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porto velho, sexta-feira 31 de janeiro de 2025
MUNDO-"Não é problema meu se você não sabe falar português". "Não há água potável no Brasil". "Mulher brasileira vem para cá para roubar o marido das portuguesas". "Os moradores estão se sentindo incomodados de ver uma pessoa assim como você, estranha, andando por aqui". "Brasileiras são todas putas". "Você não entende nada. Você é burra". "Claro que não, brasileiro vir dar aula aqui?"
As declarações acima foram compartilhadas com a BBC News Brasil por brasileiros que viveram ou ainda vivem em Portugal. Apesar de fazerem parte de uma nova geração de imigrantes, mais qualificados e com maior poder aquisitivo, eles relatam episódios de xenofobia. E essa é uma das razões pelas quais alguns dos que já deixaram o país dizem não querer mais voltar a viver lá.
Segundo a Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial (CICDR), órgão ligado ao governo português, denúncias de casos de xenofobia contra brasileiros em Portugal aumentaram 433% desde 2017 — naquele ano, a comunidade imigrante do Brasil voltou a crescer.
Em 2020, foram 96 queixas nas quais a origem da discriminação foi a nacionalidade brasileira. Em 2017, apenas 18. Entre os estrangeiros que vivem em Portugal, são os brasileiros que mais registram casos em que são vítimas de manifestações de racismo e xenofobia.
"A expressão que mais se destaca enquanto fundamento na origem da discriminação é a nacionalidade brasileira", diz a CICDR em relatório.
Recentemente, Pedro Cosme da Costa Vieira, professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, no norte de Portugal, foi demitido por comentários sexistas, racistas e xenófobos, entre os quais, "as mulheres brasileiras são uma mercadoria".
Em fevereiro do ano passado, Vieira já havia sido suspenso por 90 dias depois de um grupo de 129 alunos ter denunciado crimes de assédio e discriminação durante as aulas.
E, em meio à pandemia de covid-19, um perfil identificado como sendo de um grupo da Faculdade de Engenharia da mesma universidade publicou nas redes sociais frases xenófobas e machistas contra brasileiros e brasileiras.
Destino tradicional de imigração brasileira, Portugal registrou nos últimos anos um aumento expressivo no fluxo migratório vindo da antiga colônia — dados oficiais mostram que a comunidade de brasileiros morando legalmente no pequeno país europeu subiu pelo quinto ano consecutivo e atingiu a marca recorde de 209.072 em 2021, um aumento de 13,6% em relação a 2020.
Os brasileiros permanecem, assim, na liderança isolada como a maior comunidade imigrante em Portugal, representando 29,2% de todos os estrangeiros em situação regular no país, segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), órgão do governo português responsável pelo controle da imigração.
Mas esse número pode ser ainda maior, pois não inclui os brasileiros com dupla cidadania portuguesa ou de outro país da União Europeia e quem está em situação migratória irregular.
O Ministério das Relações Exteriores do Brasil estima em 276.200 o número de brasileiros vivendo em Portugal, mas associações de apoio a imigrantes calculam que o contingente se aproxima de 400 mil.
Alguns brasileiros citados nesta reportagem optaram por denunciar as agressões que sofreram sob condição de anonimato por temer represálias.
"Estávamos juntos há três meses. Quando me falou sobre um amigo que terminou o relacionamento com uma portuguesa por causa de uma brasileira, ele deu um leve tapa nas partes intimas e disse que entendia o porquê. Fiquei horrorizada", diz à BBC News Brasil Mariana Braz, que vive em Portugal desde que se mudou para o país para fazer mestrado.
"As brasileiras são, de maneira geral, vistas de uma forma extremamente sexualizada, como objetos sexuais. A sociedade portuguesa ainda é essencialmente machista e conservadora", acrescenta.
Episódios como o que sofreu a encorajaram a idealizar em 2020 o projeto social 'Brasileiras não se calam', de apoio a mulheres brasileiras imigrantes.
"Para além de um canal onde mulheres brasileiras compartilham suas histórias, o projeto também oferece grupos de apoio emocional online gratuitos, e conta com uma rede de psicólogas e advogadas que prestam apoio psicológico e jurídico a custo social", diz Braz.
"Uma vez fui fazer um treinamento para trabalhar em uma empresa de energia e o supervisor (que era português), dentro do elevador me disse assim: 'o legal é que não precisamos ir lá para escravizar. Vocês que já vêm por conta própria para essa função'": é um dos vários relatos, a maior parte vinda de Portugal, da conta das 'Brasileiras não se calam' no Instagram, que tem cerca de 50 mil seguidores.
Um relato semelhante aconteceu com a filha de Isabel, que ainda vive em Portugal.
"Estávamos todos sentados em uma mesa, a família toda, eu, minha mãe, minhas duas filhas e o namorado de uma delas. Minha filha levantou-se para buscar uma cadeira e pediu gentilmente à mesa ao lado, na qual havia duas senhoras sentadas. Uma delas nem esperou minha filha sair para dizer, sem mais nem menos, que as 'brasileiras são todas putas'", diz.
Isabel voltou para o Brasil em setembro de 2020. Ela, que já tinha morado no Japão, viveu em Portugal por dois anos para fazer seu mestrado em uma prestigiada universidade no Porto, a segunda maior cidade do país. E conta ter ficado "chocada" com o preconceito no ambiente acadêmico.
"Não esperava encontrar tanto preconceito no ambiente acadêmico. Certa vez, um professor falou da bunda das brasileiras. Outra afirmou que não havia água potável no Brasil", diz.
"Já havia feito mestrado na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e me considero uma pessoa extremamente preparada profissionalmente. Comentei com uma professora que gostaria de me candidatar a uma vaga para lecionar na universidade. Ela riu da minha cara e disse: 'Claro que não, brasileiro vir aqui dar aula?'