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porto velho, sábado 19 de julho de 2025
A calma que precede a tempestade?
Às vésperas de uma eleição presidencial importante para os rumos do Brasil, que é caudatária e que servirá como resumo ou até continuação do que vem acontecendo politicamente em nosso país, em nossas instituições, desde junho de 2013, podemos perceber certa calmaria tanto entre os partidos políticos quanto entre os diversos grupos político-culturais na sociedade civil.
Talvez o ator sempre presente em nossa vida política cotidiana, o mercado, seja o único que esteja sinalizando claramente que não aceitará o retorno de uma perspectiva política intervencionista e protecionista em relação à economia, postura essa (do mercado “brasileiro”) que está na contramão da tendência político-partidária retomada pela maior parte das grandes economias mundiais, incluindo o governo do “ultra-direitista” Donald Trump em relação aos Estados Unidos, que assumiu uma política diretamente protecionista do mercado americano.
Essa postura anti-política e anti-Estado, própria ao mercado brasileiro, não nos espanta, uma vez que nossa economia possui uma subserviência e um direcionamento quase caninos aos mercados centrais, sendo, em verdade, bastante enquadrada por estes, grandemente dominada por estes. Nossa sociedade admira as condições das economias centrais, mas deixa de ver o caminho e os instrumentos óbvios que lhes permitiram alcançar esse estágio: política, Estado e instituições público-políticas fortes, interventoras e compensatórias, que buscaram alinhar capital e trabalho, a partir da recusa do livre-mercado enquanto um eixo apolítico, despolitizado, meramente técnico e meritocrático.
O mercado brasileiro – e em particular o mercado financeiro brasileiroi – é, portanto, o único sujeito público-político que, hoje, causa distúrbios sociais e pressiona a mídia e os partidos políticos com vistas a encampar um candidato neoliberal, a favor do livre-mercado pura e simplesmente, seja lá o que livre-mercado possa significar (e não existe livre-mercado, que isso fique bem claro, pelo menos não em economias periféricas, de matriz primária, alinhadas aos mercados centrais e marcadas pela primazia de capitais transnacionais em seu núcleo interno).
Ora, no âmbito político-partidário estamos assistindo a movimentos tímidos em termos de candidaturas, de alianças e de projetos políticos. Alckmin, Marina, Bolsonaro, Ciro, Boulos, Manuela, Amoedo e Lula etc., todos eles recém começaram a dar os primeiros passos nessa que pode ser a eleição mais sem sal da história republicana brasileira, uma vez Lula estando fora da disputa. Com efeito, o fato de Lula não estar na disputa eleitoral diminui a paixão social em torno aos partidos e candidatos disponíveis, conforme penso. Lula aglutina e dinamiza as contradições e as diferenciações sociopolíticas, especialmente em uma sociedade como a nossa, marcada por grandes contradições, divisões e tensões sociopolíticas.
Ele dinamiza amor e ódio, projetos sociopolíticos antagônicos, alianças e conflitos. É um candidato fantástico, no que diz respeito a isso, porque, entre outras coisas, tensiona a correlação de capital e trabalho, dinamizando inclusive a participação de movimentos sociais e de minorias político-culturais e seu enquadramento de nossos sujeitos, códigos, relações e valores institucionais, socioculturais.
Na medida em que ele provavelmente não estará presente, a eleição perde seu pilar constituinte e dinamizador inconteste, expresso na figura deste grande líder popular, e candidatos sem muita expressão política em âmbito nacional passam a tentar amalgamar apoio popular maciço. Mas, diferentemente de Lula, líder popular com uma história de lutas e de alianças em torno ao trabalhismo, ao sindicalismo e aos movimentos sociais, os demais candidatos possuem campos e público-alvo bem específicos e, em muitos casos, um tanto inexpressivos.
Bolsonaro, a título de exemplo, até pouco tempo atrás ganhava adeptos por meio de um discurso antagônico em relação ao comunismo, às minorias político-culturais e a favor de um governo militar e da pena de morte aos assassinos e de castração aos estupradores. Marina, Boulos e Manuela representam posições políticas alinhadas a movimentos sociais e ambientalistas, ainda bastante restritas em termos de alcance e de hegemonia popular, que não se enraizaram profundamente na vida da população. Amoedo, quem é Amoedo mesmo?! Ciro vincula-se a uma tradição política trabalhista que, desde Brizola na segunda metade do século XX, perdeu um tanto de sua força, infelizmente. Alckmin talvez seja o único candidato que tem história política sólida e longa, vinculado, além disso, a um grande partido político, o PSDB, que consegue mobilizar um eleitorado coeso e numeroso – nos últimos anos, o PSDB foi o segundo maior partido político em número de votos para o governo federal, atrás apenas do PT. Entretanto, o próprio Alckmin não possui o carisma e o apelo simbólico que Lula possuía (o que não é um problema para mim, em verdade), de modo que não consegue conquistar de modo amplo o coração e as mentes da população, acostumada com esse tipo de lideranças carismáticas (vide seu apelido: “Picolé de chuchu”).
