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porto velho, sexta-feira 8 de agosto de 2025
MUNDO: A tarifa de 50% anunciada por Donald Trump para os produtos brasileiros está oficialmente em vigor.
Em decreto assinado na última quarta-feira (30), o presidente Donald Trump oficializou a nova alíquota sobre produtos importados do Brasil, e estabeleceu que as tarifas entrariam em vigor sete dias após a publicação da ordem executiva.
No dia seguinte, assinou um decreto em que determinou novas taxas para mais de 70 países, que passam a valer nesta quinta-feira (07).
As taxas oficializadas para mais de 70 países variam entre 10% e 41%, conforme o país de origem. No caso do Brasil, o governo dos EUA aplicou uma alíquota de 10% somado a um reajuste adicional de 40%, totalizando, assim, 50% de tarifa sobre importações de produtos brasileiros.
O decreto de quinta-feira formaliza a reativação do pacote tarifário anunciado por Trump em 02 de abril. Uma semana depois, o republicano suspendeu temporariamente a medida por 90 dias, sob o argumento de que os Estados Unidos precisavam de tempo para negociar com seus principais parceiros comerciais.
Inicialmente, o tarifaço seria retomado integralmente no início de julho. Mas, à medida que algumas negociações evoluíam, Trump voltou a adiar a entrada em vigor das alíquotas.
Ao oficializar o tarifaço que eleva para 50% a alíquota de importação sobre produtos brasileiros, Trump, decidiu poupar da medida um total de 694 itens.
Entre os produtos que ficaram de fora estão suco e polpa de laranja, fertilizantes, combustíveis, máquinas e aparelhos para purificação de água, minérios, polpa de madeira, celulose, castanha-do-Brasil com casca (fresca ou seca), metais preciosos, energia elétrica e aeronaves civis — incluindo motores, peças e componentes. O governo norte-americano optou por manter essas categorias isentas da nova alíquota, ao menos por ora.
Café, carnes e frutas, no entanto, não foram contemplados pelas exceções e passarão a ser taxados em 50%. Esses itens fazem parte de setores considerados estratégicos para o agronegócio brasileiro e já vinham sendo monitorados com preocupação pelo Itamaraty.
Em um trecho da ordem executiva, Trump afirma que poderá intensificar as tarifas caso o Brasil adote medidas de retaliação. “Se o Governo do Brasil retaliar aumentando as tarifas sobre as exportações dos Estados Unidos, aumentarei a alíquota ad valorem estabelecida nesta ordem em um montante correspondente”, alertou o presidente norte-americano no documento.
O texto também abre espaço para uma flexibilização das medidas, desde que o Brasil “tome medidas significativas para lidar com a emergência nacional” declarada pelos EUA e demonstre alinhamento em temas de segurança, economia e política externa.
O anúncio dos últimos dois dias (quarta e quinta-feira, 30 e 31) provocou instabilidade nos mercados financeiros. As bolsas asiáticas fecharam em queda nesta sexta-feira (01), com destaque para o índice sul-coreano Kospi, que recuou 3,88%, a maior perda diária em quatro meses. Em Hong Kong, o Hang Seng caiu 1,07%, enquanto o Nikkei, em Tóquio, cedeu 0,66%. Já em Taiwan, o Taiex fechou em baixa de 0,46%.
Na Europa, o clima também foi de cautela. O índice pan-europeu Stoxx 600 atingiu o menor nível em três semanas, recuando 1,24% no início desta manhã. O DAX, da Alemanha, caiu 1,1%, enquanto o OMXC, da Dinamarca, teve perda de 2,8%, no menor patamar dos últimos dois anos.
As quedas foram puxadas por setores sensíveis às decisões do governo norte-americano. O setor de saúde, por exemplo, registrou baixa de 1,3% após Trump enviar cartas a líderes de 17 farmacêuticas — entre elas a Novo Nordisk e a Sanofi — cobrando cortes nos preços de medicamentos nos EUA. A Novo Nordisk teve desvalorização de 4,2%, no pior desempenho desde 2022. A Sanofi perdeu 1%.
No acumulado da semana, o Stoxx 600 caiu 4,4% desde o pico registrado na segunda-feira (28), quando chegou a se aproximar de sua máxima histórica.
Entre os destaques positivos, a italiana Campari avançou 8,6% após divulgar crescimento no lucro operacional do segundo trimestre. A IAG, dona da British Airways, teve alta de 2,1%, impulsionada pela forte demanda em rotas transatlânticas.
O recuo de Trump evidencia a imprevisibilidade nas relações comerciais com os EUA, sentida por diversos países e blocos econômicos — como China e União Europeia, além do Brasil — desde que o presidente norte-americano assumiu o comando da Casa Branca. Essa instabilidade é reforçada pelo próprio presidente, que reiterou que as tarifas “ainda podem ser modificadas para cima ou para baixo, dependendo do relacionamento com o Brasil”.
Especialistas avaliam que o episódio do tarifaço deve acelerar a estratégia brasileira de diversificação de mercados e fortalecimento de cadeias produtivas domésticas. “Esse tipo de cenário é um chamado à diversificação de mercados, de setores e de soluções. É em momentos de incerteza que surgem as oportunidades mais assimétricas” , avaliou Pedro Ros, CEO da Referência Capital.
Na avaliação do analista Sidney Lima, da Ouro Preto Investimentos, a crise expôs a vulnerabilidade da dependência de um único parceiro comercial. “Ainda que o governo tenha conseguido conter o pior, o episódio mostra a urgência de investir em novos acordos internacionais e reforçar a presença brasileira em outras cadeias globais de valor”, alertou.
