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porto velho, quarta-feira 26 de março de 2025
BRASIL: O cotidiano é repleto de pequenos prazeres que ajudam a levar a vida adiante, como ouvir o canto dos pássaros na alvorada ou escutar os filhos chamarem pelo seu nome. Recentemente, pesquisadores descobriram novos mecanismos para verificar a audição e como ela se forma. O mesmo estudo revela como a dificuldade para escutar pode estar relacionada à indicação de algumas doenças. A relação entre a perda auditiva e o aumento do risco de desenvolver a doença de Parkinson foi investigada a fundo pela Universidade Lancaster, na Inglaterra.
Para o trabalho, publicado na revista Parkinsonism and Related Disorders, os cientistas analisaram o UK Biobank, um banco biomédico que armazena informações de voluntários. Eles examinaram os dados de 159.395 pessoas que fizeram testes auditivos para medir a capacidade de detectar fala e não tinham histórico de Parkinson no momento da avaliação.
Ao longo do acompanhamento, que durou em média 14 anos, 810 participantes foram diagnosticados com Parkinson. A análise revelou que a cada aumento de 10 decibéis na deficiência auditiva inicial, o risco de desenvolver a doença subiu 57%. Megan Readman, pesquisadora de pós-doutorado e líder do estudo, ressaltou a importância dos resultados.
"Este é um dos primeiros estudos a investigar como as deficiências auditivas podem aumentar o risco de Parkinson ou servir como um sinal de alerta precoce. Como nossos resultados sugerem, a perda auditiva está intimamente relacionada ao Parkinson, podendo ser benéfico considerar o funcionamento auditivo e o manejo da deficiência auditiva no diagnóstico e no acompanhamento."
Conexões
Para Christopher Plack, professor da instituição e coautor da pesquisa, "está cada vez mais claro que a perda auditiva não é uma condição isolada, mas está associada a várias outras doenças. Compreender essas conexões é vital para oferecer um atendimento eficaz aos pacientes." Ao identificar fatores, os pesquisadores esperam abrir caminho para novas estratégias de prevenção e cuidados. "Nossos resultados sugerem que a deficiência auditiva está intimamente relacionada ao Parkinson e destacam os benefícios potenciais de abordar o funcionamento auditivo no diagnóstico e acompanhamento do Parkinson", afirmaram.
Conforme Marco Túlio Cintra, geriatra e presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), a relação entre perda auditiva e doença de Alzheimer é melhor estabelecida, sabe-se que ter perda auditiva, definitiva ou transitória, a partir da vida adulta, aumenta o risco de Alzheimer. "Isso tem vários motivos, inclusive, a perda de estímulo do ambiente. A pessoa para de ouvir determinados estímulos, causa inflamação, levando a maior risco de demência e de desenvolver a fisiopatologia da doença."
"Já esse trabalho sobre Parkinson mostra uma associação, não determina que perda auditiva tem relação com o desenvolvimento da doença. Vamos precisar de mais estudos para definir, com a metodologia adequada, com o acompanhamento prospectivo, para definir se é realmente um fator de risco", completou Cintra.
Em outra linha de pesquisa, cientistas da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, descobriram um conjunto sofisticado de "modos" dentro da orelha humana, que cria restrições importantes sobre como o ouvido amplifica sons fracos, tolera explosões de ruído e distingue frequências sonoras. Utilizando modelos matemáticos em uma maquete da cóclea — órgão em espiral no ouvido interno —, os cientistas descobriram uma nova perspectiva sobre a capacidade e precisão da audição humana.
Nos humanos, os barulhos são convertidos em sinais elétricos na cóclea, permitindo que as pessoas detectem sons com frequências em três ordens de magnitude e mais de um trilhão de vezes em potência. Quando as ondas sonoras entram na cóclea, elas viajam ao longo da membrana basilar —estrutura que classifica as frequências sonoras—, coberta por células ciliadas.
"As células ciliadas nesse local informam ao cérebro qual tom você está ouvindo", explicou Asheesh Momi, estudante de pós-graduação e primeiro autor do estudo. Essas estruturas também funcionam como amplificadores mecânicos. A equipe de Yale descobriu um segundo conjunto de modos dentro da cóclea. Grande parte da membrana basilar reage e se move de forma conjunta, até mesmo para um único tom. Essa ação conjunta restringe a resposta das células ciliadas ao som e como elas bombeiam energia para a membrana basilar. Com a descoberta, os cientistas esperam contribuir para uma melhor compreensão da audição de frequências baixas.
