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porto velho, quarta-feira 19 de novembro de 2025

BRASIL - A juíza de Direito Lorena Reis Bastos Dutra, da 34ª vara Cível do Rio de Janeiro/RJ, condenou uma associação responsável por intermediar programas de voluntariado internacional a indenizar uma participante que, após contratar um projeto ambiental na Costa Rica, foi submetida a atividades totalmente diferentes das prometidas, incluindo trabalho braçal em condições precárias.
A magistrada reconheceu o inadimplemento contratual, a violação ao dever de informação e a falha na prestação do serviço, com base no CDC. A ré foi condenada a pagar R$ 12.178,24 por danos materiais e R$ 12 mil por danos morais.
Entenda o caso
A autora contratou o programa "Voluntário Global", divulgado como uma experiência alinhada ao ODS 14 da ONU, com foco na preservação da biodiversidade marinha. Pagou R$ 2.020 à associação e arcou com os custos de passagens, seguro e hospedagem, conforme orientação da própria entidade.
Desde o início, relatou desorganização, informações contraditórias e falhas de comunicação. Ao chegar à Costa Rica, foi surpreendida pela cobrança de uma taxa extra de US$ 382, não informada previamente.
O principal problema, no entanto, foi a frustração da proposta: em vez de participar de ações de preservação marinha, acabou realizando tarefas como cimentar um pátio e construir um fumódromo, sem relação com o programa contratado e sem uso de equipamentos de proteção.
Ao tentar cancelar ou transferir sua participação, foi oferecido um projeto alternativo igualmente inviável: as atividades com tartarugas ocorriam fora do período da viagem (março), exigiam nova taxa de US$ 109 e suprimiam benefícios originalmente contratados, como alimentação.
A autora alegou que a associação já tinha conhecimento da precariedade do programa, citando outro caso semelhante. Sem apoio, deixou o local em 24 de março de 2023 e retornou ao Brasil por conta própria. Requereu ressarcimento dos prejuízos e indenização pelos danos emocionais, comprovados por declaração psicológica.
Em contestação, a associação afirmou que apenas intermedeia os projetos e que os problemas seriam de responsabilidade da ONG local. Disse ter oferecido alternativas e alegou que a autora teria desistido de forma unilateral.
Associação indenizará participante por falha em programa de voluntariado internacional.(Imagem: Freepik)
Desvio do objeto contratado
A juíza considerou que, embora sem fins lucrativos, a ré atua como fornecedora de serviços ao cobrar pela intermediação dos programas, ficando sujeita às normas do CDC e à responsabilidade objetiva do art. 14.
Constatou-se desvio completo do objeto contratado: o programa prometia atividades de preservação ambiental, mas a participante foi direcionada a trabalhos de construção civil, totalmente desconectados da proposta original.
"A realidade encontrada, porém, foi drasticamente distinta: a Autora foi confinada em um local de hospedagem precário e submetida a trabalhos de construção civil (cimentar pátio e construir fumódromo), atividades que não exigiam suas competências profissionais e eram totalmente alheias à temática da vida marinha ou ao ODS 14, desvirtuando completamente o propósito do intercâmbio voluntário."
A tentativa da associação de enquadrar essas tarefas como parte de um esforço de "despoluição marítima" foi rejeitada. Para a magistrada, tratava-se de utilização da mão de obra voluntária em benefício privado do parceiro local, com desvirtuamento da finalidade do projeto.
"A tentativa da Ré de justificar o trabalho braçal como parte da 'despoluição' (ODS 14) não se sustenta. Construção civil de infraestrutura interna do local de hospedagem, sem fornecer sequer EPIs, não se confunde com 'ação para o oceano sustentável'. Trata-se de desvio de mão de obra voluntária para benefício privado do local de hospedagem/parceiro da associação, mediante a fraude na publicidade do projeto."
Má-fé e omissão de riscos
A juíza também destacou que a associação já havia recebido reclamações sobre o mesmo local e projeto, mas omitiu tais informações da consumidora, violando os deveres de transparência e boa-fé.
"A própria Ré já tinha conhecimento dos problemas estruturais e de adequação do projeto na localidade de Drake Bay (...) A ciência prévia da falha estrutural do sistema de entrega internacional impunha à associação o dever de sustar o envio da Autora ou, no mínimo, de informá-la integralmente dos riscos e das reclamações já existentes."
Diante disso, concluiu que a autora não desistiu voluntariamente, mas deixou o programa por justa causa, em razão da falha contratual substancial da ré.
Indenização
A juíza reconheceu que todos os valores gastos - incluindo taxas pagas no exterior, transporte, seguro e despesas essenciais - decorrem diretamente da má prestação do serviço, justificando a condenação ao pagamento de danos materiais.
Quanto aos danos morais, considerou o impacto emocional sofrido, a exposição da participante a riscos no exterior, a ausência de suporte e a frustração de expectativas legítimas:
"A situação vivenciada pela Autora revela um profundo abalo à sua integridade psíquica, decorrente da frustração de um planejamento de vida e da exposição a um risco desnecessário em ambiente estrangeiro. A quebra da confiança depositada na 'maior e mais antiga associação civil do mundo' (.) resultou na constatação de que o projeto social destoava de sua promessa."
A magistrada ressaltou, ainda, que a associação possui histórico de falhas semelhantes, o que reforçou o caráter pedagógico da condenação. A indenização por danos morais foi fixada acima da média de casos análogos, para refletir a extensão dos sofrimentos e coibir novas práticas.
O escritório Leonardo Amarante Advogados Associados autou no caso.