Fundado em 11/10/2001
porto velho, quinta-feira 28 de novembro de 2024
BRASIL - Mesmo com o avanço da vacinação contra Covid-19 no Brasil, onde alguns grupos estão recebendo até a 3ª dose de reforço, há uma parcela da população fora dos registros de imunizados, mas não por falta de interesse. Voluntários do estudo de fase 3 do imunizante desenvolvido pela canadense Medicago, um dos 12 testes aprovados no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), receberam as doses previstas na pesquisa, mas seguem "invisíveis" nas estatísticas oficiais do Ministério da Saúde.
Isso porque a empresa não apresentou resultados e nem pretende pedir autorização para uso no Brasil. Além disso, o imunizante, apesar de aprovado no Canadá, não possui chancela da Organização Mundial de Saúde (OMS), o que permitiria seu registro para quem a recebeu - entenda, mais abaixo, o critério e a polêmica com a OMS.
No Brasil, além da Medicago, há outros sete testes de vacinas em curso autorizados pela Anvisa e ainda sem resultados apresentados. Estes ensaios, pela autorização concedida pela agência, envolveriam 27,9 mil voluntários.
No caso da farmacêutica canadense, são 3,5 mil pessoas autorizadas a participar da pesquisa que, no estado de São Paulo, ocorre na cidade de Valinhos. Atualmente há 860 voluntários ativos no estudo, pessoas que não são reconhecidas como imunizadas pelo Ministério da Saúde - a expectativa é terminar o estudo em outubro de 2022.
No Brasil, os dados mais atualizados do consórcio de veículos de imprensa mostram que 167.151.998 brasileiros estão totalmente imunizados ao tomar a segunda dose ou a dose única de vacinas. Este número representa 77,81% da população total do país.
De acordo com Luciana Ferrara, diretora do laboratório Azidus, que conduz a fase 3 no interior paulista, a solução apresentada aos participantes foi a de buscarem as doses de vacinas aprovadas no Brasil e disponíveis no SUS.
"Esse assunto foi discutido junto com a Comissão Nacional de Ética e Pesquisa (Conep), junto com investigadores e infectologistas. Baseado em dados de literatura e pensando na proteção dos pacientes, foi chegada à conclusão de emitir uma carta aos participantes, recomendando que eles sigam para o SUS tomar as doses regulares e posteriormente as doses de reforço", explica Luciana.
Uma participante do estudo da Medicago, entretanto, relata que não conseguiu receber o imunizante pelo SUS. E com o avanço da positividade de novos casos da Covid-19, teme não estar protegida contra uma nova infecção.
Mariana de Oliveira Figueiredo, de 34 anos, conta que testou positivo em janeiro deste ano, e apesar de desenvolver sintomas leves, identificou diversas sequelas pós-Covid, que incluem queda de cabelo, dor de cabeça, dor nas pernas e "raciocínio travado". "Ainda tenho algumas atitudes sem explicação, como se bugasse meu cérebro", diz.
A voluntária reconhece a eficácia do imunizante recebido no estudo, mas lamenta a situação, em que oficialmente consta como não imunizada e, por isso, enfrenta dificuldades para conseguir o reforço na proteção.
"Meus médicos me orientaram que a vacina (da Medicago) é boa, pois tive Covid-19 sem grandes problemas, mas preciso das doses de reforço ao menos", afirma.
Moradora de Cabo Verde (MG), Mariana apresentou a carta do laboratório e tentou receber a vacina pelo SUS em sua cidade natal, mas a resposta obtida no centro de vacinação foi de que eles temiam uma "superdosagem" e não aplicaram. Ela fez nova tentativa na regional, mas teve o caso encaminhado à Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais e aguarda uma solução.
Ao g1, a pasta informou que não foi notificada do caso da paciente, mas questionou o MInistério da Saúde sobre a situação e reforçou que a orientação é "de que os voluntários participantes de estudos clínicos de fase 3 devem ser vacinados com os imunizantes disponibilizados na Campanha Nacional de Vacinação contra o coronavírus".
"A SES-MG destaca que a imunização deve ser realizada em alinhamento às recomendações e indicações dispostas do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a covid (PNO)", diz a nota.
Teste da Medicago
Segundo a Anvisa, o estudo da Medicago foi iniciado em 19 de maio de 2021, mas não houve notificação sobre o término da pesquisa.
"Esta condução é de responsabilidade dos pesquisadores. Até o momento não há solicitação referente ao registro ou autorização de uso emergencial no Brasil para a vacina produzida pela Medicago e GlaxoSmithKline", destaca o órgão.
Ainda de acordo com a Anvisa, a consolidação dos resultados da pesquisa e a apresentação dos dados é de responsabilidade do laboratório, que deverá fazê-lo para autorizar sua vacina no Brasil.
O Ministério da Saúde informa que para os voluntários participantes de estudos clínicos de fase 3 com imunizantes Covid-19 ainda não aprovados pela OMS recomenda-se o início da vacinação com os imunizantes disponibilizados na Campanha Nacional, em alinhamento às recomendações e indicações dispostas no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 (PNO).
Uma nota técnica publicada em 2021 regulamenta como deve ser feito o registro de doses da vacina contra a Covid-19, e permitiria o registro do imunizante da Medicago caso o mesmo tivesse aprovação da Organização Mundial de Saúde (OMS), por exemplo.
