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porto velho, sexta-feira 22 de novembro de 2024
BRASIL: A possibilidade de retroação da proposta de acordo de não persecução nas esferas cível e penal tem servido como tábua de salvação para candidatos que se encontram inelegíveis por condenações por improbidade administrativa ou em ações penais.
A celebração desses acordos faz o Ministério Público abrir mão da ação, mediante uma série de contrapartidas. Assim, caem também as consequências do processo sobre os direitos políticos dos réus.
Essa possibilidade foi instituída pelo pacote “anticrime” (Lei 13.964/2019), que inseriu o artigo 28-A no Código de Processo Penal e o artigo 17-B na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992).
As regras são aplicáveis nas situações em que os processos já estavam em andamento quando a lei entrou em vigor. No caso penal, o Supremo Tribunal Federal já admitiu a retroatividade, desde que a condenação não tenha transitado em julgado.
No próximo dia 11, o Plenário da corte deve se reunir para fixar teses e estabelecer pontos importantes sobre o uso do ANPP, como se essa solicitação poderá ser feita a qualquer momento ou se o Ministério Público é que terá um prazo para avaliar todos os casos passíveis de acordo.
Com a campanha eleitoral já em andamento no Brasil, o STF e o Superior Tribunal de Justiça têm recebido petições para conferir efeitos suspensivos às condenações de pessoas que se candidataram e, em tese, poderiam firmar acordos com o Ministério Público.
Há decisões contrárias e a favor da suspensão. Quando elas atendem ao pedido dos réus, há a intimação do MP para decidir se o caso é de cabimento ou não do acordo. Ou seja, não se reconhece o direito de alguém a ser beneficiado, apenas a possibilidade.
Dois desses pedidos foram concedidos em 28 de agosto pelo ministro Gilmar Mendes, decano do STF, nos autos do Habeas Corpus que está em julgamento no Plenário para dar contornos finais ao tema.
Em um dos casos, ele concedeu HC de ofício para suspender a inelegibilidade de Neuma Café (Federação Brasil da Esperança), candidata à prefeitura de Pedro II (PI). Ela foi condenada por crime de responsabilidade de omissão na prestação de contas de convênio público.
A condenação foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região e aguarda recurso no STJ. Para o ministro Gilmar, ficou claro no caso o perigo de dano irreparável, considerada a proximidade das eleições.
No outro caso, Abrahão Moura (MDB), que concorre à reeleição para a prefeitura de Paripueira (AL), também se beneficiou de HC de ofício. Ele foi condenado por crime de responsabilidade por apropriar-se de bens ou rendas públicas.
Após confirmar a condenação, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região abriu prazo para o Ministério Público Federal se manifestar sobre a hipótese de ANPP. O órgão recusou o acordo por entender que isso só seria cabível se a denúncia ainda não tivesse sido recebida.
A defesa, então, pediu o envio dos autos à Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, uma possibilidade garantida no parágrafo 18 do artigo 28-A do CPP. O TRF-5 negou o pedido por entender, igualmente, que o ANPP só seria cabível até o recebimento da denúncia.
Como a posição conflita com a decisão do STF, Gilmar concedeu a ordem para suspender a inelegibilidade, destacando que não haverá prejuízo porque fatos supervenientes ao registro de candidatura podem ser apreciados na Justiça Eleitoral.
O STJ registrou uma suspensão de inelegibilidade para aguardar a análise sobre a homologação de acordo de não persecução cível. A decisão monocrática foi do ministro Benedito Gonçalves, em favor de Renato Sessete (Avante), que concorre à reeleição em Porto Firme (MG).
Na petição, o candidato destacou que o risco da demora está no uso eleitoral das informações de que é “ficha suja” e de que está inelegível. “Não se pode permitir que essas falsas notícias se baseiem em processos como este, onde não há trânsito em julgado.”
No caso de Sessete, o acordo já foi celebrado com o Ministério Público de Minas Gerais, mas aguardava homologação pelo juízo. Os diretórios municipais de dois partidos haviam manifestado oposição a que isso ocorresse.
Homologar ou não a transação cível fica a cargo do juiz, a quem cabe analisar se foram cumpridos os requisitos de validade e as condições de eficácia. É uma espécie de freio diante da possibilidade de desvio praticado na celebração do acordo de não persecução.
O tribunal também suspendeu a inelegibilidade do youtuber Bismark Fugazza (DC), que chegou a ser preso por causa da suspeita de financiamento dos atos de 8 de janeiro de 2023 em Brasília. Ele é candidato à prefeitura de Barra Velha (SC).
Sua inelegibilidade decorre de outro crime: uma condenação por apropriação indébita de 46 contêineres que seriam de propriedade da União. O fato gerou mais de uma ação penal, sendo que, em uma delas, houve a homologação de ANPP.
Na outra ação, o youtuber foi condenado em segunda instância. O processo aguarda julgamento de embargos de declaração no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, e a alegação é de que esse processo seria abarcado pelo acordo firmado anteriormente.
Ao analisar a petição do candidato, a ministra Daniela Teixeira, do STJ, vislumbrou a possibilidade de bis in idem (dupla condenação pelo mesmo fato) e decidiu dar efeito suspensivo aos embargos de declaração, suspendendo também a inelegibilidade.
Nem sempre, porém, a possibilidade de ANPP acaba salvando a candidatura. Ao analisar o caso de Silvanir Simplício (PSD), candidato à prefeitura de Pedra Dourada (MG), o ministro Sebastião Reis Júnior, do STJ, negou o pedido de suspensão da inelegibilidade.
Simplício foi condenado por peculato e defende a possibilidade de propositura do ANPP. O problema é que o tema não foi suscitado anteriormente e nem sequer foi analisado pelas instâncias ordinárias. Com isso, não seria analisável diretamente pelo STJ.
O timing das solicitações também tem importância, como ficou demonstrado quando o ministro Messod Azulay negou o pedido de suspensão formulado por Astor Parnow (PL), candidato a vereador em Sinimbu (RS) e condenado por obter financiamento mediante fraude.
O magistrado aplicou a jurisprudência então vigente na 5ª Turma do STJ, no sentido de que o ANPP só é cabível para os processos que ainda não tiveram a denúncia recebida. A decisão monocrática foi publicada em 9 de agosto, um dia depois de o STF formar maioria para decidir que o acordo cabe até o trânsito em julgado da ação penal.