergencialmente, ao ambiente virtual. A exclusão digital foi o que tornou o acesso à justiça, por parte das vítimas em situação de rua, ainda mais preocupante, segundo o trabalho. Na análise feita pelas especialistas, os empecilhos para acessar serviços de saúde e segurança pública somam-se a questões como falta de documentos e o uso abusivo de álcool e de drogas.
Nos três casos selecionados, os réus foram presos em flagrante delito e eram companheiros ou namorados das vítimas. Tanto as vítimas, quanto os réus trabalhavam no mercado informal, não tinham condições de arcar com moradia e, por essa razão, se encontravam nas ruas. A intervenção da polícia, nos casos estudados, só ocorreu em função de uma situação em flagrante delito, sem que houvesse a procura espontânea das mulheres por seus direitos.
Um comitê da ONU, desenvolvido para garantir a aplicação da Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, observou a existência de uma série de restrições que impedem as mulheres de acessar a Justiça nas mesmas condições de igualdade em relação aos homens e que esses problemas ocorrem em um contexto de discriminação estrutural e de desigualdade.
Nos três processos estudados, entre os muitos que tramitam no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), ficou clara a falta de políticas públicas para lidar com essas pessoas excluídas e vulneráveis.
Caminhos possíveis
O artigo destaca que a criação de centros de atendimento à vítima representa estratégia essencial para a interlocução entre as mulheres em situação de rua e os equipamentos estatais disponíveis para a prestação de serviços, tanto na esfera estadual quanto municipal.
A Resolução CNJ n. 253/2018, modificada pela Resolução n. 386/2021, já havia determinado a criação de centros especializados de atendimento e acolhimento à vítima nos tribunais brasileiros. No entanto, somente em 22 de outubro de 2021 foi instalado o primeiro centro especializado, por iniciativa do TJ-RJ.
A criação de unidades e de balcões específicos para o público feminino, segundo as autoras, é fundamental para que possam garantir a todos os grupos étnicos e minoritários da população o atendimento necessário. “Essas são algumas estratégias que podem viabilizar mais disseminação e ampla circulação, retirando o Poder Judiciário do seu encastelamento e efetivamente atingindo o público que dele precisa”, destaca o artigo.
Revista CNJ
Composta por dez artigos, este volume da Revista Eletrônica do Conselho Nacional de Justiça (e-Revista CNJ) traz textos fundamentados em três eixos prioritários: a Defesa dos Direitos Humanos, a Proteção de Dados e a Segurança Cibernética. Com informações da assessoria de imprensa do Conselho Nacional de Justiça.