Note-se, portanto, que nenhum desses candidatos possui uma força política e um capital simbólico capazes, nesse primeiro momento, seja de captar o amplo leque do eleitorado e de suas posições político-culturais, seja de levar ao terreno público-político as diferenciações e as contradições sociais – mesmo Bolsonaro, que explora como ninguém as tolices próprias ao preconceito de gênero, de sexualidade e de raça-cor, ainda fortemente enraizados na cultura brasileira, não poderá utilizar essas bobagens por muito tempo, se quiser construir e oferecer um projeto político-partidário à nação, e não a apenas alguns sujeitos com pouca reflexividade e carentes de educação formal mais sólida e humanista. Todos esses candidatos, em suma, recém lançaram raízes no âmbito da sociedade civil, precisando de um longo tempo e de muito protagonismo para solidificá-las, para desenvolvê-las.
Por conseguinte, suas posições e seus projetos político-partidários são ainda marcados por um desenvolvimento incipiente, um tanto tateantes, ao contrário, mais uma vez, de Lula, que possui história, carisma e experiência sociopolíticas e partidário-institucionais. Por isso que disse que, se ele estiver fora da disputa, como provavelmente acontecerá, nossa eleição será uma grande incógnita e, principalmente, apresentará um sentido e uma intensidade mornos, no melhor dos casos, ao menos no primeiro turno. É possível – embora não desejável – que tenhamos, inclusive, altos índices de abstenção eleitoral, por parte da população (isso já é uma tendência há longo tempo, em verdade).
De todos os modos, será essa calmaria que estamos vivenciando o prenúncio do furacão Brasil, que terá impactos poderosos nos rumos de nossa sociedade? Ou será que, para os próximos anos, esta situação de apatia, de apoliticidade e de mediocridade dos líderes e dos projetos políticos definirá uma vida política morna, tateante e pouco criativa?
Será, por outro lado, que passaremos a uma situação política de mediocridade permanente, sem que nossas diferenciações e nossas contradições sejam efetivamente politizadas e enfrentadas tanto pela sociedade civil quanto pelos partidos políticos? Porque as contradições e as diferenciações sociais são detonadas, estimuladas e enfrentadas por grandes líderes políticos, por amplas coalizões políticas e por projetos político-partidários de nação, e não por candidatos, coalizões e projetos parciais, marcados pela pequenez de seus articuladores.
Em um momento em que, se Lula sair do páreo, teremos apenas candidatos medianos (em termos de apoio e de enraizamento populares, que fique claro), as contradições e as diferenciações poderão ser minimizadas e até silenciadas (principalmente no âmbito político, partidário e institucional), restando basicamente partidos, lideranças e projetos que “empurrem com a barriga” o governo do Estado, a gestão e a orientação da vida social.
Por isso, essa eleição presidencial, ao meu modo de ver, imprimirá a marca da dinâmica política, partidária, institucional e social brasileira por um bom número de anos. Teremos a hegemonia social de um projeto político-partidário amplo e amalgamador da sociedade civil ou o candidato-partido-projeto vencedor não possuirá a hegemonia necessária – nem no legislativo e nem na sociedade civil – para governar e implantar suas proposições? Lembremos que, exatamente por falta dessa hegemonia partidária e popular, Dilma Roussef sofreu um golpe político-partidário e foi derrubada – e, se tivesse se salvado, talvez não teria conseguido governar exatamente por essa falta de hegemonia? Isso acontecerá de novo? Ao contrário, por contar com hegemonia partidária e com o silenciamento das ruas, Temer conseguiu se manter até agora no governo, embora nulo politicamente e enfrentando denúncias e processos muito graves para um mandatário.
Por isso, causa-me certo medo com o futuro do país o atual nível eleitoral de nossos projetos e a falta de Lula: para todos, os que lhe simpatizam e os que lhe antagonizam, sua presença nas eleições seria, mais uma vez, um elemento catalisador do debate, da ação e do aperfeiçoamento dos projetos de nação; sua saída da disputa pode significar um consenso fundamental em torno aos projetos, às lideranças e as posições partidárias, isto é, de que a mediocridade é e deve ser a regra da liderança, dos partidos e dos projetos políticos eleitos. De todo modo, se a mediocridade for a regra, que ela pelo menos não cause estragos, o que por si só já é difícil demais.