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porto velho, terça-feira 26 de novembro de 2024
BRASIL - No drama pós-apocalíptico de televisão americano de 2023, intitulado The Last of Us, os seres humanos são levados à extinção devido a uma infecção fúngica que transforma a maioria das espécies em zumbis cerebrais. Embora possa parecer algo distante, os fungos têm a capacidade de infectar o cérebro humano.
Fungos estão presentes em todos os lugares do ambiente humano, desde o ar até o solo, material vegetal em decomposição, pele e até mesmo no trato gastrointestinal como parte da flora natural.
Fungos microscópicos causadores de doenças podem invadir várias partes do corpo humano, levando a uma variedade de sintomas e problemas de saúde. As infecções fúngicas contribuem para uma quantidade considerável de doenças a cada ano.
Existem especialistas que estudam infecções fúngicas do cérebro, como o neurobióloga Rachael Dangarembizi, que tem se dedicado a esse campo por uma década
Ela fez parte de uma equipe que recentemente publicou uma revisão discutindo o surgimento e ressurgimento de infecções fúngicas na África, especialmente na África subsaariana.
Concluiu-se que a África está enfrentando uma epidemia silenciosa, porém custosa, de infecções fúngicas.
Verificou-se que o surgimento de infecções fúngicas graves na região é impulsionado principalmente pela alta prevalência de infecções por HIV, falta de acesso a cuidados de saúde de qualidade e indisponibilidade de medicamentos antifúngicos eficazes.
Quando o sistema imunológico está enfraquecido, as pessoas estão em maior risco de desenvolver doenças fúngicas graves ou potencialmente fatais.
A África é responsável por 67% da carga global de HIV, o que contribui para o aumento das doenças fúngicas oportunistas na região.
Um exemplo dessas doenças oportunistas é a meningite criptocócica, que surgiu com a pandemia de HIV no final da década de 1980.
Atualmente, a África subsaariana é responsável por cerca de 73% de todos os casos e óbitos globais relacionados a essa doença.
A meningite criptocócica é causada pelo fungo Cryptococcus neoformans, que é encontrado no solo e nas fezes de pássaros. A infecção ocorre quando alguém inala os esporos fúngicos, o que resulta em uma infecção pulmonar e, posteriormente, uma infecção cerebral fatal. A meningite criptocócica é uma das principais causas de meningite em adultos na África subsaariana e está associada a quase 20% de todas as mortes relacionadas à Aids.
Os tratamentos eficazes para a meningite criptocócica são inacessíveis para a maioria das pessoas afetadas. Os custos variam entre US$ 1.400 e US$ 2.500 (R$ 6.700 e R$ 11.970) por paciente para um curso completo de tratamento antifúngico de duas semanas.
O desenvolvimento de medicamentos mais acessíveis tem sido dificultado pela compreensão limitada de como o fungo causa danos tão graves no cérebro.
Outro exemplo de uma doença fúngica oportunistas relacionada ao HIV é a pneumonia por Pneumocystis jirovecii. Ela é causada por um fungo onipresente no ar, chamado Pneumocystis jirovecii, que é transmitido de pessoa para pessoa.
O Pneumocystis raramente causa problemas em pessoas com sistemas imunológicos saudáveis, mas atua como um reservatório, transmitindo a infecção para aqueles com sistemas imunológicos enfraquecidos, que podem desenvolver sintomas graves, como febre, tosse seca e dificuldade para respirar.
A pneumonia por Pneumocystis jirovecii ocorre em 15% a 20% dos pacientes com HIV que apresentam problemas respiratórios.
O diagnóstico da pneumonia por Pneumocystis jirovecii é caro e requer um laboratório bem equipado. Isso representa um desafio nas instalações de saúde urbanas e rurais pobres da África.
Além disso, o fungo P. jirovecii é extremamente difícil de ser cultivado, o que limita o diagnóstico e a pesquisa.
Na revisão conduzida por Rachael Dangarembizi e seus colegas, foram identificados diversos fatores que impulsionam o surgimento e ressurgimento das ameaças fúngicas.
Eles incluem as mudanças climáticas, a disseminação de doenças imunossupressoras, avanços médicos como transplantes de órgãos (onde o sistema imunológico é suprimido para minimizar a rejeição), o uso de imunossupressores para tratar doenças inflamatórias e o uso de antibióticos.
Embora esses fatores não sejam exclusivos da África, a carga de doenças fúngicas e o número de pessoas que sucumbem a elas são muito maiores.
A pandemia de Covid-19 parece ter agravado o fardo global das infecções fúngicas. Por exemplo, estudos recentes têm mostrado que pessoas que foram infectadas pelo coronavírus e se recuperaram são vulneráveis à infecção por um fungo chamado mucormicose, também conhecido como fungo negro.
Danos pulmonares causados pela Covid-19, níveis elevados de açúcar no sangue e o uso de esteroides frequentemente usados para o tratamento são todos fatores predisponentes para a infecção pelo fungo negro.
Com capacidade reduzida de eliminar esporos fúngicos e uma resposta imunológica enfraquecida devido aos esteroides, o fungo pode entrar e infectar os seios nasais, ossos faciais e, eventualmente, o cérebro.
A maioria da população afetada por infecções fúngicas vive em áreas rurais ou em assentamentos urbanos pobres.
Com sistemas de saúde mal financiados e sobrecarregados, muitos países africanos não estão preparados para lidar com infecções fúngicas.
Além disso, alguns dos medicamentos antifúngicos recomendados pela OMS (Organização Mundial da Saúde), como a flucitosina, não estão disponíveis na maioria dos países africanos. Em vez disso, são utilizados medicamentos ineficazes e até mesmo tóxicos.
O surgimento de cepas fúngicas resistentes a medicamentos também representa uma ameaça crescente. De grande preocupação é o aumento de espécies de Candida resistentes a múltiplos medicamentos, espécies de Aspergillus resistentes a azóis e Cryptococcus clinicamente resistente.
As ameaças fúngicas estão sobrecarregando sistemas de saúde já sobrecarregados, que possuem um arsenal limitado de opções de tratamento.
Profissionais de saúde, pesquisadores científicos, formuladores de políticas e governos devem abordar as lacunas no diagnóstico e tratamento de infecções fúngicas. Isso ajudará a melhorar a capacidade de lidar com essas infecções.