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STJ delimita hipótese de apelação contra condenação do Júri contrária às provas

Soberania da decisão dos jurados pode ser revertida se provas dos elementos essenciais ao crime forem inexistentes


Conjur

Publicada em: 04/09/2021 11:49:52 - Atualizado


BRASIL - A decisão condenatória do Tribunal do Júri será manifestamente contrária à prova dos autos quando não existirem subsídios capazes de comprovar, individualmente, cada um dos elementos essenciais ao crime, isoladamente considerados — como autoria e materialidade.

Aferir a existência dessas provas é missão do Tribunal de Justiça que julgar a apelação prevista no artigo 593, inciso III, alínea "d", do Código de Processo Penal. Se a corte local não for capaz de apontar tais provas, seu acórdão será omisso (nulo) ou o veredicto deverá ser cassado por falta de provas.

Cabe ao Superior Tribunal de Justiça a tarefa de verificar se a falta de menção à comprovação de um dos elementos do crime é uma omissão ilegal (o que levaria à anulação do acórdão) ou um silêncio eloquente que demonstra a pura e simples inexistência de provas (o que levaria a novo julgamento no Júri).

Essa é, em suma, a tese proposta pelo ministro Ribeiro Dantas e aprovada por unanimidade na 5ª Turma do STJ para dar contornos a uma das maiores dificuldades hermenêuticas da prática penal no Brasil: definir o que seria a completa dissociação entre o veredicto e as provas dos autos, apta a autorizar o controle jurisdicional da decisão do Júri.

A tese foi elaborada em cima do caso de uma mulher que foi condenada como mandante do assassinato de um homem, morto por se recusar a desocupar um imóvel que ela havia adquirido em leilão.

A ré apelou, mas o Tribunal de Justiça do Ceará manteve a condenação. Ao STJ, ela defendeu que a prova de autoria do delito simplesmente não existe. O que há é a confirmação de que é proprietária de um imóvel indevidamente ocupado e a morte daquele que o indevidamente ocupava.

Ao analisar o caso, o ministro Ribeiro Dantas entendeu que o TJ-CE foi incapaz de indicar a comprovação de um dos elementos essenciais do crime: a autoria. Embora haja prova dos demais (materialidade, dolo e motivo qualificador), a ausência de um deles é suficiente para levar à cassação do veredicto.

Assim, a ré terá de passar por mais um julgamento pelo Tribunal do Júri.

Como julgar a apelação
Para embasar a tese, o ministro Ribeiro Dantas explicou que, embora não caiba ao juiz togado examinar a prova dos autos — função exclusiva dos jurados —, deve investigar se o veredicto encontra suporte, ainda que mínimo, nas provas e teses apresentadas em plenário.

Assim, o magistrado só faz o que define como juízo antecedente: o da existência das provas. Se elas existem, a apelação é desprovida, porque não cabe ao tribunal fazer o juízo consequente. Este se refere ao grau de convencimento pessoal e cabe aos jurados, que decidirão se os fatos são adequados para condenar o réu.

"São tênues, de fato, as linhas que delimitam a atividade cognitiva do magistrado em processos dessa espécie, mas uma conclusão é inegável: pelo menos a existência de provas deve ser analisada pelo Tribunal, ainda que os desembargadores discordem da valoração que lhes deu o júri', disse o ministro.

Como atua o STJ
Se o tribunal de apelação, além de averiguar a existência das provas, avançar para o mérito do conjunto probatório, terá afrontado a soberania dos veredictos prevista no artigo 5º, inciso 38º da Constituição. Nessa hipótese, caberá ao STJ anular o acórdão.

"Embora não se exija pronunciamento expresso quanto a cada ponto suscitado pelas partes — já que a atividade de julgar não equivale a preencher um questionário ideal por elas apresentado —, deve o Tribunal expor a existência de todas as provas que dão suporte ao veredicto dos jurados, em relação a cada um dos elementos essenciais do crime", explicou o ministro Ribeiro Dantas.

Se, por outro lado, o acórdão demonstrar que as provas para cada um dos elementos existem, os recursos que questionarem a força e o peso atribuído a elas esbarrarão na súmula 7 do STJ, que impede reanálise fática e probatória.

A última hipótese surge quando o tribunal de apelação analisa o conjunto fático, mas não explicita a existência de provas para cada um dos elementos do crime.

O relator reconheceu que, nesse caso, seria ingenuidade esperar que o próprio acórdão impugnado afirmasse, literalmente, não ter encontrado provas de algum elemento essencial do crime, apesar de manter a condenação.

"Cabe ao STJ a tarefa de verificar se a falta de menção à comprovação de um dos elementos do crime é uma omissão ilegal, tornando deficiente a prestação jurisdicional feita na origem, ou um silêncio eloquente, que demonstra a pura e simples inexistência de provas naquele ponto", concluiu.

Elemento da autoria é prejudicial
No caso dos autos, segundo o ministro Ribeiro Dantas, o TJ-CE não apresentou comprovação de autoria do homicídio. Nenhuma das testemunhas presenciou o crime ou disse que a ré foi a responsável por encomendar o assassinato a terceira pessoa.

Não há provas dessa negociação, nem exame de movimentação bancária, interpcetação telefônica, perícia para determinar a origem da munição usada etc. Só o que se sabe é que a ré adquiriu um imóvel em leilão e teve desavenças com a pessoa que o ocupava irregularmente.

"Embora seja larga a margem de discricionariedade do júri na avaliação das provas, é preciso que estas pelo menos existam, para que os jurados a valorem. Na completa ausência de provas, no entanto, sequer há valoração a ser confirmada", disse o relator.

Isso faz com que, com segurança, possa-se concluir que o TJ-CE não elencou provas de autoria do delito porque elas simplesmente não existem. E a questão da autoria é prejudicial: sua ausência torna até desnecessária a descoberta dos motivos do crime.

Só vale para condenação
O voto do ministro Ribeiro Dantas traz o aviso de que a argumentação só trata do controle judicial do veredicto condenatório — inclusive porque é só o que a 5ª Turma poderia julgar, pois foi a matéria alvo do recurso especial.

"Para os veredictos absolutórios, penso que os critérios de julgamento — apesar de similares — não são exatamente idênticos. As considerações deste voto devem ser lidas com a delimitação de seu escopo em mente", pontuou.

A possibilidade de recorrer de veredicto absolutório pelo Júri é igualmente controversa e será enfrentada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que tem recurso extraordinário sobre o tema em tramitação. Ele chegou a ser pautado para sessão virtual em outubro de 2020, mas foi retirado por solicitação do ministro Alexandre de Moraes e não tem data para ser julgado.

Nele, a questão a ser respondida é se o júri, soberano em suas decisões, nos termos determinados pela Constituição Federal, pode absolver o réu ao responder positivamente ao quesito genérico sem necessidade de apresentar motivação, o que autorizaria a absolvição até por clemência e, assim, contrária à prova dos autos.

A 1ª Turma do STF, por 3 votos a 2, tem posição no sentido de que o Ministério Público pode recorrer de julgamento em que o Júri absolve o réu, mesmo após admitir a existência de materialidade e de indícios de autoria ou participação no delito.

Juristas também se dividem quanto ao tema. Para alguns, como mostrou a ConJur, a soberania dos veredictos do Conselho de Sentença é uma garantia oferecida pela Constituição ao acusado que deve ser respeitada.

Para outros, como os professores Lenio Streck e Aury Lopes Jr, ambos colunistas da ConJur, a possibilidade de o Júri absolver por "íntima convicção" independentemente da prova dos autos é uma aberração que precisa ser abolida sem demora.


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