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porto velho, sábado 22 de novembro de 2025

BRASIL - A Rádio e Televisão Record S/A foi condenada ao pagamento de R$ 100 mil por danos morais a um casal falsamente retratado em uma reportagem que atribuía ao pai a confissão de ter abusado e matado o próprio filho de dois anos.
A decisão é do juiz Emanuel Brandão Filho, da 6ª vara Cível de Santo Amaro/SP, que também determinou a exclusão da matéria do portal da emissora.
Entenda o caso
A ação foi ajuizada após a Record publicar, em 30/7/2022, a reportagem intitulada "Pai confessa ter matado e abusado de filho de apenas dois anos em SP". Segundo o conteúdo, o pai teria admitido o crime na delegacia e sido preso em flagrante.
A matéria foi posteriormente reproduzida em uma página de rede social, ampliando a divulgação da informação.
Contudo, os documentos anexados ao processo, como o boletim de ocorrência e o termo de declarações, demonstraram que não houve confissão nem prisão em flagrante. O pai negou qualquer prática criminosa.
Posteriormente, o laudo necroscópico confirmou que a criança morreu por hipóxia decorrente de infecção generalizada, sem sinais de violência sexual.
Diante da repercussão da reportagem e da gravidade das acusações, o casal entrou com ação judicial para corrigir os fatos, solicitar a retirada da notícia e buscar indenização pelos danos morais sofridos.
Em sua defesa, a Record alegou ter atuado no exercício da liberdade de imprensa e do direito de informar, sustentando que apenas teria narrado os fatos de forma objetiva, sem cometer qualquer ilícito.
O Facebook, por sua vez, afirmou que não se responsabiliza por conteúdo gerado por terceiros e que não realiza controle prévio das publicações. Já o responsável pela página que compartilhou a matéria alegou ter apenas reproduzido integralmente o conteúdo da emissora, destacando que, por não se tratar de um veículo profissional, não teria obrigação de verificar a veracidade das informações.
Liberdade de imprensa não autoriza divulgar fato falso
Ao analisar o caso, o juiz destacou que a CF garante a liberdade de expressão, o direito à informação e veda a censura (art. 5º, incisos IX e XIV; art. 220), mas também assegura o direito de resposta e a indenização por dano moral (art. 5º, inciso V).
Com base nesse equilíbrio, concluiu que não houve violação à liberdade de imprensa, já que a responsabilização decorreu da divulgação de um fato sabidamente falso, e não de censura ao conteúdo jornalístico.
"A veicular fato que jamais existiu, atribuindo ao co-autor, pai da criança, o prática de abuso e homicídio contra o próprio filho, o órgão de imprensa (corréu Record) afastou-se de sua função/missão de informar, causando inequívoco e (neste caso específico) odioso dano moral aos autores. Note-se bem, não se tratou de má interpretação dos fatos por parte mencionado órgão de imprensa. Tratou-se de veiculação de fatos que comprovadamente jamais ocorreram e não que estiveram registrados em lugar algum."
Para o magistrado, não se tratou de simples erro de interpretação, mas de um rompimento com a missão jornalística de informar com responsabilidade, em afronta ao Código de Ética dos Jornalistas, que exige veracidade, precisão e compromisso com o interesse público.
A sentença reconheceu o impacto da falsa acusação, especialmente diante da morte recente da criança, e apontou que a veiculação da matéria agravou o sofrimento e a exposição indevida da família.
Diante disso, a Record foi condenada a retirar a reportagem de seus portais e plataformas no prazo de 15 dias e a indenizar o pai em R$ 70 mil e a mãe em R$ 30 mil.
O responsável pela página que compartilhou a notícia foi absolvido, por ter reproduzido conteúdo de uma fonte jornalística formalmente regular, sem inserções ou comentários próprios.
Quanto ao Facebook, o juiz aplicou o Marco Civil da Internet, segundo o qual o provedor de aplicação só responde se descumprir ordem judicial de remoção - o que não ocorreu neste caso, já que não houve solicitação prévia dos autores.