Fundado em 11/10/2001
porto velho, terça-feira 26 de novembro de 2024
MUNDO: Pensar no intestino é também lembrar dos barulhos constrangedores ou cheiros desagradáveis, consequências que podem ser causadas por aquilo que comemos. Contudo, seu papel vai além da alimentação. O órgão é capaz de influenciar o humor, estresse, transtornos psicológicos e declínios cognitivos. O tema é abordado no livro "O discreto charme do intestino", obra escrita pela gastroenterologista alemã, Giulia Enders.
O que explicaria, por exemplo, aquela dor de barriga em momentos de estresse ou ansiedade? O cérebro e o intestino se conectam por meio de uma íntima rede nervosa em uma comunicação que ocorrer nos dois sentidos.
"Um intestino que não se sente bem pode prejudicar nosso ânimo de maneira mais sutil, da mesma forma que um intestino saudável e bem nutrido pode melhorar ligeiramente nosso humor", escreve Enders.
Quando o ponto de partida é o intestino, os neurônios saem do trato gastrointestinal e chegam a áreas do cérebro responsáveis pelas emoções, pela memória e pela motivação, diz a obra. Isso também justifica o aumento do risco de ansiedade e depressão entre aqueles que possuem diagnóstico de intolerâncias alimentares ou doenças intestinais, como a síndrome do intestino irritável.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, Enders afirma que descobertas recentes consolidaram as ligações entre transtornos mentais e declínios cognitivos explorados no livro, lançado originalmente no idioma alemão há quase 10 anos.
"Agora nós temos estudos muito precisos ligando doença de Parkinson e depressão a mudanças nas bactérias no intestino", afirma.
A Helicobacter pylori, por exemplo, responsável pelas úlceras estomacais, é associada a uma maior probabilidade de desenvolvimento de Parkinson. O crescimento exagerado de bactérias ruins também pode comprometer a absorção de vitaminas, aumentar o risco de alterações metabólicas em indivíduos obesos e causar doenças inflamatórias intestinais.
Os tipos de estímulos enviados ao cérebro dependem da alimentação, mas o conjunto de microrganismos que vivem no intestino é mais determinante, diz a obra. Estudos mostram que a presença de algumas bactérias no órgão, como a família de Lactobacillus, podem diminuir a quantidade de hormônios do estresse no sangue e aumentar a capacidade de sono, aprendizado e memória.
Enders afirma que o consumo de alimentos prebióticos, que alimentam bactérias boas, como vegetais ou frutas, e alimentos fermentados, como chucrute, kefir e kombucha, são mais benéficos do que o consumo diário de probióticos, bactérias isoladas em laboratório.
"Talvez não seja uma boa ideia ter apenas uma boa superbactéria", aponta. "Elas podem ser boas quando você comeu algo não muito bom ou quando vai viajar, mas no resto do tempo sou mais a favor do consumo de prebióticos, comer de uma maneira que alimenta as boas bactérias que já vivem no seu intestino."
Quanto mais diversos forem os microrganismos, segundo ela, melhor. O cultivo de boas bactérias e fungos pode aumentar o prazer, diminuir a falta de motivação e extinguir alergias respiratórias e intolerâncias alimentares.
Enders aponta que o alto consumo de alimentos ultraprocessados, o uso indiscriminado de antibióticos e o excesso de limpeza são os hábitos mais danosos para a saúde intestinal, pois diminuem o muco protetor, eliminam as boas bactérias e facilitam a proliferação de microrganismos que podem causar infecções.
Desde a primeira edição do livro, as evidências sobre a importância do órgão e de seu microbioma se tornaram mais robusta. A obra foi relançada no Brasil em 2023 após vender mais de 6 milhões de cópias pelo mundo. Embora Enders explore todo o trato gastrointestinal, o abre-alas é o ânus.
"Todo mundo sabe que ele está lá, é uma das razões para termos vergonha do intestino. Essa é a coisa de que as pessoas têm medo e tem nojo, e quando elas descobrem que falar sobre não é assustador e pode ser legal e interessante, então a porta está aberta para conversar", indica Enders.
A médica, então, convida os leitores a olharem para as próprias fezes. O ideal é que elas tenham cor marrom ou marrom-amarelada, sejam compridas, contínuas e afundem devagar no vaso sanitário.
Fezes muito claras ou escuras podem indicar a compressão do ducto biliar ou sangramento intestinal, e aquelas muito consistentes ou líquidas podem sugerir um problema de digestão.
Uma vez que a forma "ideal" de defecar é de cócoras, fazer isso sentado pode ser difícil. Colocar um banquinho onde seja possível apoiar os pés em frente ao vaso sanitário pode diminuir o tempo e o esforço necessários, diz a obra.
Para a autora, conhecer o intestino e se sentir menos envergonhado com ele faz com que as pessoas tenham mais poder sobre a própria saúde e cooperem com o seu funcionamento, deixando de ignorar dores e constipações, além de adotar hábitos que promovam um microbioma mais saudável.