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Justiça inocenta policial militar que matou rapaz em SP por 'disparo involuntário'

A família da vítima pretende ajuizar ação contra o Estado pela compra do armamento inapto


Notícias ao minuto

Publicada em: 05/12/2018 08:35:21 - Atualizado


Justiça Militar paulista arquivou o caso do policial militar investigado pela morte de um entregador de pizzas em São Caetano do Sul (Grande SP) por considerar que a pistola do agente disparou sozinha. A decisão foi baseada em laudos periciais que constataram falhas na fabricação da arma. A família da vítima pretende ajuizar ação contra o Estado pela compra do armamento inapto.

David Soares de Freitas, 20, foi morto na noite de 12 de junho, com um tiro no tronco saído da pistola calibre .40 do soldado da Polícia Militar Rafael Junior Pereira, 28. Ele estava na garupa de uma moto com uma mochila de entregar pizzas.

Segundo os policiais, David e seu colega André Almeida Guarda Neto tinham as mesmas características de uma dupla que havia praticado roubos pela região e por isso foram abordados.

Foi neste momento que, segundo o soldado, ao tentar frear sua moto para realizar a abordagem, teria perdido o controle, caído e a arma disparado involuntariamente. Ainda de acordo com o PM, seu dedo não estava no gatilho no instante do tiro e foi o tranco da queda que causou o disparo.

Mesmo socorrido pelos policiais e levado ao Hospital de Heliópolis, na zona sul da capital paulista, David não resistiu e morreu no dia seguinte. Com ele e o colega, não foram achados os celulares procurados pelos agentes. 

O laudo pericial do Instituto de Criminalística confirmou que a pistola tinha defeitos na trava de segurança. Nos testes, por duas vezes, num total de dez tentativas, a trava emperrou e não retornou a sua posição original de travamento. Quando submetida a movimentos bruscos, a armadilha do pino da arma, que deveria ficar presa num compartimento, se descolou em nove de dez testes.

Segundo o promotor da Justiça Militar Marcel Del Bianco Cestaro, que pediu o arquivamento, os laudos são suficientes para dizer que o soldado não pode ser responsabilizado pela morte do entregador de pizzas, já que "ele não poderia ter conhecimento dos defeitos que sua arma apresentava".

"As falhas de fabricação constatadas na arma de fogo vão ao encontro do relato do investigado, que aduziu que seu dedo sequer estava no gatilho da pistola quando houve o disparo", escreveu o promotor. "Assim, mostra-se coerente que o defeito no material bélico, que possibilita o disparo sem que o miliciano contribua para tanto, tenha sido a causa do disparo involuntário."

O juiz Enio Luiz Rossetto, da primeira instância da Justiça Militar, determinou o arquivamento do caso ao concordar com a argumentação do Ministério Público.

O caso foi julgado pela Justiça Militar porque foi registrado como homicídio culposo (sem intenção de matar), numa delegacia da cidade metropolitana. Os homicídios culposos praticados por policiais militares não são competência da Justiça comum, que julga os casos de homicídios dolosos (com intenção) cometidos pelos agentes.

Na Delegacia Sede de São Caetano do Sul, ainda tramita um inquérito para apurar o caso. A promotoria aguarda o término da investigação da polícia para decidir se irá denunciar o policial.

A família pretende ingressar uma ação pedindo indenização do Estado. Para eles, o laudo mostrou que é o Estado o culpado pela morte, por comprar armas com defeito.

"Não é o primeiro caso, já houve outro semelhante em que o policial alegou que a arma disparou sozinha. Então elas não estão aptas para serem usadas. E o Estado, que deixa esse armamento na mão dos policiais, assume o risco de um eventual acidente", afirma o advogado da família da vítima, Marcio Nantes.

O advogado de defesa do policial diz que essa teria sido a primeira vez em que a arma do soldado apresentou problemas, mas que os defeitos são corriqueiros. "Temos no escritório outros casos em que também ocorreram disparos acidentais por conta de falhas de segurança nas armas da corporação", afirma William de Castro Alves dos Santos.



No país, em 2017, foram 2.511 mortes provocadas por PMs em serviço, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Somente no estado de São Paulo foram 643 casos.

A Polícia Militar diz que não comenta decisões judiciais, mas em nota confirma que foram identificados problemas no armamento similar ao do soldado, pistolas calibre .40, comprado pelo estado da empresa Taurus.

Segundo a corporação, as pistolas tem "disparos involuntários, sem a intervenção do policial militar ou, ainda, com a intervenção deste, em disparos sucessivos, fatos que constituem não conformidades. Estas armas foram submetidas a uma revisão pela própria empresa, nos anos de 2013 e 2014".

A Taurus perdeu o monopólio de venda de armas para a PM paulista no ano passado quando o Exército autorizou a licitação internacional, após a empresa ser impedida de licitar com o governo paulista.

A sanção foi imposta após a Taurus vender 6.000 submetralhadoras, no valor de cerca de R$ 30 milhões, que estão dentro de caixas há cinco anos por graves falhas de funcionamento.

Procurada, a fabricante de armas não havia respondido até a publicação deste texto.




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