Para Tatiana Guthierre, otorrinolaringologista da clínica Inovox, em Brasília, as descobertas auxiliam na compreensão de como a cóclea responde a diferentes frequências, ajudando a melhorar aparelhos auditivos e o tratamento de perda auditiva, especialmente em frequências baixas — sons mais graves.
"A perda auditiva está cada vez mais prevalente, principalmente pelo uso constante e descontrolado dos fones. Essa descoberta poderá nos trazer mais ferramentas para que a prevenção de danos auditivos, e até mesmo o tratamento da lesão já existente, melhorem. O achado deve influenciar novas abordagens na biomedicina e na engenharia auditiva, seja no melhoramento de próteses, seja no desenvolvimento de procedimentos cirúrgicos no futuro.
"A audição é um dos sentidos mais sofisticados do corpo humano, e essa pesquisa reforça que ainda há muito a aprender sobre ela. Muitas vezes, pensamos na cóclea apenas como um receptor de som, mas na verdade, ela é um sistema dinâmico que se adapta às nossas necessidades auditivas de maneira inteligente. As descobertas mostram que nosso sistema auditivo evoluiu para encontrar um equilíbrio perfeito entre sensibilidade e robustez. Além de nos ajudar a compreender melhor os distúrbios auditivos, esse conhecimento pode até inspirar o desenvolvimento de novas tecnologias, como sensores acústicos mais eficientes ou sistemas de proteção contra ruídos extremos. No fim das contas, o estudo da audição ainda tem muito a revelar, e isso é extremamente empolgante para a ciência e para a medicina."
Gustavo Meirelles, otorrinolaringologista da Clínica Dolci em São Paulo
Um novo estudo da Universidade Oregon Health & Science, nos Estados Unidos, é o primeiro a sugerir que a fusão binaural de tons — um processo em que sons diferentes em cada ouvido se combinam para formar um único som — pode ser um tipo de processamento auditivo central que continua se desenvolvendo na infância. O trabalho, publicado na revista Journal of the Association for Research in Otolaryngology, também indica que essa descoberta pode abrir portas para novas formas de tratamento.
A fusão binaural de tons está relacionada ao 'efeito coquetel', que é a capacidade do cérebro de focar em uma voz específica em ambientes com muitos sons. Algumas pessoas, chamadas de "fusão binaural ampla", têm dificuldades em separar essas vozes. "O estudo indica que o desenvolvimento da audição nas crianças é um processo mais longo do que pensávamos, o que pode trazer novas possibilidades para tratamentos. Esperamos que isso ajude a criar métodos mais eficazes para melhorar o desenvolvimento da fala e a percepção do som no meio do ruído", ressaltou Lina Reiss, professora da universidade e líder da pesquisa.
O trabalho
Os pesquisadores acompanharam crianças de várias idades e avaliaram como a fusão binaural se desenvolve ao longo do tempo. Eles compararam pacientes com audição normal, com perda auditiva e aqueles que usavam diferentes tipos de aparelhos auditivos.
Segundo o artigo, mesmo participantes com audição normal podem ter dificuldades para entender a fala em ambientes barulhentos devido à imaturidade da fusão binaural. No entanto, essa habilidade começa a melhorar entre os 6 e os 14 anos, sugerindo que as conexões auditivas continuam amadurecendo na infância.
Conforme Luciene Sato, otorrinolaringologista da Beneficência Portuguesa, de São Paulo, a alteração da fusão binaural pode ter diversas razões, como o distúrbio do processamento auditivo, ou estar ligada a uma perda auditiva."No primeiro caso, podemos indicar a terapia auditiva acusticamente controlada realizada por fonoaudiólogos especializados", disse.
Em seguida, a médica acrescentou: "Quando estamos diante de uma perda auditiva, a depender da causa, pode ser necessária a reabilitação com aparelhos. Os casos de perdas auditivas unilaterais também necessitam de reabilitação. É importante tentar garantir o máximo de simetria de ambas as orelhas, e os aparelhos devem ser bem ajustados para um melhor desempenho das habilidades auditivas, entre elas, a fusão binaural."
Jennifer Fowler, professora assistente e coautora do estudo, ressaltou que entender como melhorar o reconhecimento da fala em ambientes ruidosos é essencial para o desenvolvimento. "É importante considerar maneiras de melhorar o ambiente de aprendizado, como usar microfones em salas maiores, para ajudar as crianças a ouvir claramente acima do barulho de fundo. Treinamentos musicais, por exemplo, podem ser uma forma eficaz de melhorar a fusão binaural, e explorar esse tipo de intervenção pode ser benéfico para os pacientes", destacou.