Enquanto isso, empresas brasileiras seguem em estado de atenção. “O grande problema do tarifaço é que é difícil substituir os EUA como cliente. O recomendado é que o Brasil não reaja de forma agressiva, pois há o risco real de Trump dobrar essa tarifa para 100%”, resumiu o CEO da Multiplike, Volnei Eyng.
O anúncio das tarifas foi feito no dia 9 de julho e pegou autoridades e empresários de surpresa. No comunicado oficial, Trump classificou os acordos comerciais com o Brasil como uma “relação comercial injusta” e ameaçou somar novas taxas caso o governo brasileiro optasse por retaliar o tarifaço.
“A partir de 1º de agosto de 2025, cobraremos do Brasil uma tarifa de 50% sobre todos e quaisquer produtos brasileiros enviados aos Estados Unidos, separadamente de todas as tarifas setoriais”, afirmou o presidente dos EUA no documento. Ele também alertou que “produtos transbordados para evitar essa tarifa estarão sujeitos à tarifa mais alta”.
A carta provocou uma reação imediata em Brasília. O governo brasileiro decidiu adotar uma estratégia de “duas frentes”, que consistiu em manter o diálogo diplomático com Washington, enquanto estruturava um plano de contingência para proteger setores estratégicos da economia nacional. A iniciativa foi articulada entre o Executivo e o Congresso Nacional, com apoio de lideranças partidárias, empresariais e financeiras.
No dia 16 de julho, uma semana após a carta de Trump, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, reuniu-se com os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil), além de ministros e senadores da base governista. O encontro marcou o início de uma série de reuniões de emergência voltadas à análise dos impactos do tarifaço e à definição de estratégias de resposta.
“Nós vamos defender a soberania nacional, vamos defender os empregos dos brasileiros, vamos defender os empresários brasileiros que geram a riqueza para o Brasil” , afirmou Alcolumbre após a reunião. “Mas tenho convicção de que esse processo tem que ser liderado pelo Poder Executivo” , completou.
Na ocasião, Alckmin ressaltou que as negociações diplomáticas estavam em curso e defendeu uma atuação coordenada entre os Poderes. “A compatibilização das informações é fundamental para que o parlamento esteja à disposição e o governo lidere todo esse processo ao lado do Congresso Brasileiro” , afirmou.
No mesmo contexto, o Senado aprovou a criação de uma comissão externa formada por quatro senadores com a missão de viajar a Washington entre os dias 29 e 31 de julho. O objetivo foi abrir canais de diálogo com o Congresso norte-americano e fortalecer a articulação diplomática.
A imposição da tarifa de 50% atinge, principalmente, setores como o agronegócio, siderurgia, indústria automotiva e exportações de tecnologia. Segundo analistas, o impacto do tarifaço extrapola as fronteiras do comércio exterior e impacta diretamente o ambiente de negócios no Brasil.
“O tarifaço proposto pelos EUA atinge setores estratégicos como agro, siderurgia e indústria automotiva, mas seus efeitos vão além do comércio exterior. O ambiente de incerteza se espalha por toda a economia” , avaliou João Pedro do Val, diretor da Bossa Invest.
A decisão do governo brasileiro de não adotar medidas retaliatórias imediatas também foi bem recebida por especialistas do mercado financeiro. Para Richard Ionescu, CEO do Grupo IOX, a postura cautelosa reforçou a confiança nos mecanismos institucionais. “Isso mostra que o Brasil está mantendo o foco em proteção e estabilidade, o que é essencial para os setores que operam com crédito estruturado e exportações” , disse.
O mesmo entendimento foi compartilhado por André Matos, CEO da MA7 Negócios. Segundo ele, o risco jurídico e contratual aumentou durante o período de incerteza, mas a decisão de manter o diálogo com os EUA contribuiu para evitar rupturas. “O mercado tende a reagir com volatilidade nos setores mais expostos às exportações para os EUA, como Embraer e frigoríficos, e com pressão sobre o câmbio, diante da incerteza no fluxo comercial” , afirmou.
Com a lista de exceções de quase 700 produtos do Brasil e a possibilidade de flexibilização diante de uma negociação entre os dois países, o governo brasileiro considerou como uma vitória diplomática, ainda que parcial.
A nova postura representa uma sinalização de que as negociações conduzidas por Alckmin, com apoio do Congresso e de outros setores da economia, surtiram efeito.
“A estratégia de manter duas frentes, conversar com os EUA e preparar um plano de contingência, mostra maturidade do governo e alerta os empreendedores para uma lição importante: todo negócio precisa ter plano A, B e C” , comentou Theo Braga, CEO da SME The New Economy.
Para Felipe Vasconcellos, sócio da Equus Capital, a postura brasileira foi um sinal claro ao mercado internacional. “O Brasil está lendo bem o momento global, onde política, comércio e segurança estratégica andam juntos. Energia limpa, agro exportador e soluções de descarbonização ganham ainda mais peso nesse novo xadrez internacional” , disse.
Para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o objetivo do Brasil é buscar mais cooperação com os EUA, uma vez que existe "muito espaço para parceria". "A atitude do Brasil tem sido a atitude correta, de argumentar, levar à consideração do governo dos Estados Unidos os pontos de vista sóbrios, maduros e serenos do Brasil, buscar mais cooperação" , declarou.