O que diz a OMS?
Ao g1, a OMS informou que a manifestação pelo pedido de uso emergencial da vacina da Medicago ainda não foi aceita devido à ligação com a indústria do tabaco (que integra a iniciativa) e à política estrita da OMS de não se envolver com empresas que promovem o tabaco.
"A Medicago foi informada desta decisão e foi informada das políticas da OMS
Ainda segundo o posicionamento, a OMS está realizando discussões sobre como abordar uma tendência geral da indústria do tabaco de investir na indústria da saúde.
"Estamos explorando diferentes opções de políticas para produtos de saúde potencialmente válidos vinculados à indústria do tabaco e comunicaremos assim que uma decisão for tomada".
Como funciona a vacina de tabaco?
A Medicago informou em seu site oficial que usa uma tecnologia baseada em plantas para produção de vacinas. Segundo o laboratório, eles produzem Partículas Pseudovirais (VLP) para as vacinas de proteína. Essa tecnologia é adotada pela instituição há 20 anos.
As VLPs são projetadas para imitar a estrutura nativa dos vírus, disse o laboratório. O vírus ativo da doença não é utilizado. A planta usada é a Nicotiana benthamiana, ou tabaco selvagem, o hospedeiro experimental mais utilizado em virologia vegetal, de acordo com a instituição, devido ao grande número de vírus que podem infectá-la com sucesso.
Desta maneira, a farmacêutica destaca que "essas partículas permitem um reconhecimento fácil pelo sistema imunológico". Além disso, as VLPs não possuem material genético central. Segundo a Medicago, as partículas não são infecciosas e não podem se replicar.
Vacinas em testes
Segundo a Anvisa, além das quatro vacinas aprovadas para uso no Brasil (Pfizer, Astrazeneca, Coronavac e Janssen), há outros 8 imunizantes que receberam autorização para realização de estudos clínicos no país, entre eles o da Medicago.
Os ensaios clínicos são os estudos de um novo medicamento realizados em seres humanos. A fase clínica serve para validar a relação de eficácia e segurança do medicamento e para validar novas indicações terapêuticas.
AstraZeneca (em uso no Brasil)
Tecnologia: vetor viral.
Doses: duas doses, aplicadas com intervalo entre 4 e 12 semanas.
Status da pesquisa: a vacina teve o registro concedido pela Anvisa em 12 de março de 2021. Em julho, a Anvisa autorizou um novo estudo clínico com uma terceira dose do imunizante.
CoronaVac (em uso no Brasil)
Tecnologia: vírus inativado.
Doses: duas doses, aplicadas com intervalo entre 2 e 4 semanas.
Status da pesquisa: a vacina teve o seu uso emergencial aprovado em 17 de janeiro de 2021.
Janssen (em uso no Brasil)
Tecnologia: vetor viral.
Doses: dose única.
Status da pesquisa: a vacina teve o seu uso emergencial aprovado em 31 de março de 2021.
Pfizer (em uso no Brasil)
Tecnologia: RNA.
Doses: duas doses, aplicadas com intervalo maior ou igual a 21 dias.
Status da pesquisa: a vacina teve o registro concedido pela Anvisa em 23 de fevereiro de 2021. Em junho, a Anvisa autorizou um estudo sobre dose de reforço do imunizante. Essa é a única vacina com indicação para menores de 18 anos.
Academia Chinesa de Ciências Médicas
Tecnologia: vírus inativado.
Doses: duas doses, aplicadas com intervalo de 14 dias.
Status da pesquisa: em julho, a Anvisa autorizou o início dos testes de fase 3, com 7.992 participantes.
AstraZeneca (nova versão)
Tecnologia: vetor viral.
Doses: testes serão feitos com dose única e duas doses.
Status da pesquisa: em julho de 2021, a Anvisa aprovou os estudos de fase 2 e 3, com 800 voluntários
Butanvac
Tecnologia: vírus inativado.
Doses: duas doses, com intervalo de 28 dias.
Status da pesquisa: em julho de 2021, a Anvisa autorizou o início dos testes de fase A, que vai envolver 400 voluntários.
Clover
Tecnologia: subunidade proteica.
Doses: duas doses, com intervalo de 22 dias.
Status da pesquisa: a Anvisa autorizou, em abril de 2021, o início dos testes clínicos de fase 3, envolvendo pelo menos oito mil voluntários.
Medicago
Tecnologia: partícula semelhante a coronavírus.
Doses: duas doses, com intervalo de 21 dias.
Status da pesquisa: a Anvisa autorizou o estudo clínico de fase 3 da vacina em abril de 2021, com 3.500 voluntários.
Sanofi
Tecnologia: RNA.
Doses: duas doses, com intervalo de 21 dias.
Status da pesquisa: a Anvisa autorizou o estudo clínico de fase 1/2 da vacina em julho de 2021, com 150 voluntários.
Inovio
Tecnologia: vacina de DNA com eletroporação
Status da pesquisa: autorizado pela Anvisa para 350 voluntários no Brasil acima de 18 anos.
HDT Biocorp
Tecnologia: RNA autorreplicante
Status da pesquisa: autorizado testes com 90 brasileiros entre 18 e 55 anos na Bahia.